Discurso no Senado Federal

ASSISTENCIA MEDICA NO PAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • ASSISTENCIA MEDICA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 16/09/1995 - Página 15896
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, GOVERNO, ATENÇÃO, PROBLEMA, PLANO, SAUDE, SEGURO-DOENÇA, PROTEÇÃO, GARANTIA, DIREITOS, EFICACIA, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA MEDICA, CONSUMIDOR.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em mais de uma oportunidade tenho ocupado a tribuna desta Casa para abordar questões ligadas à saúde, à assistência médica no País. E tenho-me referido, nessas ocasiões, nessas intervenções e nesses debates, à chamada indústria da saúde ou os negócios da saúde.

Eles representam, no nosso País, um setor onde os investimentos são vultosos, onde as despesas são grandes. Portanto, há um grande dinamismo econômico, uma grande soma de recursos envolvida nessa chamada indústria da saúde.

Podemos dividir esses negócios da saúde ou negócios com a saúde em três grandes segmentos de mercado.

O primeiro é um setor privado prestador de serviços, constituído de entidades e instituições com fins lucrativos, instituições beneficentes, filantrópicas, que prestam serviços ao setor público, ao SUS, Sistema Único de Saúde, e recebem do Governo por esses serviços prestados.

O segundo segmento é o dos planos de saúde ou medicina de grupo. São empresas ou cooperativas médicas, como a UNIMED, que se organizam para, mediante um sistema de pré-pagamento, prestar assistência médica àqueles que se filiam a esses planos de saúde.

Dentro desse segmento dos planos de saúde, há um setor composto pelos planos de saúde de autogestão. A própria empresa ou organiza um serviço próprio ou contrata terceiros para oferecer aos seus empregados, com ou sem participação deles, dependendo do caso, o atendimento médico, a assistência médica.

Por fim, o terceiro segmento da chamada indústria da saúde é o chamado seguro saúde. São grandes seguradoras que reembolsam pagamentos que seus segurados fazem a médicos, a clínicas, a laboratórios, a hospitais por serviços que lhe são prestados.

Esses planos de saúde e seguro saúde têm-se desenvolvido muito no Brasil, principalmente no fim da década de 80 e, particularmente em 1994, eles tiveram um grande incremento. Na medida em que os serviços públicos de saúde ou os serviços pagos pelo Governo mas prestados por instituições da iniciativa privada se degradam, perdem qualidade, é natural que os que podem, aqueles que têm condições, procurem, por si mesmos ou pelas empresas a que pertencem, filiar-se aos planos de saúde ou aos seguros de saúde.

Dados de 1970 e 1982 mostram que o número de internações pagas pelo setor público passou de R$2,8 milhões para R$13,1% milhões ao ano. Não menos que 95% dessas internações foram feitas na rede privada contratada, durante a primeira metade da década de 70. Essa proporção passou a reduzir-se a partir de 1976. No entanto, o setor privado ainda respondia por mais de 80% das internações pagas com dinheiro público em 1987.

Hoje, os recursos do SUS, o chamado Sistema Único de Saúde, das internações pagas pelo Sistema Único de Saúde, SUS, cerca de 50% são em hospitais públicos - este é um dado importante. Muitos hospitais públicos neste País ainda não fecharam, ainda mantêm suas portas abertas porque têm os seus serviços remunerados pelo SUS. Cerca de 50% das demais internações são pagas pela iniciativa privada - instituições filantrópicas ou lucrativas.

Os planos de saúde, no que tange, por exemplo, às cooperativas médicas como a UNIMED - que é a maior delas - que atuam no Brasil inteiro, são regulados, são fiscalizados pelo Ministério da Agricultura. É um absurdo. Por quê? Porque a Cooperativa Médica, embora não tenha nada a ver com a agricultura, está vinculada, sob o ponto de vista da fiscalização, da supervisão e dos instrumentos legais, ao Ministério da Agricultura. O chamado seguro de saúde, as empresas seguradoras de saúde estão reguladas pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1976, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados.

Para V. Exªs terem uma idéia do quanto representa na economia esses chamados Planos e Seguros de Saúde, vou apresentar aqui alguns dados.

      Os planos de saúde, mantidos por empresas de medicina de grupo, têm, atualmente, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Grupo - ABRAMGE- 16 milhões de beneficiários; 12,8 milhões dos quais em convênios com empresas e 3,2 milhões em planos individuais, mantendo convênios com 40 mil empresas. Esse mercado mobilizou, em 1990, US$3 bilhões.

      A concorrência no setor é, hoje, acirrada: a maior empresa do segmento não chega a deter 10% do mercado; as dez maiores juntas não atingem 20%.

Existem, hoje, no Brasil, aproximadamente 600 empresas trabalhando com planos e seguros de saúde.

      As empresas de medicina de grupo são responsáveis por 72 milhões de consultas médicas e 1,5 milhão de internações hospitalares ao ano.

O Deputado Iberê Ferreira, que preside uma Subcomissão criada na Câmara dos Deputados para examinar essa questão dos planos de saúde, mostra que, em 1994, quando esse setor explodiu, em termos de investimentos, o mercado cresceu 64%, com um peso muito grande do seguro de saúde.

Está surgindo uma série de problemas que até agora não receberam o tratamento adequado por parte do Governo; em princípio, isso é um seguro, é plano de saúde, em que há uma adesão de alguém a determinadas condições que são impostas pela empresa ou pela cooperativa. Todavia, se levarmos em conta a delicadeza dos problemas da saúde, a necessidade de que esse mercado seja melhor regulado e, sobretudo, que o direito do consumidor seja garantido, vamos verificar que o Governo precisa olhar com atenção para esse problema.

Hoje, os PROCONS, as promotorias de defesa do consumidor estão congestionadas com demandas por parte das pessoas que se sentem lesadas por esses planos ou seguros de saúde.

Quais seriam os tópicos que exigiriam a regulamentação por parte do Governo? Na medida, volto a insistir no fato de que o serviço público se deteriora, mostra-se incapaz de prestar um atendimento que represente uma segurança para o cidadão. Quem pode, por si mesmo ou pela empresa em que trabalha, opta pelos planos e seguros de saúde.

Isso explica por que essa luta em defesa do Sistema Único de Saúde não tem a repercussão e o eco que deveria ter. Na verdade, o SUS está se transformando num sistema pobre para pessoas pobres. Quem pode pagar o faz, pessoalmente ou através da empresa a que pertence.

O que acontece, por exemplo, com os metalúrgicos do ABC, com os empregados das grandes montadoras, que sempre têm demonstrado grande capacidade de mobilização em torno de seus interesses? Por que não estão defendendo o SUS? Por que não estão preocupados com o tipo de atendimento prestado pelos serviços públicos de saúde e assistência médica? Por uma razão muito simples: eles estão amparados pelos planos de saúde, que são, por sua vez, garantidos e pagos pelas empresas em que trabalham.

O grande contingente de pobres, de marginalizados, de desempregados, que vivem na miséria, nas periferias das grandes cidades, esses sim constituem a clientela do SUS - Sistema Único de Saúde. Só que eles não têm organização, não têm capacidade de verbalizar as suas insatisfações, não há eco para as queixas, para as reclamações que fazem em relação ao serviço que recebem.

Quais seriam esses tópicos, então, que exigiriam uma pronta ação do Governo em relação aos planos e ao seguro saúde? Primeiro, a questão do princípio da liberdade de escolha. Esses segurados, principalmente os dos planos de saúde, não têm o direito de escolher o médico, o profissional que gostariam de contratar num caso de necessidade.

Outro ponto é o da cobertura das despesas. Na verdade, esses contratos são assinados sem que o interessado tome consciência exata dos seus direitos. Há uma série de doenças, como a AIDS, por exemplo, cujo tratamento e hospitalização não estão cobertos por esses seguros de saúde.

Existe também a questão das internações nas Unidades de Terapia Intensiva, que são onerosas. Quando um segurado necessita de um serviço como esse, verifica que o seu contrato só garante a internação por três dias, e assim por diante.

O Conselho Federal de Medicina, então, em 1993, baixou uma resolução que obriga esses planos e seguros de saúde a darem cobertura integral a todo tipo de moléstia que os pacientes vierem a sofrer.

A questão das carências, a natureza dos contratos, tudo isso requer providências do Governo, que criou inclusive um grupo, no âmbito do Ministério da Saúde, para estudar melhor essa questão, evitar esses conflitos entre os segurados e as entidades seguradoras.

A remuneração do trabalho médico e as relações de trabalho nas empresas de plano de saúde, as tabelas são muitas vezes vis, remuneram mal os seus profissionais, criando conflitos trabalhistas que vêm em detrimento do interesse do segurado. Há necessidade dos registros das empresas, que vendem o plano de saúde, nos Conselhos Regionais de Medicina, para garantir o mínimo de ética e de qualidade profissional aos segurados.

Outro fator é o reembolso do SUS pelos serviços prestados ao beneficiário do plano de saúde. Não se diz, quando se discute a questão do Sistema Único de Saúde e dos gastos do Governo com a saúde, que os atendimentos em situação de catástrofe são prestados geralmente em hospitais públicos: no INCOR, em São Paulo; no Hospital das Clínicas, em São Paulo. No Rio de Janeiro, nas diversas capitais e nos grandes hospitais de pronto-socorro, a quantidade de pessoas que têm seguro ou plano de saúde, que são recebidas e tratadas em hospitais públicos e que não são reembolsadas por esse tratamento é muito grande.

Apresentei, em março deste ano, aqui, no Senado Federal, um projeto de lei que determina o reembolso ao Sistema Único de Saúde por pessoas que tenham planos de saúde, porque não é justo o Governo dar assistência médica, geralmente onerosa, a pessoas que contribuem regularmente com esses sistemas.

Até então, essa questão não foi solucionada. Isso representa uma grande fonte de evasão de recursos da entidade. Quando se denunciam as fraudes do SUS, não se fala nessa sangria de recursos do sistema para atender pacientes que pertencem a essas entidades, responsáveis por planos inseguros de saúde.

Há também a questão do seguro e do resseguro. Há uma grande quantidade de fraudes nessas empresas. Recentemente, em Brasília, uma empresa fechou, prejudicando 6 mil segurados de planos de saúde e eles ficaram completamente desamparados.

Empresas abrem e fecham, atraindo para sua Carteira pessoas desprevenidas, incautas, que, depois, são lesadas de maneira criminosa por essas empresas.

Essa questão é tão séria que existem nove projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados; no Senado Federal, um deles é de minha autoria. Uns mais, outros menos abrangentes; uns tratando de determinados aspectos; outros, de questões diferentes, mas todos preocupados com essa matéria

Não podemos permitir que o Governo feche os olhos para esse problema. É uma questão grave, que diz respeito ao interesse do consumidor. O Governo tem que defendê-lo, tem que garantir os seus direitos, tem que zelar para que os contratos sejam fielmente cumpridos e, assim, assegurar a essa parcela da população, que pode pagar ou que seja filiada a um plano de saúde na empresa a qual trabalhe, que arque com esse ônus, contanto que esses contratos sejam observados rigorosamente e que não se sucedam, como acontece agora, fraudes e desatendimentos, que terminam gerando graves prejuízos para nossa sociedade.

Os sistemas não se excluem, pelo contrário, se complementam. Mas não é justo, inclusive como eu disse há pouco, que se coloque sobre os ombros do Sistema Único de Saúde o atendimento em condições - insisto - de grandes dispêndios nos hospitais públicos ou contratados por eles de pessoas que pertencem às carteiras de seguro saúde ou aos planos de saúde das diferentes empresas e cooperativas que atuam no setor.

Concluindo, Sr. Presidente, ouço algumas vozes que se levantam a favor da abertura desse setor para o capital internacional. Não vejo nisso nenhum benefício para o nosso País, para a nossa população. Se o capital estrangeiro atuar no setor da saúde, o que vai fazer? Vai construir hospital na Avenida Paulista, no Morumbi ou no Ibirapuera, em São Paulo; na Pituba, em Salvador, cidade do nosso Senador Josaphat Marinho; na Aldeota, em Fortaleza; no Leblon, em Ipanema, no Rio de Janeiro, e o nosso problema não está nesses lugares. Lá já há muitos hospitais, muitas clínicas que podem prestar bons serviços a quem pode pagar. O nosso problema está na periferia das grandes cidades, está no interior, nos pequenos municípios, na caatinga, no semi-árido do Nordeste, nos bolsões de pobreza das regiões metropolitanas e na periferia das grandes cidades. É aí que o Governo realmente deve atuar porque, se não atuar, não haverá quem o faça. Nesse caso, não há a idéia do lucro, a idéia da retribuição por um serviço prestado; trata-se de uma função da qual o governo não se pode escusar.

Fala-se muito agora em reduzir o âmbito da intervenção do Estado, em tirá-lo da intervenção direta na área econômica, em acabar com o Estado-empresário. Isso sim, mas deve surgir o Estado-social, o Estado que cuida com atenção, com diligência e eficiência da educação, da saúde, da segurança, do combate à violência.

Os jornais de hoje noticiam que a área econômica rendeu-se à evidência de que o Governo tem que apoiar com decisão e determinação, como o Presidente Fernando Henrique já disse, a aprovação do CPMF, porque a realidade é uma força contra a qual de nada valem esses raciocínios abstratos, essas teorizações estranhas à realidade que estamos vivendo. Ou acudimos essa massa de miseráveis que não tem nenhum tipo de assistência médica, não recebe nenhum tipo de atenção médica, ou caminharemos para uma situação realmente desonrosa para nós, brasileiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 16/09/1995 - Página 15896