Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE SE DAR PRIORIDADE A PROJETOS QUE INTEGREM AS REGIÕES NORTE, NORDESTE E CENTRO-OESTE COM O MERCOSUL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • NECESSIDADE DE SE DAR PRIORIDADE A PROJETOS QUE INTEGREM AS REGIÕES NORTE, NORDESTE E CENTRO-OESTE COM O MERCOSUL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17106
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS, NECESSIDADE, PRIORIDADE, PROJETO, INTEGRAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, AMERICA DO SUL.
  • COMENTARIO, INICIO, ESTUDO, ORADOR, POSTERIORIDADE, PROPOSIÇÃO, SENADO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, REGIÃO, AUSENCIA, CAPACIDADE, CONCORRENCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história do século vinte começa, agora, a ser estudada por especialistas no sentido de interpretar as profundas modificações ocorridas na vida humana ao longo desse período. Foi a era dos extremos, no dizer insuspeito de Eric Hobsbawn. Foi o grande momento dos nacionalismos e o tempo em que eles provaram sua absoluta inutilidade. O século, que está próximo de seu final, viu o apogeu dos movimentos nativistas, assistiu à revolução operária e, nesse momento, percebe a integração de governos, países, continentes e o aumento da taxa de liberdade sob todas as bandeiras.

A política de integração desenvolveu-se após o término da Segunda Guerra Mundial. As potências européias, diante dos milhões de mortos, perceberam que não mais podiam jogar com seu futuro por causa de questões simples, e até desprezíveis problemas nacionalistas. O Tratado de Roma, de 1957, celebrado por seis nações do continente, Itália, França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha Ocidental e Luxemburgo, deu a partida a esse trabalho integracionista.

Com o correr dos anos, seis outras nações se somaram àquele esforço: Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Espanha, Portugal e Grécia entraram para a grande aliança. Em dezembro de 1993 caíram as barreiras entre os países da Comunidade Econômica Européia e foi iniciado o caminho para a criação de uma federação de Estados unidos por uma só política, uma só moeda e uma só economia. Nessa área passou a vigorar o estatuto das quatro liberdades, que contempla a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais.

A integração européia, contudo, foi mais longe, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores. No ano de 1993 entrou, também, em vigor o acordo entre a Comunidade Européia e os países da Associação Européia de Livre Comércio, constituída por Suécia, Noruega, Finlândia, Suíça, Islândia e Áustria. A união dos dois sistemas cria o espaço econômico europeu, responsável por quarenta e três por cento do comércio mundial. Os objetivos da integração pretendem uma unidade cada vez mais ampla em todos os seus segmentos, internos e externos.

Não é difícil antever que, em futuro próximo, os países que compunham o antigo Leste Europeu, ainda cuidando das cicatrizes ocasionadas pela rápida conversão do socialismo para o capitalismo, deverão buscar abrigo nesta aliança continental. A Comunidade Européia, que se consolida dia após dia, tem como segredo de sucesso, a prática da economia de mercado, baseada na livre empresa e no regime democrático.

Na América do Sul, como ocorreu na Europa, os rivais de ontem decidiram unir, hoje, suas forças. Brasil e Argentina, juntos com Uruguai e Paraguai, trabalham desde 1990 para estabelecer um mercado comum. O cone sul é a área onde, de fato, o processo já ocorre, a livre concorrência e a economia de mercado ganham espaço cada vez maior. No processo de integração econômica não há como acomodar reserva de mercado. A implantação do Mercosul gera vantagens nos dois lados das fronteiras, mas cria sérios problemas internos em cada um dos países signatários do tratado.

No setor agrícola, as nossas terras são menos férteis. O Brasil, como um todo, planta o dobro da área da Argentina, mas consome vinte vezes mais fertilizantes do que o país vizinho. Menor produtividade está associada à qualidade da terra e baixo nível tecnológico de produção. E o Brasil possui custos financeiros elevadíssimos, com suas taxas de juros que estão entre as mais elevadas do mundo. A perspectiva de um mercado unificado, com dimensões continentais, provocará, sem dúvida, uma violenta reestruturação da produção agrícola.

Esse ajuste será penoso na região sul do Brasil. Haverá a necessidade de articulação política entre os vários países integrantes do tratado para reverter essa situação, a médio prazo, e possibilitar um trabalho conjunto com o mercado mundial. No setor industrial também haverá modificações estruturais. Indústrias vão se beneficiar do aumento do mercado. Aquelas regiões que se integrarem e utilizarem a complementaridade das economias terão vantagens comparativas maiores. A indústria de calçados gaúcha poderá, por exemplo, utilizar o couro argentino.

O sucesso do Mercosul é demonstrável pelos números. Nos últimos dois anos, as exportações argentinas para o Brasil cresceram setenta e quatro por cento. De outro lado, a Argentina passou da posição de décimo importador de produtos brasileiros para o quinto lugar. O Mercosul está explodindo, como uma realidade. Ainda assim podemos dizer que não há muita complementação entre as economias das nações do Mercosul com a região sul. Nossa expectativa, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, é a de que o Congresso Nacional seja receptivo à idéia da criação de fundos especiais de investimentos em algumas regiões que serão prejudicadas pela integração. A Comunidade Econômica Européia foi sensível ao problema.

Os estudos realizados na Europa demonstram que a integração beneficia o comércio de peças, componentes de bens finais e bens intermediários de todo tipo de indústrias. As relações industriais crescem mais depressa do que o todo do comércio desses países e do que o todo das relações comerciais dentro de cada país. O crescimento da Itália, na Comunidade Econômica Européia, e, posteriormente, o da Espanha, demonstra o fenômeno. A experiência do Airbus é emblemática. Partes do avião são produzidas em diversas partes da Europa. O todo é montado em Toulouse, na França.

No caso da integração Brasil e Argentina, no primeiro momento serão beneficiadas as cidades de São Paulo e Córdoba, onde estão instaladas as grandes plantas industriais. Tenderão a se beneficiar também as cidades ou regiões industriais situadas entre esses dois limites. Portanto, essa área - e aí está incluída a região sul - tenderá a crescer mais que a média nacional. Os empresários do sul do Brasil terão motivos para protestar no início do processo de integração. Mas a sua perspectiva comercial, a longo prazo, é a melhor do continente. 

O grande problema que nós vamos enfrentar, aqui no Senado da República, é corrigir a defasagem entre o Nordeste e o restante do Brasil, que irá se beneficiar, preferencialmente, do processo de integração. Se não houver políticas e estímulos adequados, as tendências poderão agravar a distância entre as regiões, exatamente como conseqüência do previsível crescimento de São Paulo e dos estados do sul do País. Ninguém consegue aumentar sua presença no produto interno bruto brasileiro, sem reduzir a participação relativa do Nordeste.

Estamos, neste momento, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, iniciando estudos, para posteriormente propor ao Senado, sobre uma legislação específica que proteja países e regiões em estágio de desenvolvimento menos avançado da feroz concorrência proporcionada pelo Mercosul. O governo do Paraguai prepara-se para solicitar um tratamento, dentro do Mercosul, semelhante ao que foi dispensado pela Comunidade Econômica Européia, a Portugal e Grécia. Os paraguaios possuem uma proposta concreta: eles querem se integrar, mas não têm condições de competir com Brasil e Argentina.

Se alguns produtores brasileiros têm medo do trigo argentino, a província de Tucuman receia a invasão do açúcar brasileiro. Se temos problemas de desequilíbrio entre o sul e sudeste em relação a norte e nordeste, a Argentina enfrenta o mesmo desafio entre sul e norte. Se temos a Amazônia, vazia de homens, eles têm a Patagônia, em situação semelhante. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, vamos ter que olhar para esses desequilíbrios com muita atenção. É necessário promover a integração de todos os parceiros do Mercosul, e não apenas de segmentos, partes ou regiões dos países signatários do Tratado.

Apesar das dificuldades de harmonização entre os diversos parceiros, cada um deles com distintos níveis de renda e diversificação produtiva, os avanços já realizados pelo Mercosul, em termos comerciais e econômicos, têm sido consideráveis. O intercâmbio mercantil regional tem crescido, desde 1990, à taxa média de trinta e quatro por cento. As principais vantagens estão dirigidas aos estados do sul do Brasil. Mas o Ceará, estado nordestino, teve suas vendas para a Argentina elevadas em 1.212 por cento, no quadriênio 1990/93. As vantagens originárias da implementação dos dispositivos do Mercosul são inequívocas.

É necessário, no entanto, avaliar os efeitos do Mercosul, e de outros blocos de integração econômica, sobre as diversas regiões brasileiras, sobretudo em relação ao norte, nordeste e centro-oeste. O expressivo crescimento econômico que se prevê como conseqüência do Mercosul tenderá a concentrar-se nas regiões sul, sudeste e centro-oeste, além dos benefícios que advirão para Argentina, Paraguai e Uruguai. Esses efeitos, se outras políticas não forem adotadas, poderão se concentrar, espacialmente, no eixo sudeste-sul brasileiro.

As regiões norte e nordeste do Brasil deverão adotar uma estratégia para aproveitar a integração, estabelecendo uma relação de complementaridade com os países do Norte da América do Sul e com o México. É necessário lembrar, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia e Peru constituíram o Grupo Andino e definiram uma área de livre comércio entre seus países. Esse parece ser um bom caminho para os estados do norte e nordeste brasileiro e os países do norte da América do Sul, que poderiam estabelecer, com eles, novas relações de comércio e de investimento. A redução dos impostos de importação, em ambas as partes, em conseqüência da atual negociação proposta pelo Mercosul, constitui um estímulo para isso. Falta, agora, um pequeno empurrão, perfeitamente viável. Caberá às instituições estaduais, regionais e federais, públicas e privadas, promover os negócios entre empresários das duas regiões e daqueles países.

Finalizo, Sr. Presidente, lembrando que para que esses objetivos sejam atendidos será necessário dar prioridade aos projetos que integrem as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com o Mercosul e os demais países da América do Sul e com o México. Os projetos de maior integração, a nosso ver, são os seguintes:

- integração entre as bacias do Tocantins e São Francisco, para efeito de geração e transmissão de energia elétrica, aliviando o São Francisco de eventual perda de potencial hídrico com a transposição prevista;

- desenvolvimento e integração do cerrado setentrional;

- ferrovia transnordestina;

- transposição das águas do Rio São Francisco;

- saída para o Pacífico;

- saída para o Caribe;

- estrada Cuiabá-Santarém;

- hidrovias amazônicas;

- refinaria de petróleo no Nordeste.

São essas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as cautelas que pensamos serem necessárias dentro do brilhante processo de integração de economias no Cone Sul. Não temos dúvidas quanto ao acerto da decisão de integrar as economias, nem quanto ao sucesso do Mercosul. Pedimos, apenas, que medidas cautelares, semelhantes às adotadas na Europa em seu processo de integração, sejam adotadas na América do Sul, com o objetivo de evitar que o Mercosul agrave desequilíbrios internos nos países signatários do Tratado.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/09/1995 - Página 17106