Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO NO PAIS, A PROPOSITO DO 'DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO NO PAIS, A PROPOSITO DO 'DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO'.
Publicação
Publicação no DCN2 de 15/09/1995 - Página 15874
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, TRANSFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ALFABETIZAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, oito de setembro assinala a passagem do Dia Internacional da Alfabetização. Mais que comemoração, a data nos impele a uma necessária reflexão em torno da educação e de seu insubstituível papel na construção de uma sociedade verdadeiramente cidadã.

Falar em alfabetização nos dias de hoje, quando estamos às portas do século vinte e um, significa falar em Educação Básica. A história contemporânea nos indica, reiteradamente, que a edificação da ordem democrática e das garantias aos direitos da cidadania exige um projeto de Nação que estabeleça, sem exclusão e simultaneamente, as bases para maior eqüidade interna e sua conversão, no contexto mundial, em país produtivo e competitivo.

Nessa perspectiva, e sem o menor risco de estar proferindo frase meramente de efeito, a educação deve ser entendida como fator preponderante do desenvolvimento, exatamente por corresponder a uma tríplice função: pela universalização do conhecimento, a educação propicia a capacidade de participação consciente nos processos de decisão coletiva; oferece eficiente contribuição ao sistema produtivo; possibilita o usufruto da riqueza socialmente gerada.

No atual estágio de desenvolvimento da sociedade contemporânea, há um reconhecimento universal da importância do conhecimento básico, da ciência e da tecnologia como condição essencial para a obtenção da melhoria do bem-estar da população e para a ampliação dos horizontes da cidadania. Em suma, se é verdade que nenhum país, hoje, consegue sobrevier condignamente num cenário mundial de extrema competitividade, sem uma base mínima de conhecimentos, não menos verdadeiro é que, sem esta base, nenhuma Nação se candidata à plena cidadania.

De um modo geral, os países do chamado Primeiro Mundo já equacionaram seus problemas educacionais, a partir de trajetórias históricas e políticas estabelecidas na direção de uma sociedade assentada na justiça, na eqüidade e na eficiência. Esse processo se desenvolveu entre meados do século passado e a metade do século vinte. O Japão, cuja experiência nesse campo a todos encanta, é, muito provavelmente, o exemplo mais contundente que poderíamos usar: a Revolução Meiji, a partir de 1860, conseguiu a façanha de, respeitando a milenar tradição cultural do país, construir o Japão moderno, tendo na educação seu eixo condutor.

Em um país como o Brasil, em que os graves riscos de desagregação social e de marginalização político-econômica existem objetivamente, a educação assume um desafio ainda maior: o de superar, em muito, a dimensão tradicional da cadeia transmissão/recepção de informações e saberes. Além de não poder perder essa competência no trato dos "conteúdos", na nossa escola, ante o objetivo maior de construção e ampliação da plena cidadania, está sendo chamada a pluralizar-se, a sensibilizar-se perante a imensa tarefa de promover a realização do ser humano como sujeito cultural.

Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que quando falo em "sujeito cultural" estou pensando em "sujeito cidadão". Na realidade, como todos os conceitos, o de cidadania é também uma construção histórica e, como tal, sofre modificações ao longo do tempo. Assim, quando os protagonistas da Grande Revolução Francesa usavam insistentemente o termo "cidadão" para se referirem ao interlocutor, até mesmo no mais simples e elementar diálogo, exprimiam acima de tudo o sonho da liberdade política. Naquele momento, sentir-se cidadão significava libertar-se das amarras feudais, da submissão ao autoritarismo absolutista, da absurda distinção social própria de uma ordem estamental.

Passados dois séculos, a noção de cidadania evoluiu, ampliando seu espectro e enriquecendo seu significado. Claro que a idéia de liberdade continua sendo o fulcro de tudo, mas, embora necessária, não é mais suficiente para compor a cidadania que o tempo presente requer. Novas exigências se somam aos clássicos direitos à vida e à liberdade: educação, saúde, moradia, transporte, emprego, entre outros, e passam a ser vistos como elementos integrantes e indissociáveis de uma vida cidadã. O mesmo princípio pode ser transposto para a análise do Estado contemporâneo: os regimes liberais do século dezenove foram sendo substituídos, no século vinte, pelas democracias representativas, cujos horizontes, neste final de século, são ampliados pelos crescentes mecanismos de participação.

Coerentemente, Sr. Presidente, faço essas observações porque acredito ser a educação básica o caminho natural e o grande vetor para a consolidação da cidadania entre nós. Exatamente por isso, não posso pactuar com determinadas teses que, a pretexto de defender a importância da educação básica, não fizeram outra coisa senão perenizar um recorrente escapismo, jamais concretizando o discurso.

Sem privilegiar nenhum aspecto particular da questão, creio ter chegado a hora de compreender que a educação básica tem que ser a grande prioridade nacional porque, sem ela, não se chega à cidadania, isto é, à conveniente preparação para a participação na transformação social, ao desenvolvimento do pensamento crítico; não se possibilitará a apropriação competente dos instrumentos básicos com os quais foi construída a cultura ocidental; não se promoverá a inadiável e completa modernização da economia nacional.

Aliás, não se pense ser esse último aspecto uma questão exclusivamente econômica, meramente material. Há uma nítida correspondência entre defasagem tecnológica e de padrões de produtividade industrial com os níveis de emprego e de renda. Logo, o conceito ampliado de cidadania requer um sistema produtivo consentâneo com os graus de complexidade e competitividade que o desenvolvimento contemporâneo acarretou.

Eis a razão pela qual, nos dias de hoje, há uma nova concepção acerca do papel da educação na sociedade. A economia rigorosamente globalizada promoveu alterações radicais, complexas e até então inimagináveis, não apenas no modo de produzir: a transnacionalização de tecnologias e de capitais gerou, além da substituição do modelo taylorista de produção, virtual alteração no papel do trabalhador que, na sociedade contemporânea, reveste-se de uma nova e delicada dimensão: a verdadeira competição reside na capacidade de gerir e processar informações. atualizar processos, controlar e modificar rapidamente o mecanismo diante de cada nova necessidade.

Aí está definida a nova a fantástica função do sistema educacional, sobretudo na educação básica, a começar pela alfabetização. Num texto de 1992, Sérgio Costa Ribeiro, Pesquisador Titular do Laboratório Nacional de Computação Científica/ CNPq e Professor Visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, atacava o cerne do problema:

      As habilidades cognitivas necessárias a estas novas realidades produtivas não são mais aquelas clássicas da especialização e do treinamento profissional específico, mas sim a agilidade de raciocínio mental e formal que só é desenvolvido a contento na infância e na adolescência. Torna-se, portanto, quase inútil remediar na fase adulta as lacunas do desenvolvimento cognitivo dos cidadãos.

Penso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, haver chegado ao ponto central de minha argumentação. O grande desafio que temos - Estado e sociedade - diante de nós, neste momento, é transformar, visceralmente, o panorama da educação básica brasileira. Se já alcançamos a imensa vitória de praticamente universalizar o acesso ao ensino fundamental, haveremos de conseguir garantir a permanência da criança na escola. Não é mais admissível, até mesmo por imperativo ético, conviver com o espantoso quadro em que sessenta por cento das crianças que freqüentam nossos bancos escolares não terminam nem mesmo as quatro primeiras séries do ensino fundamental e que apenas três por cento dos alunos que concluem esse nível de ensino o fazem sem qualquer repetência. Mais: pesquisa recente, analisando o desempenho escolar de crianças de treze anos, cursando da quinta à oitava séries, constatou, quando em comparação com estudantes de outros países, incluídos na amostra, resultados superiores apenas aos apresentados por crianças moçambicanas.

Compreender a existência dessa realidade é o primeiro passo para vencer e superar o fracasso educacional brasileiro. A comunhão de vontades entre o Poder Público, em suas três dimensões, e a Sociedade é a condição fundamental para dotar o País de uma educação básica de qualidade, não excludente, em que a escola seja o núcleo de todo o sistema.

Eis, a meu ver, a forma mais adequada de se comemorar o Dia Internacional da Alfabetização: refletir sobre o tema e estimular a busca dos caminhos que levem a uma educação básica capaz de formar cidadãos aptos a fazerem sua história e a construírem uma sociedade digna.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 15/09/1995 - Página 15874