Discurso no Senado Federal

'DIA NACIONAL DO PATRIMONIO HISTORICO'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • 'DIA NACIONAL DO PATRIMONIO HISTORICO'.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14115
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, PATRIMONIO HISTORICO, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi o Dia Nacional do Patrimônio Histórico. Certamente, temos pouco a comemorar quanto às medidas, quanto às providências do Governo no sentido da preservação do nosso patrimônio histórico.

Alguns chegam até a dizer que a nossa geração tem o privilégio de ser a última que poderá se deliciar com as construções, as igrejas, as pinturas e as talhas do barroco mineiro, porque, a continuar o tratamento que estamos dando ao nosso patrimônio histórico, certamente a tendência é o seu desaparecimento.

Não podemos deixar de invocar, neste momento, aquelas figuras fundadoras da Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, aqueles intelectuais que, no Governo Vargas, reuniram-se em torno do mineiro Gustavo Capanema, então Ministro da Educação: Villa Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Mário de Andrade, Rodrigo de Mello Franco, o fundador da Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Esses foram, entre outros, os que estabeleceram os marcos iniciais de toda a política de preservação e defesa do nosso patrimônio.

Todavia, não podemos deixar de reconhecer que anos seguidos de desinteresse, de incúria administrativa, de falta de prioridade para o setor, têm conduzido o nosso País à perda de marcos importantes da evolução da nossa história, da nossa cultura, e de registro do nosso passado.

O intelectual maranhense e jornalista Franklin de Oliveira, que milita na imprensa do Rio de Janeiro, escreveu um livro fundamental para a compreensão da tragédia do nosso patrimônio histórico, onde mostra quantas obras têm sido destruídas pela falta de atenção dos governos e das comunidades, da própria sociedade brasileira, dos empresários, que não têm dirigido para esse setor recursos suficientes para a sua preservação.

Num passado não muito distante, até mesmo a própria igreja - padres, vigários do interior - alienou verdadeiros tesouros da história da arte brasileira: imagens, talhas, até fragmentos de igrejas, que se encontram, às vezes, nas mãos de colecionadores, de antiquários, muitos deles, inclusive, já fora do País.

Esse é um atentado contra o patrimônio histórico que não podemos deixar de reconhecer para compreendermos a gravidade do problema. Um povo que não tem história, que não tem memória, não pode ter futuro, porque não compreende sequer a sua própria identidade, a sua própria formação histórica e cultural.

Estamos nos aproximando da comemoração do 5º centenário da descoberta do Brasil e não podemos borrar da nossa memória cinco séculos de história.

A Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional recebeu uma orientação renovadora quando o designer e artista plástico Aluísio Magalhães assumiu a sua chefia, há alguns anos, servindo a um dos recentes governos do Brasil. Ele defendeu e difundiu a tese - no que tinha toda razão - de que preservar o patrimônio histórico não é apenas cuidar da manutenção de edifícios, das instalações físicas de prédios, residências, monumentos, igrejas, ou de telas, afrescos, imagens, esculturas. É também preservar certos processos industriais, certas atitudes culturais, certos comportamentos que são próprios da nossa vida e da nossa história, porque refletem uma determinada influência sobre a nossa população ou a forma de expressar uma determinada atitude ou um certo comportamento em razão de fatos, de comemorações, de crenças e de preferências religiosas.

É preciso que tenhamos essa compreensão dinâmica do patrimônio e não apenas aquela noção anterior, superada, obsoleta, estática, de que o patrimônio histórico se resume a edifícios, a esculturas, a telas e afrescos, pois o patrimônio histórico é o nosso modo cultural de viver e de produzir.

Aluísio Magalhães tombou, por exemplo, no Estado da Paraíba, um processo de fabricação de vinho de caju, algo artesanal, superado, do ponto de vista tecnológico, mas que representa uma expressão da vida cultural e econômica de um povo ou de uma localidade.

O Brasil, nos últimos anos, assistiu à UNESCO transformar em patrimônio da humanidade alguns sítios históricos, como Ouro Preto, Olinda e Brasília. Isso, sem dúvida nenhuma, deve nos orgulhar, porque significa o reconhecimento, por uma instituição internacional, onde estão representados vários governos de diferentes países, da importância cultural dessas nossas cidades. Por outro lado, não acarreta nenhuma injeção de recursos externos para ajudar-nos a manter esse patrimônio. Somos nós mesmos, com os recursos de que pudermos dispor, que devemos tudo fazer para a conservação e manutenção desses tesouros culturais e artísticos que a UNESCO identificou como sendo patrimônios da humanidade.

No momento em que temos na Presidência da República um intelectual, um professor, um homem de formação acadêmica rigorosa, como o Professor Fernando Henrique Cardoso, não podemos deixar de transformar este registro do decurso do Dia Nacional do Patrimônio Histórico num apelo para que Sua Excelência e o Sr. Ministro da Cultura, também acadêmico, Professor Francisco Weffort, mobilizem recursos e vontade pública e da iniciativa privada para a realização de empreendimentos que ajudem a preservação do nosso patrimônio histórico e artístico.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da Cultura já promoveram reformulações na chamada Lei Rouanet, que é a lei de incentivos financeiros e tributários, que visa a canalizar recursos para a cultura. Mas os jornais já registram a intenção do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, de eliminar esses incentivos na reforma tributária que se anuncia para breve, porque, a seu ver, eles são desnecessários. Não podemos concordar com isso, até porque o volume desses incentivos é muito pequeno, não chegando sequer a abalar a arrecadação federal. Contudo, são importantes para estimular os empresários, as empresas, a iniciativa privada, os particulares a investirem em cultura de maneira a difundirmos mais os nossos valores, nossas características culturais, nossas obras de arte, fazendo com que a atividade de promoção da cultura e de preservação do patrimônio histórico tenha caráter permanente e obedeça a um programa que deverá se desdobrar ao longo dos anos, não só durante este Governo mas nos que haverão de vir.

As atividades culturais, muitas vezes, resumem-se à promoção de eventos, à vinda de grandes nomes da música, da literatura, da escultura, da pintura, à promoção de mostras, de exposições, à realização do que a imprensa costuma chamar de megaeventos, que são importantes por atraírem muitas pessoas e possibilitarem a quem não tem oportunidade de se deslocar para outros países de tomar conhecimento do que há de novidade nos diferentes ramos da arte.

Mas esses eventos são atividades meramente pontuais, episódicas. O que se faz necessário é que o Governo e particulares invistam em ações permanentes e continuadas em defesa da cultura e do nosso patrimônio histórico. Como sabe o Senador Bello Parga, que representa o Maranhão, São Luís é uma cidade que tem uma grande expressão arquitetônica, porque concentram-se lá vários conjuntos de edificações guardando uma certa homogeneidade, que representam a grande influência portuguesa naquele Estado. Em muitos outros Estados, isso tudo praticamente já desapareceu, foi dizimado. O sentido de "tombar" como preservar foi, na verdade, trocado pelo de derrubar, demolir, fazer desaparecer essas marcas que são importantes até para a compreensão do nosso passado e a projeção do nosso futuro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o meu intuito com este pronunciamento era assinalar a transcorrência do Dia do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas, ao mesmo tempo, clamar por uma política mais eficiente de promoção e defesa dos nossos valores culturais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/08/1995 - Página 14115