Discurso no Senado Federal

DEFESA DA APROVAÇÃO DA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO, PROPOSTA PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • DEFESA DA APROVAÇÃO DA REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO, PROPOSTA PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/1995 - Página 1289
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • DEFESA, PROJETO, REFORMA ADMINISTRATIVA, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, INTERRUPÇÃO, INJUSTIÇA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, IMPEDIMENTO, EXISTENCIA, SUPERIORIDADE, SALARIO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, INCOMPATIBILIDADE, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EXTINÇÃO, CATEGORIA, SERVIDOR ESTAVEL, PROMOÇÃO, MELHORIA, SOCIEDADE, CONDENAÇÃO, TENTATIVA, SETOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), COLOCAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, OPOSIÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL.

            O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto ao tema da Reforma Administrativa do Estado brasileiro. Ontem, os jornais divulgaram o apelo enfático do Presidente da República, pedindo coerência aos Partidos que o apóiam e que estão comprometidos com a mensagem reformista da última campanha presidencial. Também publicaram o acintoso disparate salarial de um coronel da PM do Rio de Janeiro. Um salário absurdo de R$84 mil tem efeitos devastadores na presunção de deveres entre o cidadão contribuinte e o Estado. Um contracheque mensal mais generoso que toda a folha de salários de muitas de nossas falidas prefeituras. É um escárnio intolerável para o quadro da exclusão social que atinge a maioria do povo brasileiro. É um tapa na cara de milhares de brasileiros que fazem fila nas portas das fábricas em busca de um emprego de salário mínimo. É mais uma agressão contra os trabalhadores rurais que trabalham de sol a sol, as meninas que se entregam à prostituição para garantir um prato de comida, e os meninos de rua que fazem da violência o seu grito de revolta contra as injustiças.

            Temos que atender ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. O PMDB fez história na luta contra privilégios odiosos e não pode ignorar o seu passado quando tem a responsabilidade de Partido majoritário de apoio ao Governo. Negar apoio ao Presidente da República, em nome pruridos corporativos, é virar as costas para o clamor que vem dos governos estaduais e municipais, sufocados por encargos crescentes e cassados em sua capacidade de investir no bem-estar social. Os privilégios de escassas minorias penalizam as maiorias que dependem dos resultados do investimento coletivo. Em nome de que valores morais deve o Congresso perpetuar as iniqüidades? Deixar tudo como está para ver como é que fica seria uma renúncia perigosa do Congresso Nacional à sua responsabilidade de guardião dos interesses de toda a sociedade. O caso do Rio de Janeiro é emblemático; é como se a multidão de contribuintes, grandes ou pequenos, fosse sangrada para garantir as regalias e as mordomias de uma diminuta casta monárquica.

            O adiamento da votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara não foi um bom sinal para a sociedade. A decisão ocorreu no mesmo dia em que 99% dos Municípios goianos paralisaram suas atividades para mostrar a situação de penúria em que vivem. A crise de governabilidade atingiu níveis extremos; tanto no Estado quanto nos Municípios, a contabilidade está no vermelho; as folhas salariais consomem todos os recursos. A coleta do lixo e o atendimento hospitalar são os únicos serviços essenciais ainda mantidos a duras penas, e ainda assim não se sabe até quando será possível manter essa situação precária. Fingir que tudo isso não está acontecendo é brincar com fogo.

            Infelizmente, os destinos da Federação estão atrelados aos poderes mágicos que a palavra estabilidade adquiriu, como se fosse um divisor de águas entre o bem e o mal. Em companhia do Governador Maguito Vilela, os Governadores Cristovam Buarque e Victor Buaiz lideram o Movimento Pró-Reforma, abandonando os cânones partidários que inserem a estabilidade como um dos seus tabus intocáveis. Eles tiveram a coragem de se sobrepor às resistências dogmáticas do PT, colocando a verdade no lugar da mistificação corporativa. De minha parte, tenho dificuldades para entender os argumentos que tentam confundir a opinião pública. Os benefícios da reforma têm seu endereço voltado para o coletivo. A busca de eficiência no serviço público, ancorada no mérito, vai premiar a população como um todo. Também no plano individual é justo esperar que sejam cumpridas as metas de premiar o mérito daqueles que trabalham com eficiência. Então, quem tem medo da reforma?

            Considero irresponsável o argumento de que as influências políticas vão desvirtuar os objetivos moralizantes da reforma. Num sofisma que troca o particular pelo geral, os defensores da estabilidade dizem temer o efeito da perseguição política na segurança dos servidores. É como se o Brasil estivesse condenado a não sair dos anos 30. O ciclo do coronelismo político é coisa do passado, e o nível de esclarecimento do eleitor moderno exige administrações eficientes e competentes. O administrador que ignorar esse fato estará cavando sua própria sepultura política. Hoje, graças à liberdade de imprensa e ao grande poder mobilizador da sociedade contra as injustiças, a prepotência já não convive com a impunidade. Além disso, a reforma não está propondo a supressão dos concursos como instrumento de avaliação de mérito. Cultivar o medo da perseguição é desconfiar da Justiça como Poder soberano contra as injustiças, e o texto da reforma é claro na defesa dos direitos específicos. Consagrar a excepcionalidade da prepotência ocasional para generalizar a manutenção dos vícios chega a ser cínico, no meu entendimento. O Brasil nunca esteve tão sensível com está hoje na defesa dos interesses da cidadania, e é imperativo investir nessa crença para que se fortaleça esse sentimento em nossos hábitos culturais.

            Por outro lado, evocar a Constituição para legitimar o poder deletério dos marajás é colocar os fatos na contramão. Não há direitos adquiridos acima da Constituição, e impor essa farsa à opinião púbica é perverter pelo exemplo negativo o império da lei. O Brasil está cansado dos deboches, e este povo tolerante está no limite.

            O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. MAURO MIRANDA - Pois não, nobre Senador.

            O Sr. Lauro Campos - Infelizmente, nobre Senador Mauro Miranda, o Brasil não é a Suíça; infelizmente, sob certos aspectos, o Brasil não é a Inglaterra, nem a França. Com essas palavras iniciei minha carreira acadêmica na terra de V. Exª, Goiânia, onde prestei concurso para catedrático, a fim de adquirir a vitaliciedade que a Constituição me assegurava, como assegurou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, como assegurou a tantos ilustres professores que lutaram para a reimplantação da democracia e o soerguimento dos valores humanos neste País. É triste constatar que no Brasil o desrespeito pela vida, pelo próximo ainda continua num estado de barbárie tão grande que 160 mil funcionários foram demitidos, sem maiores exames. E agora o Ministro de Estado, que foi testemunha e partícipe desse processo de desrespeito à liberdade que devem ter os funcionários públicos no exercício de sua profissão, o Sr. Bresser Pereira, ameaça demitir 80 mil funcionários. Diante desse despautério parece-me que a nossa lembrança, a nossa memória histórica deve estar presente: juntamente com Fernando Henrique Cardoso, que era professor catedrático vitalício - ele era mais do que estável; nós éramos vitalícios - fomos atingidos, fomos demitidos sem sequer um exame que admitisse direito de defesa. De modo que é muito triste constatar que Fernando Henrique Cardoso, que foi vítima da arbitrariedade que costuma se instalar no País em nome de uma racionalidade qualquer - como agora o grande Max Weber é trazido à tona para tentar, através das suas proposições sobre o Estado racional legal, respaldar essa situação -, apóia o enxugamento que o FMI manda se abater sobre os funcionários públicos, sobre os aposentados, sobre a população brasileira desguarnecida. É hora de afirmarmos, contra essas injunções e prepotências, que aqui ainda existe algum respeito ao trabalho humano, algum respeito à carreira humana, algum respeito aos direitos adquiridos pelo trabalho. Só se pode construir uma sociedade com um conjunto de funcionários públicos realmente independentes, fora daquele Estado a que V. Exª acaba de se referir - do clientelismo, do coronelismo, da proteção como forma de atingir o serviço público - através dos canais abertos a todos, portanto democráticos, do concurso e da ascensão na carreira. Em relação a esses funcionários não é possível que qualquer argumento seja lançado para, como aconteceu após 1964, atingir pessoas da estatura de Florestan Fernandes, da grandeza, naquele tempo, do professor Fernando Henrique Cardoso e de tantos outros que tiveram de ir para o exílio, expulsos pelo desguarnecimento dos direitos adquiridos, até mesmo da antiga vitaliciedade - que desapareceu através desse processo de desproteção e de desrespeito aos trabalhadores e funcionários do Estado. Muito obrigado.

            O SR. MAURO MIRANDA - Agradeço o aparte a V. Exª, Senador Lauro Campos. Concordo com grande parte dele, porém acredito mais no trabalho que nós, V. Exª e este Senador que vos fala, fizemos na época da ditadura, quando fomos perseguidos pelo militares. Sabemos como construímos essa história. A história de V. Exª é muito mais forte do que a minha e a sua luta foi muito maior do que a minha. Mas eu também, naquela época, era estudante e corri.

            Por acreditar na democracia que vivemos hoje e pelo desejo de aperfeiçoá-la é que defendo a reforma tributária do Governo. Está na hora de aceitar que a Nação está mudando de mentalidade e que os ranços da hipocrisia devem ir para a sepultura.

            Estou com a reforma administrativa por acreditar sinceramente que ela é questão de vida ou morte para os Estados e Municípios.

            Encerro este rápido pronunciamento reproduzindo trecho de editorial do Jornal do Brasil, publicado na última terça-feira:

            O povo brasileiro deseja, finalmente, saber quem vai votar com o Brasil e quem vai votar contra o Brasil. Quem vai escolher o futuro, quem vai preferir o passado. Quem fica com o mérito e a excelência, quem se contenta com o clientelismo e a mediocridade.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/1995 - Página 1289