Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

APELO AO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, NO SENTIDO DE ATENÇÃO A SITUAÇÃO DA SAUDE NO ESTADO DO AMAZONAS, PRINCIPALMENTE NO QUE DIZ RESPEITO AO COLERA NO MUNICIPIO DE TABATINGA, ALTO SOLIMÕES.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APELO AO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, NO SENTIDO DE ATENÇÃO A SITUAÇÃO DA SAUDE NO ESTADO DO AMAZONAS, PRINCIPALMENTE NO QUE DIZ RESPEITO AO COLERA NO MUNICIPIO DE TABATINGA, ALTO SOLIMÕES.
Aparteantes
José Roberto Arruda, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/1995 - Página 2015
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DEFICIENCIA, SITUAÇÃO, SAUDE, ESTADO DO AMAZONAS (AM), PRIORIDADE, MUNICIPIO, TABATINGA (AM), INCIDENCIA, COLERA.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, PROVIDENCIA, CONTROLE, COLERA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), IMPEDIMENTO, DIFUSÃO, DOENÇA ENDEMICA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, CAMPANHA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, RISCOS, NECESSIDADE, CONTROLE, COLERA, ESTADO DO AMAZONAS (AM).

            O SR. BERNARDO CABRAL ( -AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, devo me congratular com V. Exª por estar na Presidência da Casa no instante em que pretendo abordar assunto relativo ao Estado que temos a honra de representar.

            Fica mais compreensível, sendo do próprio local, que, em abordando eu a matéria, receba, ainda que no silêncio da cadeira presidencial - uma vez que não pode manifestar-se -, a sua solidariedade. Por isso, sem o seu consentimento, já tenho quase que a idéia de que falo por delegação.

            O que quero trazer ao conhecimento dos eminentes Senadores é o problema da Saúde; quantas vezes eu o tenho ouvido aqui clamoroso, duro e difícil, que a receita para mitigar aqueles que procuram atendimento País afora é sempre deficitária e mínima. Ora, ouço isso quanto aos Estados do Sul, onde a riqueza maior, a renda per capita iniludivelmente é muito mais ampliada e, no entanto, quando o assunto se refere ao Estado do Amazonas, a questão toma como que um ar de calamidade.

            Imaginem, eminentes Senadores, que agora mesmo há um problema do chamado cólera no Alto Solimões, em Tabatinga, que vem gerando inquietação, desespero e desânimo naquela população.

            Felizmente ainda resta uma esperança. O Presidente da Fundação Nacional de Saúde, Dr. Edmundo Juarez, que conheço, homem sério, ligado à pesquisa, vinculado ao Ministro Adib Jatene, envidará esforços - e de logo aqui registro o meu apelo - para que este problema não se transforme de uma endemia para epidemia a assolar o Alto Solimões com propagação para o Estado inteiro.

            Colho no noticiário de minha terra uma manchete inquietante: "Cólera mata índios no Alto Solimões".

            E leio que já morreram pessoas, e o diagnóstico clínico de cólera demonstra que, além da morte, já existem pessoas internadas no Hospital de Base do Município de Tabatinga, com a gravidade de que os nomes serão divulgados na sua totalidade após o resultado dos exames que estão sendo feitos pela Fundação Nacional de Saúde.

            Imagine o Senado que do interior do Estado, já para a capital e no Porto de Manaus, acabam de se registrar seis casos suspeitos do cólera; por essa razão, foram encaminhados ao Instituto de Medicina Tropical de Manaus para exames e tratamento.

            Agora, Sr. Presidente, vem o índice de maior gravidade. "Desde setembro, a Superintendência de Saúde do Estado (SUSAM) registrou duzentos e vinte e dois casos do cólera no interior do Estado. O chefe do setor de epidemiologia do órgão, Bernardino Albuquerque, acredita que o cólera está tornando-se uma endemia no Amazonas pelas péssimas condições de saneamento em que vivem os interioranos."

            No caso, Sr. Presidente, é que vejo entristecido que aquela área é plenamente fértil quando se quer abordar o assunto de forma literária, de forma emocional, tantas e tantas são as matérias que se lêem, os livros que se escrevem de pessoas que não fazem senão uma compilação, porque jamais colocaram os pés no interior do Amazonas. Não sentem o drama pungente, difícil, terrível, que assola o interior do Estado.

            Há poucos dias, o Governador Amazonino Mendes me dizia da sua inquietação com o problema de saúde, da sua dificuldade de transformar a Secretaria de Saúde em um órgão atuante que pudesse corresponder aos anseios da população amazonense.

            Daqui, eu dizia, no início desta despretensiosa fala, que faria um apelo ao Presidente da Fundação Nacional de Saúde. A meu ver, essa matéria não pode ser tratada com demagogia ou de forma emocional, e sim do ponto de vista racional. Geralmente, faço uso da tribuna para fazer acusações graves, como tantas vezes o tenho feito; daí por que não se deve dar mais numerário, mais dinheiro, mais verba, mais receita à Saúde, porque escoa pelo ralo da corrupção.

            O Sr. Nabor Júnior - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer, Senador Nabor Júnior.

            O Sr. Nabor Júnior - Acompanho, com o maior interesse, as palavras que V. Exª profere, registrando a incidência de vários casos de cólera no Alto Solimões. Realmente, a nossa Região é muito vulnerável a surtos dessa grave moléstia, porque ela se alastrou na América do Sul, mais precisamente no Peru, e atingiu milhares e milhares de pessoas, com centenas de óbitos, inclusive no Acre onde já houve alguns casos. Por essa razão, as autoridades sanitárias deveriam adotar medidas cautelares, para evitar que haja uma incidência maior. Agora mesmo, também houve no Município de Tarauacá, de onde sou originário, lá no Estado do Acre, um surto de febre tifóide, surto favorecido em virtude de inundações do Rio Tarauacá, onde não existe saneamento básico, não existe esgoto, não existe nada. Quando há enchente, as fossas transbordam, deixando a população, principalmente crianças, expostas a doenças, sem a menor condição de higiene pessoal. A incidência foi além de quatrocentos casos de febre tifóide. Ao mesmo tempo, a Saúde Pública do meu Estado registrou também casos do cólera - ou seja, isso não está ocorrendo apenas no Estado do Amazonas, mas também no Estado do Acre, que formam, no todo, uma região totalmente desprotegida pela ausência de unidades sanitárias na fronteira com o Peru; não temos o controle sanitário da região e as condições sanitárias são as mais precárias possíveis. Ficamos sujeitos às "alagações", termo que usamos na nossa Região; na época do período chuvoso, os rios transbordam, deixando a população totalmente desprotegida. V. Exª está fazendo um pronunciamento muito apropriado para essa hora, que requer, das autoridades sanitárias do País, uma atenção toda especial para com a Região Amazônica, muito vasta e necessitada de apoio decisivo por parte do Governo Federal. Muito obrigado pela concessão do aparte.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Eu é que agradeço, Senador Nabor Júnior, até porque, tendo sido V. Exª Governador do Estado, conhece os problemas da região.

            O Amazonas tem tido, nos últimos meses, o cuidado de fazer uma campanha não só de controle mas também de esclarecimento junto aos barcos, por onde transita a maior parte da população ribeirinha, conforme V. Exª registrou, dos alagados. Isso tem despertado, pelo menos, a orientação de que o interiorano, que o nosso ribeirinho precisa, mas não é tudo. Conforme V. Exª disse, há que se voltar para a autoridade sanitária a responsabilidade maior de olhar para aquela área, sentindo que a Região Amazônica não pode ser enteada da Nação, até porque, pela sua confluência de fronteira, pelo trânsito que existe. V. Exª registrou muito bem, a fronteira de Benjamin Constant, nossa última cidade, com a fronteira do Peru, por onde deságuam, em todos os instantes, barcos de procedências mais diversas. Essa região foi o canal propício para a chegada do cólera não só no meu Estado como também no Estado de V. Exª.

            Observo, colho de um problema dessa natureza, que, todas as vezes que as obras dizem respeito a saneamento e infra-estrutura, obras que não aparecem, pois não são de fachada, porque estão por baixo da terra, os governantes, sejam federais, estaduais e municipais, delas se descuram e não dão a devida atenção.

            Daí por que o aparte de V. Exª, além de contribuir para que o meu discurso fique recheado, até porque então, quem sabe, vazio de elemento mais forte, eu o incorporo com muita alegria.

            O Sr. José Roberto Arruda - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. José Roberto Arruda - Muito obrigado. Queria fazer aqui um registro, Senador Bernardo Cabral. Temos o privilégio de compartilhar da sua presença aqui, no Senado, pois muito temos aprendido com a sua experiência que está emprestada, neste momento, ao Senado Federal. O tema que V. Exª levanta, hoje, mais do que o problema específico de Saúde Pública na Região amazônica nos leva a uma reflexão da qual me orgulho de ser parceiro dessas preocupações comuns, do desenvolvimento regional brasileiro. Enquanto não conseguirmos, no Brasil, encontrar um modelo de desenvolvimento regional que desconcentre oportunidades, que faça desconcentração de riquezas, um modelo que faça com que o Centro-Oeste brasileiro, a Região Amazônica e o Nordeste tenham oportunidades e incentivos ao desenvolvimento econômico, que seja auto-sustentável, menos injusto do que aquele experimentado na região Sul-Sudeste, enfrentaremos, como conseqüência dessa desigualdade, uma série de problemas, entre ele o da Saúde Pública. Penso que é chegada a hora de os parlamentares da região Norte, Nordeste, Centro-Oeste e, principalmente, os Senadores dessas regiões - até porque o Senado é a Casa que representa o princípio federativo - estarem unidos na defesa deste novo modelo de desenvolvimento. Estou convencido, Senador Bernardo Cabral, de que este País vai viver um novo período de grande desenvolvimento, de grande crescimento econômico. Estou convencido disso, porque a estabilidade econômica, sendo calçada, agora, em bases mais definitivas, com as reformas da ordem econômica, com a atração do capital privado para setores produtivos da economia e com a reforma do Estado, quer dizer, inexoravelmente, este País, porque tem mercado, porque tem solo fértil, porque tem altos índices de produtividade, porque tem um povo trabalhador, voltará a crescer. Agora, voltar a crescer não é tudo. Nós que temos os ideais da socialdemocracia ou de um desenvolvimento socialmente mais justo, não podemos permitir que esse novo modelo de desenvolvimento cometa os erros do passado recente. Concentre riquezas nas classes mais aquinhoadas pela sorte e, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento nas regiões mais desenvolvidas, gerando correntes migratórias e a miséria nas periferias das grandes cidades. Na verdade, a cada real que se investe em regiões como a Centro-Oeste, a Nordeste e a Norte se tem um resultado muitas vezes maior do que o mesmo real investido em regiões já saturadas pelo processo de desenvolvimento, e até pela densidade demográfica. Ao apartear esse pronunciamento oportuno de V. Exª, que fala sobre um tema fundamental para a qualidade de vida da população amazônica, registro que, além do privilégio do seu Estado tê-lo como representante, até pela presença na vida nacional que V. Exª tem há tantos anos, o Brasil todo não pode perder a oportunidade de ter homens e mulheres da experiência de V. Exª aqui no Senado Federal, para tentar inverter esse processo de desenvolvimento, para que seja mais humano e justo. Veja, V. Exª, que hoje é um dia de sorte, pois V. Exª iniciou seu pronunciamento quando o eminente Senador Jefferson Péres, seu companheiro de representação estadual, presidia esta Casa, e eu faço o aparte no instante em que a maior liderança política de Brasília, meu Líder pessoal, Senador Valmir Campelo, Preside esta Casa. Mais sorte do que isso, só se registrar a minha emoção quando, neste plenário, ontem, ouvi a confissão de V. Exª de que é um parlamentarista convicto. Eu sabia que alguma coisa, no plano ideológico, nos ligava mais do que as variáveis que eu já conhecia. Neste momento eu fico muito feliz de, como V. Exª, ser um parlamentarista convicto.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Senador José Roberto Arruda, V. Exª acaba de, num aparte, esbanjar talento, distribuir afeto, confirmar grandeza. Penso que mais sorte quem tem sou eu, não só por terem passado pela Presidência da Casa, hoje os dois nomes aqui citados, Valmir Campelo, que preside a Casa neste momento, e Jefferson Péres, mas também porque fui aparteado por V. Exª. De modo que colho do seu aparte uma frase que é o cerne de toda a questão: a concentração de riqueza. Num País em que meia dúzia de pessoas conseguem, em torno dos seus bens, da sua fortuna pessoal, empalmarem praticamente 90% do dinheiro brasileiro e o restante da população viver numa miséria absoluta, para não dizer que metade disso tem uma vida razoável, aí está toda a razão, ou seja, as raízes incrustadas lá no fundo tem um só nome: injustiça social. Também eu, a seu exemplo, creio que estamos caminhando para dias melhores no País. Penso que a problemática da determinação que o Presidente da República tem em não permitir que se faça o pobre mais pobre e o rico cada vez mais rico, num combate à inflação e, quem sabe, muito breve, na queda de juros tão altos, vamos encontrar o caminho que V. Exª aponta e a solução que V. Exª indica.

            Não é fácil tratar o problema saúde, enquanto não se tratar o problema educação, intimamente ligados, porque esses dois se juntam como terrível arma contra a população brasileira. Não basta a análise e o diagnóstico, sem a terapêutica. Se não dermos a solução completa para esse assunto, vamos continuar esbarrando nessa concentração de riquezas, que V. Exª falou e muito bem assinalou, nesse sistema distributivo de renda, que é perverso, a permitir que apenas alguns olhem de forma contemplativa a miséria, a tristeza e até, às vezes, o infortúnio daqueles outros que não foram aquinhoados pela sorte, mas que poderiam desfrutar de alguns bens que jamais chegarão à posse dessa população sofrida.

            Senador José Roberto Arruda, permita-me que acople o aparte de V. Exª ao meu discurso, para que ele fique, pelo menos, completo na sua essência.

            Sr. Presidente, ao encerrar o meu pronunciamento, quero registrar novamente o meu apelo ao Presidente da Fundação Nacional de Saúde, para que S. Exª continue a olhar para a Amazônia com os olhos que vêem, porque alguns não conseguem enxergar o drama que ali existe, e possa traduzir em atitudes aquilo que as palavras tem registrado.

            Creio que tanto o Presidente da Fundação Nacional de Saúde como o Ministro Adib Jatene darão seqüência à conversa inicial que a Bancada Federal do Amazonas teve com S. Exª, para que não seja mais manchete de jornal o problema do cólera e da malária. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/1995 - Página 2015