Discurso no Senado Federal

DETERIORAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA NACIONAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • DETERIORAÇÃO DA MALHA RODOVIARIA NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/1995 - Página 2588
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DETERIORAÇÃO, REDE RODOVIARIA, PAIS, PROMOÇÃO, AUMENTO, CUSTO, FRETE, TRANSPORTE, MERCADORIA, PERDA, VIDA HUMANA.
  • COMENTARIO, CARTA, AUTORIA, EDUARDO ALBERTO DE ARARIPE PEREIRA, CAPITÃO DE MAR E GUERRA, RELATORIO, SITUAÇÃO, DETERIORAÇÃO, REDE RODOVIARIA, OBSERVAÇÃO, VIAGEM, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO CEARA (CE).

            O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para retomar, uma vez mais, tema que reputo da maior importância e gravidade: a questão da deterioração da malha rodoviária nacional.

            Conquanto o tema seja objeto de freqüentes pronunciamentos, não apenas deste Senador que agora ocupa a tribuna mas também de inúmeros de meus ilustres pares, tenho a convicção de que é oportuno e mesmo necessário voltar a ele, em vista da persistência e até do progressivo agravamento da situação, bem como da amplitude de suas repercussões econômicas e sociais.

            Da última vez que abordei o tema, no dia 21 de junho próximo passado, a par de enfocar a situação particular de meu Estado do Mato Grosso, procurei também traçar um panorama mais geral dos grandes prejuízos advindos para a Nação a partir da falta de conservação de nossas estradas.

            No que tange ao Mato Grosso, apontei as enormes perdas para os agricultores, estimadas em dois milhões de toneladas de grãos, por falta de vias aptas ao escoamento da supersafra colhida este ano. Lembrei a interrupção do tráfego na BR-163, entre Posto Gil e Nova Mutum, onde a estrada simplesmente foi arrastada pelas chuvas, e também na BR-364, única ligação do Mato Grosso com o resto do País, em decorrência de uma cratera de aproximadamente dez metros de comprimento.

            Em nível de Brasil, o desperdício da produção agrícola ao longo das estradas mal conservadas é calculado, somente nesta safra, em dez milhões de toneladas de grãos. O conjunto dos prejuízos econômicos, porém, é incalculável. Eles incluem os danos nos veículos, o aumento no consumo de combustíveis, a perda de mercadorias em geral _ particularmente as perecíveis _, e até mesmo a facilitação aos furtos e roubos nas estradas. Para que se faça uma idéia de quão antieconômico tornou-se transportar mercadorias pelas estradas brasileiras, basta dizer que os custos do transporte rodoviário no País chegam ao dobro daqueles verificados nos países desenvolvidos.

            Se os prejuízos econômicos resultantes da degradação da malha rodoviária nacional são imensos, por outro lado nada representam em comparação com o preço em sofrimento humano que pagamos por essa situação. Inúmeras autoridades do setor e até campanhas publicitárias têm traçado paralelos entre o trânsito em nossas estradas e situações de guerra. As estatísticas justificam essas comparações. No ano passado, mais de seis mil pessoas morreram e mais de quarenta mil ficaram feridas nas estradas esburacadas, mal sinalizadas e saturadas de todo o Brasil. No corrente ano, somente até o mês de junho, as mortes já chegavam a quatro mil! Trata-se de um morticínio cruel e inominável.

            É bem verdade, por um lado, que nem todas essas mortes e lesões corporais resultam da má conservação das rodovias. Parte delas decorre da imprudência de motoristas despreparados para encararem a séria responsabilidade que é conduzir um veículo automotor, preservando a segurança própria e dos demais. Sabemos que a ingestão de álcool antes de dirigir, a insuficiência de horas de sono dos motoristas profissionais, o abuso da velocidade e as manobras temerárias ceifam muitas vidas nas estradas. Por outro lado, é inegável que o mau estado das rodovias, isoladamente ou em associação com os fatores recém-referidos, provoca milhares de acidentes com vítimas, os quais poderiam ser evitados caso o Executivo lograsse cumprir sua responsabilidade de conservar e recuperar as vias terrestres.

            Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

            Alguns dias após pronunciar o discurso que antes referi, tive a satisfação de receber correspondência encaminhada pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra Eduardo Alberto de Araripe Pereira, do Rio de Janeiro. Em sua carta, relata o Capitão Araripe ter realizado recentemente uma longa viagem terrestre, oportunidade em que pôde "observar o estado lastimável em que se encontram nossos eixos de deslocamento". Tendo tomado conhecimento, pela Voz do Brasil, do discurso que pronunciei, o Capitão teve a gentileza de enviar-me fotocópia de artigo de sua autoria no qual tece pertinentes comentários acerca do assunto, apresentando, outrossim, interessantes sugestões para o enfrentamento do problema.

            Em seu artigo, o Sr. Araripe destaca aqueles elementos que considera os principais responsáveis pela falta de segurança nas estradas, detendo-se não apenas na deterioração do leito das rodovias _ cheias de enormes buracos _, mas enfatizando também a ausência de acostamento em muitos trechos e a total precariedade da sinalização.

            Apontando que as poucas placas de sinalização existentes estão, na maioria das vezes, ilegíveis, corroídas pela ferrugem; que as faixas delimitadoras das pistas de rolagem estão quase sempre apagadas ou sequer foram traçadas; que são abundantes as lombadas desprovidas de qualquer indicação, o articulista afirma que em certos trechos de sua viagem a velocidade utilizada não podia exceder os vinte quilômetros horários, sob pena de risco de acidente ou avarias na suspensão do veículo.

            Registre-se, por oportuno, que o Capitão Araripe esteve trafegando não em vias secundárias, desprovidas de maior tráfego ou importância, mas sim em duas das principais rodovias do País, as BRs 101 e 116, nos trechos que ligam o Rio de Janeiro a Fortaleza, duas de nossas mais populosas capitais.

            Outra observação pertinente do Capitão é quanto à falta de policiamento volante nas estradas, lembrando que a atuação da Polícia Rodoviária Federal ocorre, basicamente, nos próprios postos. Afirma ele, acertadamente, que o patrulhamento realizado por unidades móveis incrementa a segurança e inibe o roubo de cargas e veículos.

            No que respeita à conservação dos leitos das rodovias em si, o relato do articulista é particularmente ilustrativo: tendo ele percorrido cerca de sete mil quilômetros em sua jornada, avistou não mais do que duas equipes atuando em serviço de tamponamento de buracos. Essas equipes, que não totalizavam nem quinze homens, realizavam sua tarefa empregando um processo rudimentar, consistente em cobrir as cavidades com piche e aplainá-lo com um batedor improvisado. Ou seja: menos de quinze homens, trabalhando com equipamento obsoleto, num percurso de sete mil quilômetros equivale a inexistência de manutenção!

            Em outro trecho de seu artigo, o Sr. Araripe lembra que desde que foram construídas nossas principais rodovias a capacidade de carga dos caminhões triplicou. Aventando que o gabarito de nossas estradas tenha sido projetado de acordo com a tonelagem dos veículos da época, o articulista aponta a necessidade de adaptação das rodovias para que possam suportar o tráfego dos pesados veículos de hoje em dia.

            O Capitão Araripe exalta a coragem e a dedicação dos caminhoneiros brasileiros, que diuturnamente arriscam suas vidas, esforçando-se por bem desempenhar sua tarefa de transportar riqueza, inobstante a adversidade das rodovias sem conservação "onde a morte espreita constantemente". Louva, outrossim, a tenacidade e a capacidade dos empresários do setor de transportes, que apesar da precariedade das vias trabalham para oferecer aos usuários um serviço cada vez melhor. Destaca, nesse particular, o contínuo investimento realizado pela totalidade das transportadoras na renovação de veículos, com a colocação em atividade de carros novos e de preço elevado, os quais sofrerão desgaste prematuro em virtude das péssimas condições dos leitos carroçáveis.

            Mencionando o slogan que diz "Sem caminhão o Brasil pára", o Capitão Araripe relembra a importância do setor para nossa economia, em vista do enorme volume de carga transportada. Ao mesmo tempo, alerta para o encarecimento do frete como decorrência dos altos custos de manutenção de frota suportados pelas empresas de transporte.

            Por último, o articulista apresenta suas sugestões para uma eficiente manutenção preventiva e corretiva de nossas estradas.

            Ressalta ele, em primeiro lugar, a importância de que a recuperação dos trechos deteriorados seja feita não com a realização de "remendos" de pouca durabilidade, mas com reforço do embasamento e recapeamento. Alerta para a relevância _ como itens essenciais à segurança dos usuários _ da construção de acostamentos onde eles não existem, da separação das pistas de rolamento por meio da faixa amarela e da revitalização das placas sinalizadoras. Sugere a instalação de maior número de postos de manutenção, os quais deverão ser dotados da infra-estrutura de pessoal e equipamento necessária para a realização de reparos de maior ou menor monta. Alvitra sejam embasados, junto a esses postos de manutenção das rodovias, núcleos policiais e médicos, destinados estes ao socorro imediato de acidentados bem como ao atendimento ambulatorial das populações circunvizinhas, providência que não apenas contribuiria para desafogar os hospitais urbanos mas representaria efetiva interiorização dos serviços de saúde. Salienta, uma vez mais, a necessidade de compatibilização das rodovias com a tonelagem dos veículos que por elas trafegam. Lembra a importância do policiamento volante, ao lado do fixo, para proporcionar maior segurança e desincentivar os delitos patrimoniais. Por fim, encarece seja realizado trabalho educativo _ dirigido a motoristas e exploradores de restaurantes ao longo das rodovias _ no sentido da abstenção do uso de bebidas alcoólicas por parte de quem está ao volante.

            Uma das mais interessantes sugestões do Capitão Araripe, contudo, direciona-se para o processo de privatização de estradas que fatalmente ocorrerá a curto prazo, em vista da absoluta insuficiência dos recursos orçamentários destinados ao setor pelo Poder Público. Propõe o Capitão que, por ocasião das licitações, sejam oferecidos "pacotes" combinando trechos rodoviários com grande volume de tráfego e outros de menor importância. Essa combinação garantiria, por um lado, a necessária condição de atratividade aos "pacotes" oferecidos à iniciativa privada e, por outro lado, faria com que os novos investimentos não fossem todos dirigidos às estradas que prometem alto retorno em pedágios, permanecendo as vias menos movimentadas na atual situação de abandono.

            Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

            Não constitui exagero algum afirmar que este País "gira sobre rodas". Afinal, nas rodovias brasileiras circulam sessenta por cento das mercadorias e noventa e cinco por cento dos passageiros transportados. Assim sendo, a degradação de nossas estradas de rodagem começa já a estrangular a economia brasileira, inviabilizando o desenvolvimento regional e nacional. À toda evidência, não conseguiremos superar o atraso e o subdesenvolvimento se continuarmos a negligenciar a conservação e a recuperação de nossas vias terrestres.

            De resto, a malha rodoviária já construída no País representa um patrimônio avaliado em mais de cem bilhões de dólares. Permitir a completa deterioração de um patrimônio dessa monta é um verdadeiro crime contra os interesses nacionais. Portanto, temos de encontrar, sem mais perda de tempo, na associação entre capitais privados e ação governamental, os meios necessários à preservação e restauração de nossa infra-estrutura viária.

            A contribuição que recebi do Capitão-de-Mar-e-Guerra Eduardo Alberto de Araripe Pereira, intitulada Nossas Estradas Pedem Socorro, constitui demonstração inequívoca da gravidade que a cidadania vê no problema. Não é para menos. O mau estado das rodovias afeta o cotidiano de todos e de cada um dos brasileiros, a começar pelo encarecimento das mercadorias em decorrência do encarecimento dos fretes. Estou convicto de que a disposição de mobilizar-se para encontrar soluções é compartilhada pelas autoridades governamentais e pela sociedade civil. Tratemos, portanto, de pôr mãos à obra. Não há tempo a perder!

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/1995 - Página 2588