Discurso no Senado Federal

EFEITOS NOCIVOS QUE A ATUAL POLITICA ECONOMICA VEM IMPONDO AO SETOR DE PESCA NO PAIS.

Autor
Esperidião Amin (PPR - Partido Progressista Reformador/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PESCA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • EFEITOS NOCIVOS QUE A ATUAL POLITICA ECONOMICA VEM IMPONDO AO SETOR DE PESCA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15729
Assunto
Outros > PESCA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SETOR PESQUEIRO, RESULTADO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, PROVOCAÇÃO, RECESSÃO, ABERTURA, ECONOMIA NACIONAL, REDUÇÃO, CONSUMO INTERNO, PRODUÇÃO, PESCADO, OBRIGATORIEDADE, IMPORTAÇÃO, ABASTECIMENTO, ESTOQUE, MATERIA-PRIMA, PREJUIZO, INDUSTRIA PESQUEIRA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, INCENTIVO, PRODUÇÃO, PESCA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, INCENTIVO FISCAL, ISENÇÃO, IMPOSTOS, ABERTURA DE CREDITO, AQUISIÇÃO, EQUIPAMENTOS, OBTENÇÃO, RECURSOS EXTERNOS, RENOVAÇÃO, FROTA, EMBARCAÇÃO PESQUEIRA.

           O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPR-SC.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não posso deixar de hoje solicitar a atenção de todos os colegas para um assunto que há certo tempo me inquieta. Trata-se dos efeitos nocivos que a atual política econômica vem impondo ao setor da pesca no País.

           As estatísticas são cruéis quando apontam a retração visível da produção pesqueira no Brasil desde a implantação do Plano Real. Talvez por força de um abandono tácito das autoridades econômicas, a pesca tem sido relegada a uma situação de indigência política na agenda do Governo.

           A bem da verdade, a produção anual de pescados tem acusado uma queda sucessiva e brutal desde pelo menos o início dos anos noventa. No entanto, com a introdução da nova moeda, havia uma promessa de reaquecimento por cadeia em todo parque produtivo brasileiro. Contrariamente, os pescadores só foram mesmo testemunhas do reaquecimento da pobreza.

           Sr. Presidente,

           A média anual da produção pesqueira durante os anos oitenta registrava um volume calculado em um milhão de toneladas. Em compensação, nos anos noventa, a média caiu quase pela metade. Segundo dados coletados junto ao Sindicato da Indústria e da Pesca de Florianópolis, a média atual gira em torno de setecentas mil toneladas ao ano.

           Com o advento do Plano Real, a expectativa dos representantes do setor pesqueiro era a retomada do impulso produtivo via expansão do mercado. O Real simbolizava um novo horizonte para a já combalida economia dos pescados.

           Lamentavelmente, um pouco mais de um ano depois, o que era expectativa se converteu em negra realidade. Pelo menos, é essa a leitura que a economia pesqueira faz dos resultados colhidos até hoje. Nada de concreto pôde ser até agora executado por parte do novo Governo para evitar o colapso geral que se avizinha.

           Mesmo no plano das metas a médio e longo prazo, a impressão que se tem é de um absoluto silêncio, como se o desfecho natural para a crise da economia pesqueira se confinasse exclusivamente ao desaparecimento entrópico do setor.

           Isso seria mais uma ironia dos tempos da Modernidade se não se desvelasse de fato como um trágico destino. Equivocadamente considerada como um setor artesanal, para cuja dinâmica produtiva lhe são suficientes apenas uma jangada, algumas centenas de peixes e meia dúzia de pescadores, a economia pesqueira sofre, acima de tudo, de discriminação política.

           Há uma forte resistência dos técnicos das pastas ministeriais envolvidas com a área em considerar a pesca como pólo desenvolvimentista regional. Na melhor das hipóteses, debruçar-se sobre a economia pesqueira parece significar abrir concessão à nostalgia de um Brasil pré-histórico. 

           Nossos cientistas só podem raciocinar com modelos macroeconômicos de expansão produtiva, cujo exagero nas políticas sugeridas se adequa tanto à realidade brasileira quanto a plantação de mandioca se adequa aos solos siberianos.

           Em vez de se levar em conta a penetração do setor nas economias regionalizadas do País, prefere-se deixá-lo à margem das grandes decisões, como se, sujeito a uma onda inercial própria, se responsabilizasse isoladamente pela sua dinamização.

           Quando não se consegue justificar a indiferença política em nome da frágil participação da economia pesqueira na pauta brasileira no âmbito do comércio exterior, alegam-se razões as mais cínicas para protelar a mera divulgação de uma carta de intenções para o setor.

           Sr. Presidente,

           Como se não bastassem os efeitos deletérios advindos da condição de abandono a que tem sido submetida há alguns anos, a pesca brasileira está, na atualidade, acometida pelo mal da recessão que prevê a adoção de uma política econômica que reprime o consumo interno.

           Ora, o consumo per capita de peixe no Brasil já se situava bem aquém da média internacional em tempos de prosperidade, o que dizer agora? O Ministério da Agricultura informava até há pouco que o consumo per capita não ultrapassava quatro quilos de pescado por ano, enquanto que no resto do mundo a média era de oito quilos.

           Num país absolutamente miserável como o nosso, como imaginar um projeto nacional de erradicação da fome sem que necessariamente se convoquem os setores ligados ao mercado dos gêneros alimentícios para uma grande mobilização nacional!?

           Longe disso, o panorama político atual desenha outras perspectivas. O mercado de peixes tem registrado uma forte compressão nas vendas, muito em função da restrição orçamentária imposta à classe média. Isso para não mencionar a queda de consumo ocasionada pelo fenômeno da demissão em massa.

           Mais uma vez, as estatísticas são convocadas para atestar os fatos. De acordo com os dados divulgados pela grande imprensa, a atividade pesqueira absorvia até pouco tempo atrás cerca de oitocentos mil empregos diretos no País, em torno dos quais mais de quatro milhões de trabalhadores se articulavam indiretamente.

           Hoje, aproximadamente um terço desse total já está à rua em busca de um novo meio de sustentação, enquanto o salário-desemprego não finda. Na prática, a recessão tem intensificado a progressiva corrosão social sob a forma abominável do desemprego.

           Oxalá, o Presidente Fernando Henrique tenha razão quando declara que o tal "desaquecimento" é passageiro e que logo deve ceder seu lugar para novos impulsos de crescimento econômico. Nesse ínterim, a pesca se desintegra sem sequer receber um olhar de consideração do Palácio do Planalto.

           Sr. Presidente,

           Porém, mais do que a recessão, a abertura econômica e a operacionalização do Mercosul provocaram um verdadeiro terremoto nas indústrias de pesca. E é exatamente isso que vem assustando a todos em Santa Catarina, pois as medidas multilaterais que culminaram na assinatura de tantos acordos têm indiscutivelmente prejudicado determinados setores.

           Com a queda na produção de pescados, as indústrias processadoras vêem-se obrigadas a recorrer ao mercado externo para abastecer seu estoque em matéria-prima. Cerca de três quartos do volume total de pescados importados pela América Latina são para abastecer empresas brasileiras. Na Região Sul, onde se concentram as indústrias pesqueiras de conservas e de produtos congelados para o mercado interno, o acesso ao mercado externo tem sido cada vez mais crescente.

           Os parceiros do Brasil no Mercosul - Argentina e Uruguai -, que há bem pouco tempo produziam quantidade inferior de frutos-do-mar, tornaram-se subitamente fornecedores da indústria brasileira.

           As vantagens oferecidas no mercado internacional estão sendo tão sedutoras, que a concorrência tem provocado estragos irreversíveis na economia pesqueira brasileira. Para se ter uma idéia, no caso específico da sardinha, os contratos de importação chegam a prever prazo de pagamento em cento e oitenta dias!

           Ora, a competição parece-nos desleal se levarmos em conta o precário estado de organização da pesca brasileira. Se se compará-la com os demais países, notar-se-á que, diferentemente de seus parceiros, o Brasil não tem contribuído em nada para fazer face aos desafios da concorrência.

           Digo isso, porque nos demais países produtores os governos não se furtam a ditar uma política clara e incisiva de investimento para o setor da pesca. Seja na forma de incentivos fiscais, seja na forma de subsídios, ou seja na forma de abertura de linha de crédito, os governos lá fora se comprometem a dotar o setor de infra-estrutura mínima para enfrentar o mercado.

           Aqui no Brasil, o bom senso continua a caminhar na contramão. Premiado com uma costa marítima cuja extensão de quase oito mil quilômetros é invejada por todos, sua contribuição para a produção mundial de pescado não consegue atingir nem um por cento!

           O Brasil está a pé em matéria de pesca. Românticos saveiros e pitorescas jangadas constituem ainda o padrão de embarcação para o desenvolvimento da pesca em nossas praias. A frota nacional possui cerca de vinte e seis mil embarcações, das quais somente mil e seiscentas formam a chamada frota industrial costeira. Enquanto isso, no resto do mundo, toda essa pré-história já foi sucateada e largamente substituída por sofisticadas frotas pesqueiras.

           Sr. Presidente,

           A renovação da frota nacional é questão básica para se cogitar em reacender a economia pesqueira nacional. Além disso, não se pode tolerar mais que o preço do óleo diesel cobrado junto aos barcos seja três vezes mais alto que os preços cobrados no mercado externo. Só assim poderá a proteína do mar chegar a todo o território brasileiro a preços razoáveis.

           Um outro ponto que merece uma observação mais detida é o atrelamento da pesca ao IBAMA ¥ Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Sem dúvida, a legislação deve ser revista no sentido de propor uma nova ordem relacional entre a exploração de recursos marítimos e a preservação ambiental.

           Do jeito que está não pode continuar. Mesmo porque, até a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar já estipulou prazo para que os estados nacionais apresentem uma espécie de inventário sobre os recursos vivos marinhos alojados em suas águas. A partir desse levantamento, serão arbitradas normas de exclusividade para exploração do estoque catalogado.

           Em outras palavras, o país que não tiver condições técnicas e tecnológicas para exercer a contento o direito de exploração de seus recursos marítimos poderá ser requisitado a ceder suas águas para que outras economias, caso se interessem pela captura da espécie, assim o façam.

           Portanto, caso o Brasil ainda mantenha o interesse de extrair de sua extensão costeira riquezas para seu desenvolvimento econômico, terá que proceder imediatamente à implantação de uma política direcionada para o incremento da produção pesqueira.

           Para tanto, o Governo do Presidente Fernando Henrique deverá adotar uma nova política econômica que reverta uma vez por todas o quadro caótico do setor. Essa nova política deverá contemplar as reivindicações básicas da produção pesqueira, que se traduzem em incentivos fiscais, isenção de impostos e abertura de crédito para aquisição de equipamentos modernos.

           Além disso, as autoridades econômicas deverão estimular a angariação de recursos externos, com amortização superior a doze meses, a juros suportáveis e compatíveis para manutenção e renovação da frota pesqueira nacional, bem como do equipamento na área de pesquisas e sondagem marítima. 

           No domínio da colaboração científica, escolas para especialização e treinamento ao profissional da pesca deverão ser incentivadas. Mais ambiciosa ainda, porém bem factível, deverá ser a introdução de um curso superior para a área de engenharia de pesca.

           No curso, o estudante se preparará para a obtenção de um conhecimento especializado sobre a utilização dos equipamentos marítimos, navegação, construção de redes, biologia aquática, tecnologia do pescado, higiene e saúde do pescado e da tripulação, além de noções sobre o controle da qualidade do pescado.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

           Desse modo, poderá o Governo verdadeiramente resgatar seu compromisso com a modernidade. Refiro-me a uma concepção de modernidade que não privilegie determinados domínios de produção da economia nacional em detrimento de outros. A tradição milenar da pesca brasileira não pode ser tratada como uma atividade obsoleta e deslocada de um projeto nacional de desenvolvimento.

           Pelo contrário, de maneira racional e inteligente, à pesca deve-se conferir uma posição de destaque na pauta de investimento nacional. Todavia, caso o Brasil insista em virar sua costa para o silêncio, amanhã será então muito tarde para mantê-la com soberania e autodeterminação.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 13/09/1995 - Página 15729