Discurso no Senado Federal

CODIGO DE ETICA NA CUMPLICIDADE ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E A ADMINISTRAÇÃO PRIVADA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • CODIGO DE ETICA NA CUMPLICIDADE ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E A ADMINISTRAÇÃO PRIVADA.
Aparteantes
Jefferson Peres, Pedro Simon, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DCN2 de 22/09/1995 - Página 16360
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, BUSCA, ETICA, MORAL, DIGNIDADE, PRESERVAÇÃO, VALOR, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, LIMITAÇÃO, LIGAÇÃO, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, IMPEDIMENTO, DESRESPEITO, CODIGO DE ETICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna desta Casa a fim de tratar de assunto do qual já me ocupei em outras oportunidades. No entanto, diante de fatos novos, julguei que não era demais voltar a debater a matéria neste plenário.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, refiro-me à confusão que se tem criado no Estado brasileiro entre o que é público e o que é privado. Quais são as esferas do público e quais são as esferas do privado? Até onde vão esses limites? Quer dizer, até onde alguém, investido de função pública, deve ou pode ter ligação, conexão com a iniciativa privada? E de que modo esses limites podem ser impostos de forma a preservar a ética e a moral pública e a não permitir que haja beneficiários dessa promiscuidade que se tem desvendado neste País, objeto de denúncias e de informações divulgadas pela mídia?

Tivemos recentemente o caso Dallari, que era o Secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda; o caso Motoki, que era do Conselho Nacional de Petróleo; o caso Marcial, Sub-Chefe da Casa Civil; e, por último, o caso Hargreaves, que, sendo diretor da Empresa de Correios e Telégrafos, era também contratado pelo SEBRAE para prestar consultoria parlamentar àquela instituição.

Essas informações vieram à luz e mostraram, mais uma vez, como o Estado brasileiro mantém relação quase que de cumplicidade com a iniciativa privada, o que fere frontalmente princípios da ética e da moral que todos devemos nos preocupar em preservar.

Creio que uma das dificuldades existentes é justamente a falta de profissionalização dos servidores públicos brasileiros.

Há certa tolerância, certa leniência com a convivência mista entre o privado e o público, numa versão perversa e indesejável do famoso "jeitinho brasileiro", que às vezes é apresentado até como uma virtude do brasileiro.

Se olharmos um pouco para trás, vamos constatar que, segundo a imprensa divulgou, na época do governo Collor, a Ministra Zélia Cardoso de Mello hospedava-se na Academia de Tênis. E quem pagava essa hospedagem? Noticiava-se também que o então Ministro João Santana tinha a sua hospedagem e o seu transporte pagos pela Gazeta Mercantil. Enfim, notícias que mostravam justamente essa espécie de promiscuidade, de conúbio entre o público e o privado, muitas vezes sob o argumento de que o Estado remunera mal. Como o Estado remunera mal, não é possível ter bons quadros. Então, vamos buscá-los lá fora, e eles vêm quase sempre, ou muitas vezes, com uma remuneração extra ou complementar para a qual se costuma fechar os olhos, ou então fazer vista grossa.

Quando tudo isso vem à luz e, de repente, descobre-se essas "parcerias", vimos que o Estado fica muito mal, porque passamos a discutir, ou, melhor dizendo, a duvidar, com razões fundadas, da ética e da moral dos servidores públicos de uma maneira geral. O que é injusto, inconcebível.

Eu, inclusive, gostaria de, ainda que do ponto de vista teórico, comentar um pouco sobre essa questão da ética e da moral pública, porque, muitas vezes, invoca-se Maquiavel para dizer que "os fins justificam os meios". Quer dizer, para se alcançar determinados objetivos, que seriam desejáveis, úteis à sociedade, poder-se-ia utilizar de meios que não seriam exatamente os mais recomendáveis. O próprio Maquiavel chegou a dizer, claramente - e aqui faço a citação -, que:

      "Nas atitudes de todos os homens, sobretudo dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, importa apenas o êxito bom ou mal. Trate, portanto, um príncipe de vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos, e louvados por todos os homens, pois o vulgo deve ser levado por aparências e pelas conseqüências dos fatos consumados."

A partir daí, como que apartar, separar a idéia de moral da política, dando uma certa autonomia à política e desvinculando-a de princípios morais?

Nós vivemos, hoje, não apenas no Brasil, mas no mundo, numa sociedade sedenta de ética, sedenta de princípios morais. Infelizmente, o Brasil tem sido vítima de surtos de moralismo que é uma coisa completamente diferente. O que precisamos é construir uma sociedade fundada em princípios éticos, morais e legítimos, que sejam referendados por essa mesma sociedade e que sejam públicos, que sejam republicanos no melhor sentido e na melhor acepção da palavra.

Depois, o sociólogo Max Weber conceituou uma tipologia da moral e falou em dois tipos da moral: a da convicção, que é uma moral que vem das suas idéias, dos seus princípios, daquilo que está arraigado no seu espírito e na sua alma; e uma moral da responsabilidade, que seria uma moral em que avaliam-se os efeitos, os resultados e as estratégias em relação ao ato que vai-se praticar. Alguns, com o objetivo de legitimar esse conluio entre comportamentos inadequados, entre funções públicas e interesses privados, têm tentado dizer que essa moral da responsabilidade é uma moral possível, quer dizer, é uma moral que se pratica muito mais em função de limitações conjunturais que impelem à prática de determinadas atitudes, que seriam rigorosamente indesejáveis; mas seria uma moral possível, se pudéssemos dizer assim. O que devemos rejeitar, porque, na verdade, o que temos visto, como disse há pouco, é uma sociedade que busca a ética como um valor a ser cultivado, respeitado e essencial a uma convivência sadia e promissora entre os homens. Isso, inclusive na iniciativa privada.

Vejam bem, a Fiat, grande conglomerado italiano, depois daquela operação "mãos limpas", onde estiveram envolvidos vários de seus executivos, criou um código de ética, estabelecendo determinados princípios e regras de conduta para seus executivos, no sentido de resguardá-los de ligações e participações em determinadas operações que envolvessem o Poder Público.

Recentemente, publicou-se um artigo no Jornal do Brasil, do Sr. Marco Aurélio Ferreira Vianna, que se intitula "A ética dá lucro", onde ele faz um estudo interessante, dizendo o seguinte:

      James Collins, pesquisador americano, depois de um profundo estudo que durou seis anos, acabou selecionando 18 empresas que denominou de visionárias, as quais bateram recordes econômicos, multiplicando por sete mil seu patrimônio nos últimos 50 anos contra 450 vezes, da média das empresas da Bolsa de Nova York. Analisando suas estratégias, detectou que, apesar de sua excepcional rentabilidade, nenhuma delas adotava como princípio a única e obstinada visão de lucro de curto prazo. O lucro era apenas uma conseqüência das coisas bem-feitas."

As suas pesquisas, no Brasil, demonstraram que em cerca de 120 empresas triunfadoras, chegou-se a essa mesma conclusão.

O título do artigo é significativamente sugestivo: "A ética dá lucro".

É claro que se cobra muito mais dos homens públicos, dos políticos, de quem se exige uma conduta muito mais transparente, retilínea, mas há também que se exigir essa mesma postura ética do empresário, do industrial, do profissional liberal, do comerciante, seja de quem for, como um valor digno a ser preservado e a ser desenvolvido para pautar nossas relações sociais num patamar de muito mais eqüidade, justiça e que, de fato, conduza a uma sociedade ideal que tanto desejamos.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço, com prazer, V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres - Nobre Senador Lúcio Alcântara, estou de saída, pois tenho uma audiência agora, mas eu não poderia silenciar diante do discurso de V. Exª, tão oportuno e de tanta grandeza. Discordo, Senador, da tese weberiana da duplicidade da ética, da responsabilidade e da convicção. A suposta ética da responsabilidade, a qual dá elasticidade aos princípios éticos em função do bem comum, deixa a ética como algo subjetivo. Esse é um caminho perigosíssimo se alguém decidir percorrê-lo. Ética deve ser um valor por si mesmo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Sem adjetivos, sem restrição.

O Sr. Jefferson Péres - Quem pensa em ética em função da responsabilidade ou de possível bem realmente não será jamais uma pessoa ética. E ética, no seu sentido exato, é do que está precisando realmente este País. Parabéns pelo seu pronunciamento, nobre Senador!

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado.

Temos que recuperar esse conceito a partir de São Tomaz de Aquino, de Aristóteles, pois esse conceito é indissociável de qualquer outra atividade ou função que se esteja desempenhando.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Concedo um aparte ao nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Lúcio Alcântara, não vou me atrever, evidentemente, a considerações filosóficas sobre o conceito de ética ou de moral. Todavia, embora no conceito de moral haja muito da índole de cada um, da sua própria consciência, há uma moral que está marcada nos textos legais: a moral que se constitui em código de ética, que extrapola, portanto, aquilo que está na consciência de cada um de nós. V. Exª levanta muito bem essa questão desta tribuna, e eu quero parabenizá-lo. Por quê? Porque a se exigir o mesmo comportamento ético de todos os segmentos da sociedade, inclusive da classe empresarial, temos que entender que dificilmente a sociedade vai exigir mais de alguém que lhe presta serviços do que exige daqueles a quem ela confere procuração, a quem ela dá poderes para defender os seus interesses. É o nosso caso, é o caso dos homens públicos. Estes estão sob um julgamento diferente e muito mais rigoroso por parte da sociedade, porque têm sua vida escancarada diante da opinião pública. Isso é feito a toda hora e a todo instante. A todo instante os homens públicos, aqueles que estão no Senado da República, no Legislativo, no Executivo, aqueles que, embora sem mandato eletivo dão a sua parcela de contribuição nas Secretarias, nas autarquias, eles têm uma responsabilidade muito grande mesmo, muito maior. Há que se exigir deles muito mais do que se exige do cidadão comum, e isso a sociedade está exigindo. Daí por que temos que valorizar a nossa atividade - e eu valorizo -, a atividade de político, de político que tem, por exemplo, a preocupação de trazer para a tribuna, como V.Exª traz, um assunto dessa envergadura. Para quê? Para ver solucionado dentro daquilo que costumo chamar de Código de Ética. Acho que o condicionamento legal é pequeno para conter a imensidão daquilo que vai na alma humana, principalmente quando ela está voltada para o interesse da coletividade, principalmente para aqueles que militam na política. Por isso, congratulo-me com V. Exª dizendo, para encerrar, que se houver um conflito entre a moral e a lei, feliz do político que puder ficar com a moral.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. V. Exª falou nessa moral instituída por códigos e por leis, e foi muito importante, porque agora vou entrar numa parte que tem muito a ver com o aparte de V. Exª.

O Senador Pedro Simon, que é um arauto de pregação desse comportamento, dessa moral, dessas exigências, dessas imposições de natureza ética e moral, que devem estar associadas ao exercício do mandato eletivo e das funções públicas, há poucos dias fez um discurso aqui, de certa maneira cobrando do Presidente Fernando Henrique uma linha, uma orientação do seu Governo quanto a esses casos em que funcionários, ou servidores públicos investidos em elevadas funções mantêm atividades na iniciativa privada.

O Presidente fez uma declaração - assim os jornais publicaram -, no exterior, de que iria adotar medidas para evitar que viessem a se repetir casos como esse. O Senador Antonio Carlos Valadares, um dia desses, apresentou um projeto tentando estabelecer exigências ou vedações em relação a essa dupla militância - se podemos chamar assim - entre a iniciativa privada e o setor público.

Acontece que temos pelo menos três leis - ou duas leis e um decreto - que disciplinam isso muito bem. A primeira, uma lei hoje muito execrada, é a do Regime Jurídico Único. A Lei nº 8.112, que trata dos impedimentos, ou do regime disciplinar, das proibições do servidor público, por exemplo, dispõe:

      "Art. 117. Ao servidor é proibido:

      VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;

      ..................................................

      IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

      X - participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;

      XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas..." 

E assim por diante. Depois, temos a Lei nº 8.429, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito. E temos o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que diz das vedações ao servidor público.

      "É vedado ao servidor público:

      O uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influência para obter qualquer favorecimento para si ou para outrem."

E, na letra M, ainda das vedações:

      "Fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros."

Então, temos leis. Elas existem. Estão aí. É um terreno movediço, impreciso, até porque, de certa maneira, existem princípios que são muito mais de ordem individual, pessoal, de conduta, que devemos preservar e para os quais devemos estar atentos e vigilantes. Há um campo aí que realmente é difícil estabelecer até onde é possível ir, até onde é lícito, até onde é justo, até onde é cabível, até onde é moral - como diz, com muita propriedade, o Senador Ramez Tebet -, onde já se ultrapassa essa fronteira do lícito, do moral e do ético.

O Código de Ética dos Estados Unidos, promulgado pelo Presidente Bill Clinton, tão logo assumiu a Presidência, é tão rigoroso que estabelece uma quarentena para pessoas que tenham exercido determinada função pública. Não só para o Banco Central, como o Senador Pedro Simon, o ex-Presidente Itamar Franco e vários outros Parlamentares já tentaram aqui estabelecer, mas para uma série de outras funções estabelece quarentenas de até cinco anos, e mais ou menos amplas, dependendo do nível hierárquico do cargo que tiver sido exercido por aquele servidor. Essa medida busca evitar que alguém, tendo tido informações privilegiadas, ao deixar aquele cargo venha a se beneficiar delas ou a beneficiar terceiros, também em seu proveito.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Quero felicitar V. Exª pela importância do seu pronunciamento. Efetivamente, acho que esse é um problema que deve atingir a todos os Parlamentares. Como disse o Presidente do seu Partido em um debate que nós tivemos na Comissão de Relações Exteriores, o nosso objetivo, a nossa finalidade como políticos não é a busca da ética. A ética é obrigatoriedade nossa. Nós temos que buscar o bem comum, as reformas sociais, a melhoria das condições da nossa sociedade. Então, se um político diz: "Estou aqui para lutar pela ética", essa, na verdade, é uma afirmativa ridícula. Ética, seriedade, honestidade, dignidade não são méritos, não são atributos, são obrigação do cidadão. Principalmente para nós que somos homens públicos e que estamos aqui, isso é um mínimo necessário. A partir de pessoas que têm ética, que são sérias e que são honestas, vamos escolher os mais capazes, os mais competentes. Lamentavelmente, a política brasileira entrou num tal declive que nós temos que debater essa matéria. Disse bem V. Exª: a rigor, quase que não precisaríamos buscar regulamentação, novas leis e novos artigos, porque a sociedade já os tem. Repare V. Exª que Deus nos enviou dez mandamentos através de Moisés; mas, através de Cristo, bastaram dois: "Ama teu Deus" e "Ama teu próximo". Na verdade, buscamos em regulamentos e em outras leis quando não queremos. V. Exª abordou - e estou para ir à tribuna nos próximos dias - com muita propriedade a manifestação do Presidente Fernando Henrique da Europa com relação ao ocorrido aqui no Brasil. Reconheço com toda a clareza e com muita alegria o que, na verdade, o Sr. Fernando Henrique declarou, e a imprensa publicou. Inclusive, tenho aqui a publicação: "Fernando Henrique: ou o Governo ou a empresa privada!" Sua Excelência, na oportunidade, disse - e foi ótimo ter dito; pode até ter achado que talvez não fosse necessário dizer, por isso tardou em fazê-lo; mas disse, o que é importante -, deu um ultimato a todas as pessoas que exercem atividades conflitantes com os seus cargos no Governo. O Presidente disse que essas pessoas devem pedir demissão ou abandonar o setor privado. "Minha orientação é clara! Isso não é possível! Um funcionário não pode trabalhar em um setor que gere conflito com o Governo". O Governo agora tomou uma posição, uma decisão. Na verdade, nem sempre o lógico e racional é feito lógica e racionalmente pelas pessoas. Volto a repetir: eu, quando Governador no Rio Grande do Sul, não admiti parentes, nem do Governador, nem dos Secretários de Estado, nem do Senhor Presidente e companhia, absolutamente. Nem mulher, nem filho, nem irmão, ou qualquer outro parente. Era uma maneira de ser. Devo ter feito muitas injustiças, muitos valores, muitas pessoas capazes, muitas pessoas competentes podem ter sido deixadas de lado. Estou apenas dando um exemplo, porque não penso que seja antiético ou imoral empregar-se um parente - isso é certo. Mas o Brasil está de tal maneira achincalhado com relação a isso que alguns exemplos de firmeza devem ser tomados. A afirmação do Presidente da República de que em seu Governo não mais ocorrerão fatos dessa natureza - ou se está no Governo ou se está na iniciativa privada - é altamente positiva. Na verdade, para sermos claros, isso não ocorreu somente no Governo do Senhor Fernando Henrique. Se alguém está imaginando que isso está acontecendo apenas agora, no Governo de Fernando Henrique, engana-se. Isso deveria estar acontecendo há muito tempo, desde a época do regime militar. Lembro-me de que no Governo do Sr. Itamar - Fernando Henrique era Ministro da Fazenda - debatíamos a privatização das empresas de aço, que estavam com um déficit enorme. Indagávamos: por que estão com esse déficit? A resposta: a empresa é estatal, mas, dentro da empresa, cada funcionário, cada grupo, tem subempresas empreitadas, com as quais ganhavam fortunas. Internamente, havia, por exemplo, uma empresa de caminhões de transporte de cargas, e outros tipos de empresa. Tudo isso era iniciativa de pessoas que estavam ligadas à empresa, mas que, na verdade, estavam boicotando o serviço público. Por isso, uma orientação nesse sentido é positiva. Felicito o Presidente da República porque tomou uma decisão a respeito, o que foi um ato positivo. Por isso, digo a V. Exª que está absolutamente correto. Querer ser mais ético, menos ético, mais moral ou menos moral é uma questão deletéria; o importante é dar uma orientação no sentido de alguma coisa que deve ser feita. Com toda a sinceridade, penso que o Senado Federal, neste ano, está começando a dar algumas demonstrações de uma nova realidade, no sentido de buscar uma nova expectativa. Estou otimista com relação a isso.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Nobre Senador Lúcio Alcântara, o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Já vou concluir, Sr. Presidente. Mas não poderia deixar de fazer um comentário, em primeiro lugar, lamentando não poder conceder o aparte à nobre Senadora Benedita da Silva, e dizendo que o Senador Pedro Simon foi preciso. Aliás, a sua conduta faz de todos nós grandes admiradores de S. Exª, quando ressalta a palavra do Presidente Fernando Henrique, que é uma palavra de ordem. Daqui em diante, se há alguém na iniciativa privada, ou nela permanece ou sai do Governo. O Presidente já foi claro, enfático, peremptório. Portanto, não há mais o que se cobrar de Sua Excelência em matéria de definição da linha de Governo no sentido da busca da ética, da moral e da preservação dos melhores valores para a administração pública.

Para concluir, mostrando como esse é um terreno impreciso, difícil, vou ler trecho de uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo de 8 de julho de 1995, com o título "Alemães se descobrem tão corruptos quanto o resto", onde se transcreve as palavras da Ministra da Justiça alemã, Lore Maria, encarregada de solucionar esses problemas:

      "Um dos setores mais corruptos, segundo Lore Maria, é o das construções. Com a atual explosão de construções na Alemanha, principalmente em Berlin e na antiga Alemanha Oriental, estima-se que mais de US$100 milhões foram parar nas contas bancárias de funcionários públicos com autonomia para liberar licenças e contratos em todo o país. Além disso, a propina corre solta na área de imigração ilegal. Os imigrantes concordam em pagar qualquer quantia que conseguirem arrecadar em troca de uma permissão de permanência e trabalho na Alemanha."

Para se ver ainda como é difícil conceituar essa questão, continua o texto:

      "Se Lore Maria conseguir provar o que pretende, os funcionários públicos serão punidos por ter aceito presentes, favores e dinheiro, mesmo sem ter feito nada em troca. Diz ela: "Aceitar um café, sem problemas. Um pedaço de bolo, tudo bem. Até mesmo flores. Mas um jantar caro, de jeito nenhum."

Isso já é uma tentativa de parâmetros gastronômicos para se chegar a uma conceituação ou estabelecimento de limites do que é justo ou não.

Concluindo, Sr. Presidente - e essa conclusão é importante:

      "Lore Maria afirma que "os funcionários públicos devem aprender a fazer seu trabalho corretamente." No entanto, admite que será uma luta difícil."

Observem que se trata da Alemanha.

      "Os jovens não aceitam mais a idéia da lealdade para com o Estado; para eles, seu trabalho não é mais um serviço prestado, mas sim um emprego."

Em nome da dignidade, da ética e do serviço público e da valorização do servidor público que faço este pronunciamento, que agora dou por encerrado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 22/09/1995 - Página 16360