Discurso no Senado Federal

PERMANENCIA DO INTERESSE GOVERNAMENTAL NA PROMOÇÃO E NO INCREMENTO DA PESQUISA E DO CONHECIMENTO NO BRASIL.

Autor
Esperidião Amin (PPR - Partido Progressista Reformador/SC)
Nome completo: Esperidião Amin Helou Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • PERMANENCIA DO INTERESSE GOVERNAMENTAL NA PROMOÇÃO E NO INCREMENTO DA PESQUISA E DO CONHECIMENTO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 22/09/1995 - Página 16384
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CENTRO DE PESQUISA, PAIS, NECESSIDADE, GOVERNO, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, EXECUÇÃO, REFORMA UNIVERSITARIA, VIABILIDADE, EFICIENCIA, SISTEMA DE CONTROLE, QUALIDADE, UNIVERSIDADE, MELHORIA, NIVEL, PROFESSOR, PESQUISADOR, ALUNO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PESQUISA, CONHECIMENTO, BRASIL.

           O SR. ESPERIDIÃO AMIN (PPR-SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil atravessa uma de suas fases mais decisivas. Um novo quadro de políticas a curto e longo prazos se desenha no horizonte atual. Reformas de natureza política e econômica acompanham a passos ligeiros nossas agendas. Porém, alguns dos Senhores indagariam: e o resto das reformas?

           Por mais lento que esteja, o Governo do Presidente Fernando Henrique dá sinais de ostentar extrema sensibilidade para examinar questões relacionadas a temas considerados menos concorridos à vaidade e à fama do poder. Trata-se, por exemplo, das reformas alusivas ao ensino e ao fomento da pesquisa nos centros universitários brasileiros.

           Faço essa afirmação com tranqüilidade, pois tenho plena convicção de que o novo Governo vai honrar seu compromisso com os setores ligados ao desenvolvimento e à pesquisa no Brasil. Sua promessa de apoio e sustentação ao setor não se afiança em bases falsas e abstratas.

           Com profundo conhecimento de causa, o titular do Palácio do Planalto é oriundo do mesmo universo acadêmico a partir do qual a maior parte das pesquisas brasileiras é realizada. Antes de exercer as funções políticas, o professor e cientista social Fernando Henrique se debruçava inteiramente na especulação e na produção do saber científico.

           Pela primeira vez em nossa história, o País pode hoje ter o luxo de possuir como líder máximo não só um exímio homem público, mas também um brilhante pensador social. Isso não constitui por si fenômeno excepcional senão no cenário brasileiro, de lamentável indigência intelectual e política.

           Naturalmente, a presença de um político intelectual na Presidência não garante em absoluto um direcionamento das prioridades orçamentárias para o setor da investigação científica. No entanto, por menor que seja seu engajamento, a sensibilidade do Presidente com a questão é dado concreto. 

           Por isso, não devemos ter receio em debater o assunto da pesquisa no Brasil com extrema franqueza. Para tanto, temos que levar em conta uma análise, ainda que superficial, sobre a realidade vigente nos centros de pesquisa do País.

           Sr. Presidente,

           Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que, no Brasil, o Estado tem sido historicamente o grande agente propulsor da iniciativa científica. Mal ou bem, sua participação nos projetos de criação de centros de investigação, bem como no financiamento de linhas de pesquisa, se reveste de uma importância incalculável.

           Comprovadamente, o poder público tem sido de longe o maior incentivador da produção, da difusão e da aplicação do conhecimento pelo País. Seu interesse pelo tema sempre se justificou com argumentos conectados às teses de autodeterminação e soberania tecnológica.

           Evidentemente, o mérito não se sustentaria numa suposta vocação nacional para a busca do conhecimento. Não. O envolvimento do Estado brasileiro com a pesquisa se deve _ como disse anteriormente _ a fatores relacionados à legítima ambição brasileira rumo à verdadeira independência, a independência do conhecimento. 

           Não que isso seja uma exceção no mundo, o caso brasileiro ilustra com muita propriedade a cumplicidade que o saber e o poder dividem para a conquista do pleno desenvolvimento. Não há como evitar repetir a velha análise, compartilhada por diversos cientistas sociais, segundo a qual a condição de nação periférica imposta ao Brasil pressupõe antes de tudo um estado de irremediável dependência tecnológica junto às nações centrais.

           E o que é a tecnologia senão uma versão mais moderna de poder em forma de conhecimento aplicado? Sem dúvida, a aquisição de tecnologia exige previamente um saber-fazer estratégico de cujo domínio uma sociedade jamais abre mão espontaneamente.

           Em vez da conotação ligeiramente abstracionista contida na concepção clássica de técnica, a tecnologia se transformou rapidamente em mercadoria concreta para consumo instantâneo, sofisticado e excludente. Metáfora de sua própria definição, a tecnologia virou sinônimo de propriedade privada dotada de valor de troca e de uso incomensurável.

           Ora, o processo de estrondosa irrupção de tecnologia em determinados países não advém sob a força de dom celestial. Pelo contrário, o processo se dá em solo secular à custa de muito trabalho e intervenção humana.

           Sr. Presidente,

           Tal intervenção certamente se traduz pela inesgotável capacidade humana de promover experimentações as mais diversas com os incontáveis elementos da natureza. Associado a isso, o homem sempre se sentiu compelido a aplicar os conhecimentos adquiridos nesses exercícios empiristas em seu próprio meio ambiente, toda vez que dele provinham ameaças à ordem cosmológica concebida.

           O interesse inato do homem pelo desvelamento de sua mais recôndita ontologia contribui inexoravelmente para o estabelecimento de um sistema infindável de estímulos junto à arte do descobrimento, da invenção e do saber prático.

           O impulso quase natural de perseguir modelos de explicação para tudo tornou-se tão institucionalizado nos tempos modernos que os centros de pesquisa passaram largamente a concentrar todas as tarefas operacionais concernentes ao conhecimento.

           Sr. Presidente,

           Dados atuais indicam que cerca de oitenta por cento das pesquisas realizadas no mundo inteiro são desenvolvidas nos países industrializados. Isso significa que a qualificação de país rico estabelece conexões estreitas entre, de um lado, produção de pesquisa e conhecimento e, por outro lado, extensão do poder econômico e político.

           Nesse contexto, embora o Brasil seja responsável pela maior parte da produção científica e tecnológica na América Latina, sua colaboração no âmbito mundial ainda deixa muito a desejar. Enquanto nos Estados Unidos e no Japão os governos nacionais investem aproximadamente três por cento do PIB em pesquisa, o Brasil mal exibe raquítico um por cento.

           E se formos analisar um pouco mais o caso norte-americano, nos depararemos com uma situação muito insólita. Lá, vozes do governo federal, bastante críticas ao corte orçamentário vigente nas áreas de pesquisa básica e aplicada, já prenunciam uma inevitável queda do prestígio epistemológico de que os Estados Unidos gozam no mundo inteiro, caso as autoridades insistam numa política tão suicida.

           Para nenhuma surpresa nossa, essas vozes poderiam ser confundidas com apelos corporativistas de acadêmicos em busca de mais verbas. Todavia, as vozes que se levantam contra tal política de cortes se identificam com o que se tem de mais sólido na iniciativa privada norte-americana.

           Na verdade, em maio último, o Washington Post publicou artigo coletivo em suas páginas de cujo texto se extraía uma ácida crítica às pressões que se exerciam sobre o Congresso norte-americano em favor da redução de recursos para a pesquisa e a ciência. Assinam esse artigo nada menos que os dirigentes da British Petroleum Company, da Chrysler Corporation, da IBM Corporation e da Eastman Kodak, entre outros.

           Nos Estados Unidos, quem mais se preocupa com a manutenção da pesquisa são os empresários, a quem os benefícios da tarefa de investigar mais atingem. Eles têm consciência de que é graças aos esforços das universidades e de seus pensadores que as inovações tecnológicas podem-se transformar em mercadorias rentáveis.

           O manifesto dos empresários americanos expressa com contundência a estreita relação entre ciência e poder. Não podemos ser tão ingênuos a ponto de acreditarmos que o interesse das grandes corporações se justificaria por razões meramente nacionalistas.

           De forma alguma. O que está por detrás de tanta mobilização é o pavor de que algum dia se perca a liderança no mercado altamente concorrido da tecnologia. Evidentemente, lá a ameaça mais séria vem do Oriente, onde o Japão e os demais tigres asiáticos se configuram como o pólo de poder desafiante.

           Sr. Presidente,

           No Brasil, o cenário que nos é exibido ainda não constitui nenhum objeto de admiração. Com raras exceções, o pensamento mais comum é atribuir à ciência e à tecnologia a pecha de atividades supérfluas, de cujo compromisso um país tão miserável como o Brasil não poderia jamais se ocupar.

           Nessa linha, as universidades públicas brasileiras vêm sendo injustamente agredidas como um tecido canceroso num organismo combalido. Sem se darem conta do papel representado pelos escassos e heróicos centros públicos de saber e pesquisa, "modernistas de última hora" se arvoram na tese de que o Estado brasileiro despende exageradamente na manutenção de "gigantes improdutivos".

           Tradicionais obscurantistas travestidos de homens iluminados à luz de gás, esses críticos não propõem nada no lugar do que está aí. Não imaginam o esforço em que os cientistas brasileiros rotineiramente se esmeram para realizarem seus estudos a contento. De pedra tiram leite para concluírem seus experimentos e relatórios.

           Por isso, em vez de se discutir tanta bobagem a propósito da redução de verbas para as universidades públicas, além da privatização de centros de pesquisa sustentados pelo Estado, é hora de assumir a dívida que temos para com o setor, ainda que timidamente.

           Cogita-se nas esferas administrativas do poder federal modificar aqui e acolá o funcionamento e as atribuições das universidades públicas brasileiras. Particularmente, conhecendo o perfil densamente escolástico do Presidente Fernando Henrique, não creio que possam ter maior fôlego os projetos de extinção dos centros públicos de produção e difusão de saber.

           Agora, o que deve mesmo acontecer é a promoção de uma reforma no ensino universitário capaz de dotar nossas instituições de um sistema de controle de qualidade mais rígido e eficiente. Para melhorar o nível de nossos docentes, pesquisadores e alunos, faz-se necessária uma tomada de decisão radical no tratamento da excelência em nossas universidades.

           Não quero dizer com isso que o retorno de tanto investimento financeiro seja na forma imediata da produção numérica de teses e inovações tecnológicas. Mesmo porque estou convicto de que o ritmo da descoberta científica segue parâmetros de maturação bem mais diversos e atípicos que se possam precipitadamente admitir.

           No entanto, por mais ortodoxo que soe, as universidades exigem para seu melhor desempenho métodos de avaliação menos impressionistas. Além disso, as universidades públicas têm obrigação de estabelecer laços bem menos frouxos com a sociedade que as sustenta. Deve-se buscar uma aproximação solidária, talvez funcional, entre as duas esferas.

           Em suma, posso garantir que da minha parte não faltará qualquer contribuição no sentido de oferecer apoio à existência das universidades públicas no Brasil. Temos sim que repensar novos modelos de interação entre os conhecimentos produzidos e a aplicação dos mesmos em nossas indústrias e fábricas.

           Para tanto, convido os colegas a participarem de um debate amplo com os demais setores da sociedade para juntos refletirmos sobre a maneira mais sadia e eficaz de promover o incremento da pesquisa e do conhecimento no Brasil.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 22/09/1995 - Página 16384