Discurso no Senado Federal

REPUDIO A ATITUDE ARROGANTE FRANCESA DE CONTINUAR REALIZANDO TESTES NUCLEARES NO ATOL DE MURUROA. SUGESTÃO DE BOICOTE A FRANÇA POR OCASIÃO DA PARTE FINAL DA PROXIMA COPA DO MUNDO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA NUCLEAR.:
  • REPUDIO A ATITUDE ARROGANTE FRANCESA DE CONTINUAR REALIZANDO TESTES NUCLEARES NO ATOL DE MURUROA. SUGESTÃO DE BOICOTE A FRANÇA POR OCASIÃO DA PARTE FINAL DA PROXIMA COPA DO MUNDO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1995 - Página 1062
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, CONTINUAÇÃO, REALIZAÇÃO, TESTE, ENERGIA NUCLEAR, OCEANO PACIFICO.
  • COMENTARIO, OPORTUNIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, INICIATIVA, LIDERANÇA, AMEAÇA, REPRESALIA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, SUGESTÃO, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA), PROPOSTA, ALTERAÇÃO, LOCAL, SEDE, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL.

            O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez vem a França afrontar, com seus testes nucleares, a opinião pública mundial. Quando ordenou a explosão no atol polinésio de Mururoa, mês passado, o Governo francês provocou indignação generalizada nos mais diversos setores da comunidade internacional.

            Não foi, desta vez, somente daquelas Organizações Não-Governamentais ativas e barulhentas, cujo radicalismo sempre se pode suspeitar, que partiram os protestos contra esses ensaios extemporâneos, essas demonstrações descabidas de poder. Ao contrário, as chancelarias de vários países, algumas até caracterizadas pela discrição e pragmatismo com que costumam pautar sua atuação, emitiram comunicados lamentando a decisão unilateral do recém-empossado Presidente Jacques Chirac.

            A SRª PRESIDENTE (Júnia Marise) - (Fazendo soar a campainha) - A Presidência prorroga, de ofício, o tempo destinado ao Expediente para que S. Exª, o Senador Júlio Campos, conclua o seu pronunciamento.

            O SR. JÚLIO CAMPOS - Obrigado, Excelência.

            Por se sentirem mais diretamente atingidos, dada sua proximidade geográfica à área dos testes franceses, alguns países banhados pelo Pacífico como Japão, Austrália e Nova Zelândia, nações ricas e de população conscientizada, reagiram com grande veemência. O Ministro das Finanças japonês Masayoshi Takemura, por exemplo, anunciou que estuda uma "resposta a essa agressão"; o sindicato australiano de transportes ameaçou não carregar nem descarregar os aviões da companhia aérea francesa Air France que pousassem em Sidney.

            De nada adiantaram todos esses protestos internacionais; tampouco valeram de algo as ameaças de boicote aos produtos de exportação tradicionais dos franceses, como vinhos e conservas, feitas por povos tão adiantados quanto o holandês e o sueco: o Presidente Chirac fez ouvidos moucos. Mandou explodir, agora no atol de Fangataufa, ao sul de Mururoa, uma segunda bomba. Esta, para agravo do mal, cinco vezes mais potente que a primeira. Mais ainda: prossegue em seu intento de fazer explodir outros "cinco ou seis" artefatos nucleares nos próximos meses.

            Quem conhece a história recente - quer dizer, dos últimos cinqüenta anos - sabe que essa arrogância francesa nada tem de novidade. Ao tempo em que o mundo, e em particular a Europa, se dividia entre Ocidente capitalista e Oriente socialista, o presidente Charles de Gaulle se obstinou em manter uma política de defesa independente. Enquanto os outros países do Oeste empilhavam mísseis voltados somente para o Leste, a França adotou a estratégia que o General denominou tous azimuts - todas as direções. Isso significa, Srªs e Srs. Senadores, que a França tinha, o tempo todo, ogivas nucleares apontando para seus aliados ingleses, italianos, alemães ocidentais etc.

            Esse mesmo General teria afirmado, segundo versão que, fato ou intriga, ficou valendo em nossa memória, não ser nosso Brasil um país sério. Não vejo seriedade é num país que, numa fase de aperto econômico e financeiro, em que todos os países da Europa se vêem às voltas com taxas elevadas de desemprego, decide "torrar" milhões de dólares em bombas atômicas. Pior ainda: decide fazê-lo exatamente em torno dos dias em que o mundo relembra a tragédia de Hiroxima e de Nagasaki, cidades imoladas aos deuses do experimentalismo armamentista.

            Sr. Presidente, estamos diante, a meu ver, de excelente oportunidade de nos apresentarmos sérios aos franceses e ao mundo. É chegado o momento de tomarmos a iniciativa e a liderança de um boicote à França: levemos à Federação Internacional de Futebol - FIFA, por intermédio de nossa Secretaria de Esportes, a proposta de mudança da sede da fase final da próxima Copa do Mundo, programada para se realizar em 1998 naquele país.

            Se a idéia pode, à primeira vista, parecer descabida, gostaria de relembrar aos senhores o ocorrido quando dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, de Moscou, em 1980, e de Los Angeles, em 1984.

            O Sr. Lauro Campos - Senador Júlio Campos, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. JÚLIO CAMPOS - Com a palavra o eminente Senador Lauro Campos.

            O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Júlio Campos, quero me congratular com V. Exª pela importância do tema que está tratando e pelo protesto contra o que se passa na França em matéria de explosões e de experiências atômicas realizadas bem longe do solo francês, nos atóis de Mururoa e outros. Gostaria de reforçar os argumentos dispendidos por V. Exª, lembrando que a agressividade capitalista não se encontra centrada apenas na França. Agora, esses heróis do presente, os integrantes do Greenpeace e as ONGs se rebelam contra esses traços anticivilizatórios e destruidores que dirigem a tecnologia moderna nos Estados Unidos. O Pentágono já gastara US$ 12 milhões desenvolvendo uma arma baseada no raio laser, cujo objetivo não era matar, mas cegar o exército adversário; e US$17 milhões já estavam a caminho para terminar com essa pesquisa e colocar essa arma perversa em ação. Foi graças justamente a essas minorias organizadas, que ainda acreditam na sobrevivência do mundo, tão massacrado pela agressividade organizada, que se conseguiu com que o Pentágono suspendesse essas pesquisas, interrompendo-as assim como também os gastos dessas fortunas na elaboração de uma arma a laser, cujo objetivo era o de cegar a tropa adversária. Muito obrigado.

            O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado, Senador Lauro Campos. Incorporo com muita honra o aparte de V. Exª.

            Continuando, Sr. Presidente, no primeiro desses eventos, a presença da Nova Zelândia nos Jogos levou a maioria dos países da África Negra a abandonar as competições por haver aquele país quebrado o isolamento que a comunidade esportiva internacional impunha ao regime racista então vigente na República Sul-Africana. Quatro anos mais tarde, diversos países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, boicotaram os Jogos da URSS em protesto à sua ocupação do Afeganistão. Em seguida, a maioria dos países do Leste Europeu devolveria o boicote, ausentando-se da Olimpíada americana.

            Eventos como os Jogos Olímpicos ou as Copas Mundiais de Futebol sempre se prestaram a fins políticos, não nos iludamos com romantismos do tipo de "defesa de ideais esportivos". Em nosso tempo, o esporte não tem o sentido sagrado de que se revestia na antiga Grécia, ao ponto de serem interrompidas as guerras quando chegava o tempo dos jogos em Olímpia.

            Quem ainda duvide deve lembrar o propósito hitlerista de provar a suposta supremacia ariana nos Jogos de Berlim, em 1936, tendo sido desmoralizado pelas vitórias do grande atleta negro norte-americano Jesse Owens. Lembre, ainda, o clima de coação sobre os árbitros vigente na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, quando os militares governantes da nação vizinha nossa, em seu afã de desviar dos problemas com a truculência do regime, por meio da vitória de seu selecionado, a atenção de seus cidadãos, tornaram qualquer traço de normalidade impossível.

            Mais importante ainda, Sr. Presidente, Copas do Mundo e Jogos Olímpicos são eventos completamente inseridos hoje na esfera comercial do capitalismo globalizado. A cada quatro anos um país recebe, além do afluxo de turistas que viajam para acompanhar o desempenho dos atletas de seus países, os direitos de transmissão das imagens por satélite para os televisores do mundo todo. Se a isso juntamos a parafernália de lembrancinhas, souvenirs, camisetas, bandeiras, flâmulas etc., temos ainda uma idéia pálida do que se fatura em torno desses eventos. Deixemos, repito, de romantismo: Olimpíadas, Copas do Mundo de Futebol são negócios.

            Tendo demonstrado não ser o boicote idéia disparatada ou inédita, gostaria de avançar uma proposta alternativa para a disputa da fase final das Copas do Mundo, sobretudo quando sediadas na Europa. Ora, o que se tem ali são países diversos, concentrados em uma área menor que a de nosso País, países que, mais ainda, se encontram em avançado processo de unificação. Por que não se fazer, nesses casos, os jogos em mais de um desses países, reservando para o país sede somente os jogos semifinais, a decisão de terceiro lugar e a finalíssima, por exemplo?

            Haveria, sem sombra de dúvida, um ganho para os que aproveitam os jogos para fazer turismo, que passariam a poder visitar vários países e cidades diferentes durante as competições. Haveria igualmente um ganho mais equilibrado por parte da infra-estrutura turística daqueles países, por se tornar melhor distribuído o fluxo de viajantes.

            Sr. Presidente, como único país a haver vencido em quatro oportunidades a Copa do Mundo de Futebol, o Brasil possui a necessária autoridade para comandar o boicote ao mundial da França. Se considerarmos, adicionalmente, que nosso Ministro Chefe da Secretaria dos Esportes é nada menos que o "atleta do século", Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, personalidade brasileira mais conhecida no mundo, teremos a certeza do impacto resultante de tal proposição.

            Poderíamos, pelo menos, liderar uma ameaça de boicote. A ameaça, dizem os enxadristas, é mais importante que sua consecução, pois faz perder a concentração ao oponente; a consecução da ameaça faz terminar a partida.

            Por tudo isso, Sr. Presidente, proponho ao Ministro Pelé a sugestão a ser levada à FIFA de um boicote à Copa do Mundo de 1998, a ser feito por todos os países que se encontrem insatisfeitos com os testes franceses na Polinésia, em especial os testes atômicos neste final do Século XX.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1995 - Página 1062