Discurso durante a 187ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DE REFORMAS ESTRUTURAIS NO PAIS. ANALISE DO FEDERALISMO NO BRASIL.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • DEFESA DE REFORMAS ESTRUTURAIS NO PAIS. ANALISE DO FEDERALISMO NO BRASIL.
Aparteantes
Benedita da Silva, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/1995 - Página 2548
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, EFEITO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA POLITICA, REGIME, FEDERAÇÃO, PAIS.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, REFORÇO, REGIME, FEDERAÇÃO, PAIS, OPOSIÇÃO, CENTRALIZAÇÃO, PODER, PROMOÇÃO, MELHORIA, ATENDIMENTO, DEMANDA, POPULAÇÃO, AUMENTO, EFICIENCIA, ORIENTAÇÃO, GASTOS PUBLICOS.

            O SR. BERNARDO CABRAL ( -AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 15 meses após a adoção da nova moeda e cerca de dois anos após o lançamento do Plano, é inegável que o Real tenha concretizado resultados que não haviam sido obtidos por qualquer dos planos que o precederam, pois vem garantindo, ao longo de todo esse já considerável período de 15 meses, a manutenção de taxas inflacionárias muito baixas, sem o recurso ao expediente artificial do congelamento de preços. Por outro lado, existe total consenso, até mesmo e especialmente entre os formuladores e condutores da política econômica, de que este sucesso não está de forma alguma assegurado e que - mais do que isso - a estabilidade monetária conquistada só perdurará, e só lograremos retomar o desenvolvimento, se formos capazes de levar a bom termo as reformas estruturais que o País necessita.

            Em função desse entendimento, o Executivo e o Legislativo vêm se empenhando, nos últimos meses, na elaboração, análise, discussão e aprovação de uma série de emendas constitucionais. Como é do conhecimento geral, o Congresso Nacional já aprovou o primeiro conjunto de emendas, as quais introduziram significativas alterações em dispositivos concernentes à ordem econômica, reduzindo a participação direta do Estado nas atividades produtivas, abrindo nossa economia à maior participação de capitais estrangeiros e criando as condições necessárias para o incremento da produtividade e da competitividade.

            No presente momento, está o Legislativo empenhado na análise da Proposta de Reforma Administrativa, encaminhada pelo Presidente da República, e, na seqüência, haveremos de enfrentar as questões das reformas tributária e político-eleitoral.

            Existe, porém, um problema que possui implicações com essas últimas reformas referidas, que é da maior relevância e tem sido inexplicavelmente relegado a quase completo esquecimento: refiro-me à questão do federalismo.

            Penso que ninguém discordará da afirmação de que as terríveis agruras que o País tem vivido ao longo dos últimos 15 anos tem sua origem principal na má administração dos negócios públicos e não em fatores externos adversos que estejam fora do nosso controle. Todavia, é importante deixar claro que quando falo em má administração não me refiro necessariamente à eventual inépcia dos governantes, mas sim a dificuldades muito objetivas para boa gerência da Nação, em função das graves deformações de nossa estrutura política.

            É muito antiga a aspiração federalista da comunidade nacional. Já antes mesmo da Independência - com a Conjuração de Minas de 1789, a Inconfidência Baiana de 1798 e a Revolução Pernambucana de 1817 - estava posta a necessidade do federalismo.

            Conquistada a soberania política, foi convocada a Assembléia Constituinte de 1823. Nela, o ideal federalista voltou a ser expresso, na proposição - não aprovada - de Carneiro da Cunha que definia o Império como "uma federação de províncias".

            No ano seguinte, a Confederação do Equador foi sufocada a ferro e fogo em nome da unidade nacional. Dez anos mais tarde, em 1834, ocorreu nova investida no âmbito parlamentar, por meio da reforma constitucional que colocou em vigência o Ato Adicional, o qual outorgava poderes consideráveis aos Conselhos Gerais Provinciais.

            Esse avanço, contudo, foi quase integralmente anulado pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840. A inconformidade das províncias com a centralização do poder e os ideais federalistas que daí decorriam foram também os móveis da Guerra dos Farrapos, que sacudiu o Rio Grande do Sul entre 1835 e 1845, e da Revolução Praieira de 1847, que pela terceira vez levantou Pernambuco contra o poder central.

            Vê-se, portanto, que a reivindicação federalista tem suas raízes fincadas no período colonial e foi o tema predominante da luta política no período imperial, tendo sido um dos motivos relevantes, quando não o principal, das mais importantes revoluções ocorridas antes do advento da República.

            A primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891, consagrou, finalmente, o regime federativo, pelo qual haviam lutado e até dado suas vidas tantos heróis brasileiros. Mais do que isso, aquela Constituição concedia amplíssima autonomia às unidades federadas, autorizando-lhes, por exemplo, a livre contratação de empréstimos no exterior, a cobrança de impostos de exportação, a criação de barreiras fiscais interestaduais e até mesmo a manutenção de forças armadas próprias.

            Ocorre, contudo, que se esse foi o figurino constitucional desenhado, na prática as coisas ocorreram de forma muito diversa. A arraigada tradição de centralização do poder, vigente durante quase 400 anos de história colonial e imperial, não haveria de se desvanecer como num passe de mágica, graças unicamente à alteração da estrutura jurídico-institucional da Nação.

            Na verdade, mesmo em nível de formulação teórica, não eram poucos os adeptos do ideal republicano que advogavam de forma explícita uma concepção de Estado claramente unitária. Afinal, não devemos esquecer a forte influência do positivismo sobre os próceres republicanos. Essa herança filosófica - que no âmbito das idéias políticas correspondia à defesa de um regime centralizado, modernizador e ditatorial - manifestou-se freqüentemente ao longo de toda nossa história republicana, desde os seus primórdios.

            Foi assim que, mesmo sob o regime da Constituição de 1891, com sua previsão de ampla autonomia para os Estados, o princípio federativo passou a ser constantemente eludido, quer pela prática política centralizadora, quer pela formação de hegemonias regionais. Já os dois primeiros Presidentes da República exerceram seus mandatos de forma ditatorial, decretando intervenções federais nos Estados por diversas vezes e governando longos períodos sob estado de sítio.

            Desimporta, nesse momento, entrar no mérito dos motivos de cada um desses Chefes de Estado para assim procederem. O que desejamos é apenas lembrar o largo fosso que separa o federalismo formalmente vigorante no Brasil da realidade concreta de um poder central hipertrofiado e onipresente, em muitos momentos de nossa história.

            O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Já cedi, com muita honra, eminente Senador Josaphat Marinho.

            O Sr. Josaphat Marinho - Note V. Exª que nessa Primeira República a que se refere as intervenções foram por vezes tão violentas que inclusive a Capital do seu Estado foi bombardeada.

            O SR. BERNARDO CABRAL - É verdade. E V. Exª sabe que foi exatamente no ano de 1910.

            A Srª Benedita da Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Em seguida, vou apenas concluir este raciocínio. 

            Ao longo de quase cento e seis anos de vida republicana, o País já viveu sob sete regimes constitucionais diferentes, nesse número incluída a Emenda Constitucional de 1969. Todos esses Diplomas consagraram a forma federativa do Estado brasileiro, inclusive a Carta outorgada em 1937, formuladora de um Estado francamente corporativo, cópia de modelos fascistas europeus. Nesse caso, a incoerência chegou ao seu extremo, levando-se em consideração o conjunto daquela Constituição, com seus variados mecanismos de fortalecimento do poder central, que apontavam para uma efetiva liquidação de qualquer resquício federativo. Chegou-se ao cúmulo de proibir bandeiras e emblemas estaduais!

            Concedo o aparte a V. Exª, eminente Senadora Benedita da Silva.

            A Srª Benedita da Silva - Senador Bernardo Cabral, estou atenta ao seu pronunciamento, no qual V. Exª apresenta a trajetória do federalismo. Fiquei receosa de pedir o aparte, porque não gostaria de quebrar o raciocínio de V. Exª. Como homem conhecedor das lei e que teve a oportunidade de ser o nosso Relator na Constituinte - e a nossa nova Constituição tem, sobretudo, a responsabilidade de garantir a participação e a democracia -, e sendo V. Exª um dos grandes que têm contribuído para o enriquecimento do nosso conhecimento - posso dizer isto porque acompanho a sua trajetória desde a Câmara dos Deputados -, fiquei receosa, como disse antes, não só porque não gostaria de quebrar o raciocínio de V. Exª, mas também porque estou, mais uma vez, aprendendo com V. Exª a conhecer melhor o processo do federalismo no Brasil, sua tradição, sua trajetória. Mas pareceu-me que faltou algo - e exatamente naquele momento eu iria intervir. De tantos processos que tivemos, um me chamou a atenção - a não ser que V. Exª tenha que falar sobre ele mais adiante -, foi o que aconteceu naquele grande teatro da terra dos Guararapes. Ele marcou profundamente. Pernambuco, hoje, é orgulho da Federação, mas sabemos que ali correu sangue, e muito. Foi uma grande vitória, da qual temos muito orgulho, mas temos vivido momentos muito difíceis. A tradição aguerrida do povo brasileiro na verdade não impediu, em meio a situações altamente autoritárias, que ele reagisse. Hoje, vivemos um novo momento da democracia brasileira e temos ainda algumas situações que precisam ser avalizadas por nós. V. Exª teve o cuidado de dizer que quando fala da má administração longe está de colocar nossa administração atual. Mas precisamos abrir a nossa Federação, fortalecê-la ao máximo. A forma de fortalecê-la é fazer que ela seja aberta, transparente, democrática, participativa, para que possamos não só ter uma Federação forte, mas, dentro desses princípios, garantir aquilo que eleva e leva o nome do nosso País para além do Brasil, que é administrar com transparência, com competência e com democracia.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Em primeiro lugar, além de agradecer a V. Exª a gentileza do aparte, quero dizer-lhe que V. Exª é daquelas pessoas que quando aprendem estão ensinando. De modo que, para mim, não é surpresa a sua colocação.

            Citei, ainda há pouco, a Revolução Praieira de 1947, que, pela terceira vez, levantou Pernambuco contra o Poder Central.

            V. Exª verá mais adiante que, realmente, para bem compreender a natureza das históricas dificuldades do federalismo no Brasil, é necessário ter claro que a tradição colonial centralizadora, a que antes me referi, não foi um fenômeno homogêneo e unidirecional. Se, por um lado, o princípio centralizador vigia plenamente na metrópole, por outro lado Portugal carecia dos recursos demográficos e financeiros necessários para ocupar um território tão vasto. Por esse motivo, viu-se forçado, desde cedo, a permitir o estabelecimento de estruturas regionalizadas de poder, baseadas na propriedade da terra.

            Essa circunstância, porém, Senadora Benedita da Silva, nunca esteve livre de tensões e contradições internas, o que ocasionou a criação de um autêntico movimento pendular na política brasileira, que oscila entre centralização e descentralização sem que jamais se tenha conseguido atingir o ponto de equilíbrio entre a soberania da Nação e a autonomia dos Estados.

            Observando a situação a partir do ponto de vista das unidades federadas, flagraremos o paradoxo simétrico: o discurso favorável ao fortalecimento da autonomia, a valorização das instâncias regionais e locais de Governo convivem freqüentemente com uma atitude de dependência, de busca de proteção paternalista junto ao poder central.

            Na lógica do movimento pendular antes descrito, os movimentos de liberalização democrática coincidiram com tentativas de revitalização do federalismo. Foi assim com a Constituição de 1946, a qual incluiu uma medida inovadora, correlata ao princípio federativo, que foi a adoção de um percentual de receitas tributárias da União em favor das regiões Norte e Nordeste.

            Por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, na qual tive a subida honra de ocupar o cargo de Relator Geral, prevalecia a preocupação de garantir a consolidação das liberdades públicas e das instituições democráticas. Por via de conseqüência, foram incluídos, no novo texto constitucional, dispositivos inspirados na idéia de fortalecimento do princípio federativo, entendido esse como um dos pilares da nova ordem democrática.

            Nossa atual Carta Magna reconhece, pioneiramente, o status de unidades federadas para os municípios e concede-lhes, bem como aos Estados, liberdade um pouco maior de auto-organização e aumento da capacidade arrecadadora.

            Essa descentralização tributária visava a criar um novo pacto federativo que valorizasse a proximidade, nos planos regional e local, entre o governo e o cidadão. Todavia, não foi ainda desta vez que a ordem constitucional logrou amparar um federalismo de eficácia plena, pois não fomos capazes de fixar uma nítida distribuição de competência entre as esferas de governo, nem de delimitar as novas funções coordenadoras do Governo Federal.

            Conquanto se tenha transferido significativa parcela da arrecadação tributária total para Estados e Municípios, não se repassaram encargos na mesma proporção, fazendo com que a União ficasse sobrecarregada de atribuições das quais não se pode desincumbir por falta de recursos. O resultado é que ainda hoje encontramos o Executivo Federal definindo políticas sociais para cuja realização não dispõe dos meios financeiros necessários e cujo desempenho gerencial é, reconhecidamente, o pior possível.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o bom-senso nos indica que não cabe à União atender a demandas públicas mais ajustadas à competência de Estados e Municípios, os níveis políticos credenciados a satisfazer as carências primeiras da população. Todavia, pelo Brasil afora, nos rincões mais longínquos, pode-se flagrar a prestação de serviços essenciais, por parte do Governo Federal, em substituição às entidades locais de governo. Como se sabe, a qualidade desse atendimento é muito baixa e vem caindo constantemente. Pior ainda, em grande parte o dinheiro do contribuinte é malbaratado em obras desnecessárias, em despesas supérfluas ou em serviços que não correspondem às necessidades e aspirações da população, situação que contrasta com a multiplicidade, variedade e profundidade de nossas deficiências estruturais. O fato é que os Governos Estaduais e Municipais têm muito melhores condições de otimizar a utilização de recursos públicos, dirigindo-os para as efetivas necessidades do povo e suprindo-as da forma mais econômica possível.

            É forçoso reconhecer que alguns pontos introduzidos pela Carta de 88 contribuíram para o desajuste de alguns problemas nacionais. Intensificaram-se as transferências e pressões entre os Municípios, os Estados e o Governo Federal. Sobre a União, continuaram a incidir as mais pesadas tarefas, como as de dar direção e ritmo às mudanças, de promover uma política de estabilização, de sustar os efeitos perversos da inflação e de acabar com a anarquia das funções e das contas públicas.

            Afora haver ampliado as responsabilidades da União e, paralelamente, haver reduzido suas disponibilidades financeiras, a Carta de 1988 não conseguiu libertar-se do equívoco das seis Constituições republicanas que a precederam: estabeleceu um sistema institucional para a União e praticamente obrigou a sua reprodução, tanto em nível estadual quanto municipal.

            Em outras palavras: Estados e Municípios estão obrigados a ser miniaturas do modelo organizativo da União, imposição essa que vale tanto para a organização político-institucional quanto para a tributária. Assim sendo, todos os Estados e Municípios têm a mesma organização política e a mesma estrutura tributária. Trata-se, na espécie, de uma autêntica federalização ao contrário, verticalizada, de cima para baixo.

            Essa situação, associada à inconsistente discriminação de rendas, terminou perpetuando um modelo perverso, que gerou os atuais desequilíbrios regionais e uma situação de colonialismo interno que só se tem agravado.

            A possibilidade de um Estado arrecadar tributos em outros Estados, a falta de compensação a Estados que adquirem produtos com alíquotas altas, subsidiando empregos e arrecadações em outro Estado e outras anomalias beneficiaram os Estados mais industrializados, de tal forma que hoje sua infra-estrutura é incomparável em relação à dos demais.

            O Sr. Francelino Pereira - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Já vou conceder, Senador, mas gostaria apenas de concluir o raciocínio.

            O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - (Faz soar a campainha)

            O SR. RONALDO CUNHA LIMA - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Eu pediria a tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Já houve uma tolerância da Mesa, nobre Senador. O tempo de V. Exª esgotou-se há três minutos. Concedo-lhe mais um minuto para concluir.

            O SR. BERNARDO CABRAL - A centralização tributária, eliminando - ao menos em tese - a possibilidade da concessão de incentivos fiscais, pune os Estados com menor nível de infra-estrutura, pois os obriga a cobrar o mesmo por serviço inferior. Hoje, o Piauí, por exemplo, que não tem a mesma infra-estrutura, é obrigado a tributar as empresas que ali se instalam da mesma forma que São Paulo. É evidente que com essas regras os Estados mais pobres não podem competir. Os Estados podem e devem ter níveis diferentes de tributação, dependendo da abrangência e dos custos dos serviços prestados.

            Nessa medida, repensar o modelo federativo, tanto em termos políticos como em termos institucionais - inclusive tributários -, é providência imperiosa para acabar com a dramática e perversa assimetria de nosso federalismo, que criou, dentro de nossas fronteiras, zonas de marginalização e exclusão, sem a superação das quais jamais teremos desenvolvimento harmônico e equilibrado.

            Esse novo modelo para a federação brasileira deverá fundamentar-se na autonomia de Estados e Municípios para adotarem a organização político-institucional e tributária que melhor lhes convier e na definição clara das competências e encargos desses entes federativos, a fim de que não haja dúvida acerca do que lhes cabe no tocante à prestação de serviços públicos, eliminada assim, a hipótese de competência concorrente com a União.

            A vastidão territorial do Brasil, que traz consigo o problema das distâncias quase insuperáveis, impõe-nos a forma federativa de Estado. Não seria concebível, no mundo de hoje cogitar da adoção da forma unitária para um País com as dimensões do Brasil. Por outro lado, a injustiça dos mecanismos políticos de transferências de recursos e de representação territorial, a desigualdade regional e o colonialismo interno estão conduzindo a uma situação de séria enfermidade de nossa estrutura política, que poderá, no futuro, representar concreta ameaça de desintegração e nosso sistema federativo. Trata-se de uma situação que exige medidas concretar.

            A principal qualidade do federalismo - quando corretamente formulado e exercido - consiste em sua capacidade de compatibilizar os objetivos nacionais com a disparidade das condições regionais. Alexis de Tocqueville, ao examinar as instituições políticas norte-americanas em sua obra clássica, A Democratização na América, afirmou:

            "É para unir as vantagens diversas que resultam da grandeza e da pequenez das nações que foi criado o sistema federativo. Basta deitar os olhos sobre os Estados Unidos da América para perceber todo o bem que decorre, para eles, da adoção deste sistema."

            Federalismo, no Brasil de hoje, é um termo que precisa ser liberado de sua velha cunha regionalista e tomado como sinônimo de eqüidade e justiça. Eqüidade e justiça essas distribuídas em favor de uma sociedade civil capaz de ser protagonista social e não apenas a sombra reflexa dos poderes públicos. O País nunca será homogêneo, mas podemos reduzir a desigualdade e promover a convivência baseada nos princípios de justiça. Para isso precisamos de regras políticas claras e de constas transparentes, que permitam um alocação de recursos mais democrática e equilibrada.

            Para definirmos nosso novo pacto federativo, podemos basear-nos nos princípios de que tudo que puder ser feito pela comunidade menor não dever ser feito pela comunidade maior, e de que o Estado não deve fazer o que pode ser de iniciativa da sociedade.

            Nesse novo pacto, o município pode vir a ser, pela primeira vez na História Brasileira, o grande protagonista da Federação. Para isso, precisará ser dotado de mais poder tributário, mas também de maiores responsabilidades. Quanto ao Governo Federal, deveria ter restringidas suas funções à ação coordenadora e avaliativa, à justiça, à segurança interna e externa, à representação diplomática e ao controle da moeda. A construção da infra-estrutura, sempre cara, também exige a presença federal, bem como os investimentos selecionados em ciência e tecnologia, educação e formação de recursos humanos. Seria também tarefa indispensável do Governo Federal facilitar o acesso a todas as redes e aos benefícios que emergem rapidamente com o processo de globalização.

            Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, embora reconhecendo a deficiência da Constituição de 88 ao deixar de fixar com nitidez a distribuição de competências entre as esferas de Governo, não podemos deixar de louvar o avanço nela contido no sentido de alargamento da autonomia das unidades federadas. O melhor caminho a trilhar hoje é o aprofundamento do federalismo incompleto anunciado na Carta de 88. Esse aprofundamento haverá de consistir na transferência da esfera federal para a dos Estados e Municípios, com o conseqüente estabelecimento de uma base tributária mais sólida para os mesmos. Essa descentralização exigirá, por certo, maior responsabilidade fiscal e orçamentária por parte das entidades federadas, que precisarão mostrar maior preocupação com os problemas macroeconômicos do País. A União, por sua vez, além de ocupar-se das questões de interesse nacional antes referidas, deverá passar a exercer com eficácia suas funções redistributivas, inclusive no que tange à correção das desigualdades regionais.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs.. Senadores, mais de duzentos anos após a epopéia dos Inconfidentes Mineiros, está ainda a Nação brasileira envolta no desafio de concretizar uma federação de verdade. Tenho a firme convicção de que o progresso e a unidade perene da Pátria depende, em grande medida, de nossa capacidade de levar a cabo, com êxito, essa missão. Ao Senado Federal, enquanto Casa Parlamentar composta pelos representantes dos Estados, cabe importantíssimo papel nessa luta, para a qual, tenho certeza, não faltará o denodado empenho de cada um Srs. Senadores.

            Sr. Presidente, peço a V. Exª que me permita ouvir os apartes dos nobres Senadores Romeu Tuma, Ronaldo Cunha Lima e o eminente Líder do PFL, Senador Francelino Pereira, que me solicitaram anteriormente a palavra.

            O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - V. Exª me desculpe, mas esses três Srs. Senadores, em seguida, farão uso da palavra na condição de oradores. S. Exªs estão aguardando a conclusão do seu discurso, que já foi ultrapassado em quatro minutos.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, então, agradeço a manifestação dos eminentes Senadores.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/1995 - Página 2548