Discurso no Senado Federal

DEFESA DA IMPLEMENTAÇÃO DA RODOVIA BR-317, QUE LIGARA OS PAISES ANDINOS AO BRASIL.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • DEFESA DA IMPLEMENTAÇÃO DA RODOVIA BR-317, QUE LIGARA OS PAISES ANDINOS AO BRASIL.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1995 - Página 3252
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, RODOVIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, NECESSIDADE, PORTO, OCEANO PACIFICO, EXPORTAÇÃO, ASIA.
  • CITAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, IMPLANTAÇÃO, RODOVIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PERU.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos maiores dilemas impostos à nação brasileira, neste vestíbulo do Século XXI, é permanecer amarrada às velhas e gastas estruturas atlânticas ou se voltar também para os emergentes mercados andinos e asiáticos, onde as possibilidades de trocas e de negócios lucrativos são fabulosos. A opção, portanto, é apenas aparentemente complexa e exige bom senso e inteligência: ou o Brasil descobre o florescente intercâmbio com os vizinhos continentais ou segue vivendo a "síndrome de Marco Polo", que coloca China, Japão, Coréia, Formosa e a antiga Indochina na condição de terras exóticas, propícias apenas a aventureiros e desbravadores.

Ninguém, em sã consciência, poderia defender que o Brasil voltasse as costas para seus tradicionais parceiros europeus e das comunidades orientais dos Estados Unidos, do seu litoral Leste - mas os horizontes políticos, comerciais e sociais se abriram também para o outro lado, o Oeste, hoje franqueado aos nossos projetos de desenvolvimento e de progresso sustentado.

Já tive a oportunidade de abordar a questão, terça-feira, no contexto de uma declaração atribuída ao Ministro do Planejamento pela imprensa. Segundo as informações então divulgadas, o Ministro José Serra estaria lutando para que os corredores de exportação dos produtos de Mato Grosso, Rondônia e Acre se direcionassem no rumo dos velhos portos de Paranaguá, Santos e outros do litoral leste, através das antigas e deterioradas rodovias que os servem. Pior, ainda: a tese de Sua Excelência seria contrária à implantação da sonhada rodovia Brasil-Peru, que dará ao nosso país uma saída direta, confiável, econômica e promissora, desembocando no litoral do Pacífico e de lá franqueando os caminhos marítimos para a Ásia.

Trata-se de um monumental engano, uma falácia que compromete o futuro desta e das próximas gerações de brasileiros, a negação de todas as propostas voltadas para a construção da grande potência que lutamos para viabilizar.

Todos sabemos as imensas dificuldades econômicas hoje vividas pelo Brasil, a braços com uma luta diuturna contra as seqüelas da inflação parcialmente debelada. Sabemos, também, que os poucos recursos disponíveis devem ser direcionados para os setores realmente prioritários; ninguém desconhece a necessidade de hierarquizar as urgências e situá-las dentro das reais possibilidades do País. E é por isso que defendo, intransigentemente, a implementação da rodovia que ligará os oceanos Pacífico e Atlântico, através do Sudoeste da Amazônia.

É preciso, em primeiro lugar, não permitir dúvidas: já existe o traçado implantado, embora com alguns trechos precários, principalmente os 340 quilômetros entre Rio Branco, Capital do Estado do Acre, e a cidade também acreana de Assis Brasil, localizada na junção das divisas de três países: Brasil, Bolívia e Peru. É a última parte da rodovia federal BR-317, já consagrada até mesmo por tratados bilaterais Peru-Brasil como o melhor caminho interoceânico. Pavimentá-la representará um custo relativamente modesto, dentro do quadro econômico, mas deixar de fazê-lo será um prejuízo muito maior, devido ao desperdício dos recursos já investidos e à perda das esperanças ali embutidas.

A carência de recursos jamais poderá ser alegada, porque até mesmo a privatização total ou parcial da rota transoceânica é alternativa materialmente viável. E a redução dos gastos com as rotas exageradas e as milhas supérfluas hoje percorridas também ajudará a financiar a ligação; além disso, os crônicos problemas operacionais dos velhos portos brasileiros estão a exigir novas soluções - todas elas voltadas, sem qualquer dúvida, para o outro lado da América do Sul.

A repórter Eliane Cantanhede, na edição de sexta-feira última da consagrada Gazeta Mercantil, fez as contas e comprovou: "somados, Bolívia (10 milhões), Peru (25 milhões) e Chile (13 milhões de habitantes) representam mais do que as populações dos países do Mercosul", além de oferecer um ambiente econômico altamente promissor para o intercâmbio de bens e de serviços: "o Peru, por exemplo, teve um crescimento de 12,6 % do PIB no ano passado, com taxas de inflação de 15% naquele ano e 10% para este".

É importante repetir esse quadro: Bolívia, Peru e Chile apresentam uma população total de 48 milhões de pessoas, 6 milhões de potenciais consumidores a mais do que nossos parceiros do Mercosul. E acrescenta a matéria assinada por Eliane Cantanhede, como exemplos de produtos brasileiros que têm mercado nos países da América Ocidental: carne bovina e grãos para o Peru; água mineral, móveis, casas pré-fabricadas e madeira compensada para o Chile. E tem mais, segundo a reportagem publicada na Gazeta Mercantil: "esse é apenas o começo de um amplo mercado promissor, que já encontra uma zona de livre comércio em Guajaramirim, na Bolívia, e um entreposto da Ásia em Iquique, no Chile".

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me concede um aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR - Com muito prazer ouço V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador Nabor Júnior, pedi este aparte, em primeiro lugar, para apoiar as colocações de V. Exª quanto à importância da abertura, por estrada trafegável, para o Pacífico, através do Estado do Acre. E gostaria de registrar não só a importância desse caminho para o Estado do Acre e para a Amazônia Ocidental como para todo o País. Lembro, inclusive, que já existem negociações adiantadas para a formação da área de livre comércio da América do Sul. O objetivo do Mercosul é nada mais nada menos que a integração de todos os países nesse Mercado. O Governo disse que já está elaborando o PPA e precisa efetivamente investir recursos para que essa estrada seja feita de uma forma emergencial. Entendemos a sua importância para Rondônia, para o Acre e para a Amazônia Ocidental. Como Senador de Roraima, como Senador da Amazônia, quero apoiar as colocações de V. Exª, apoiar as colocações do Estado do Acre e dizer que, com a abertura dessa estrada, iremos construir um momento novo para a economia do Norte e do Centro-Oeste.

O SR. NABOR JÚNIOR - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª.

Outro importante analista político e econômico da imprensa brasileira, André Gustavo Stumpf, dedicou-se ao tema, em coluna publicada no Correio Braziliense do último domingo, 12 de novembro. E ele não faz por menos: afirma que é "uma barbaridade" a tese de escoar pelos velhos portos do Atlântico as futuras safras da nova fronteira agrícola, no Centro-Oeste e na Amazônia Meridional. Leio, para que os Anais da Casa registrem e o Plenário possa ponderar, um dos principais trechos do seu artigo:

"Os brasileiros têm um certo receio de chegar ao Pacífico, pelo menos no plano oficial. Ministros do Presidente Fernando Henrique Cardoso assumem que essa alternativa está, definitivamente, descartada. Os técnicos afirmam que seria necessário gastar rios de dinheiro, para atravessar os obstáculos terríveis constituídos pela Cordilheira dos Andes e depois morrer na praia. Segundo eles, não há portos de grande calado no Peru. De acordo com esses argumentos, é melhor que a produção do Centro-Oeste e do Noroeste seja escoada pelos portos de Paranaguá (Paraná), Sepetiba (Rio) e Itaqui, no Maranhão".

E brada o consagrado articulista, André Gustavo, indignado com tanta insensibilidade e tanta ignorância quanto às reais prioridades nacionais:

"Essa barbaridade foi publicada pelos jornais nesta semana - e parece que vai caminhando para se constituir numa verdade, na cartilha do Governo. Alguns detalhes devem ter passado despercebidos de nossos pressurosos burocratas: a Cordilheira dos Andes fica no Peru e não no Brasil; dentro do território brasileiro, não é necessário ultrapassar nenhum obstáculo natural de grande porte. Os que existem já foram vencidos".

Mostrando profundo conhecimento da realidade e agudo senso de responsabilidade quanto à questão, o Jornalista do Correio Braziliense aponta Assis Brasil, por suas privilegiadas circunstâncias geográficas e políticas - inclusive, como se viu, por ser a cidade localizada na fronteira tripartite Brasil/Peru/Bolívia - aponta Assis Brasil como a melhor alternativa. Mas, o principal vem a seguir, ainda segundo a pena segura e objetiva de André Gustavo Stumpf:

"A parte brasileira, portanto, está concluída. A estrada é ruim, como são todas as rodovias federais, mas isso é outra história. A ultrapassagem dos Andes já foi feita pela malha rodoviária peruana".

Depois de analisar os aspectos técnicos que impõem a opção interoceânica através do Acre, André Gustavo Stumpf denuncia a cegueira histórica e redobra sua indignação contra a insensibilidade dos adversários dessa urgente conexão rodoviária:

"Ao que parece, os navios japoneses podem encostar em portos peruanos, mas os brasileiros não. A produção de grãos, madeira, cacau - entre outros bens - é obrigada a enfrentar três mil quilômetros, dentro do território nacional, antes de ser exportada. Não há como oferecer preço competitivo. (...) A insistência em negar o óbvio está fazendo com que a história colonial se repita. As cortes portuguesas proibiam os brasileiros de ultrapassar a linha do Tratado de Tordesilhas e chegar ao Pacífico. (...) Os caminhos do desenvolvimento brasileiro, por ação natural do tempo ou pelos desígnios do destino, vão refazer essa rota, apesar dos resmungos conservadores da burocracia. Afinal, menos de mil quilômetros separam a Amazônia brasileira dos portos do Pacífico".

O artigo de André Gustavo Stumpf, que acabo de ler em alguns trechos principais, é uma página que honra a imprensa analítica do Brasil. Agudo, objetivo, bem fundamentado, forte nos argumentos e sólido nas frases curtas e irretocáveis - ou seja, trata-se de uma posição que os brasileiros responsáveis não podem deixar de conhecer!

Vou concluir, Sr. Presidente. Deixei para o final, justamente, aquela que deve ser a maior preocupação de todos nós, Senadores da República, representantes dos Estados perante a Federação.

A questão é de integração nacional, de soberania plena, do exercício completo de autoridade sobre nosso próprio território. Quando um Governo ou uma instituição ligada aos interesses estrangeiros vem reclamar da ligação Pacífico-Atlântico, essa voz fala em nome de causas que não são nossas, causas freqüentemente contrárias às nossas!

Todo o comércio marítimo do Brasil com os países da América Andina e com o Sudeste Asiático, com o Japão e a China, é feito através de rotas e entrepostos que não nos pertencem e nos custam caro. É evidente que os grandes armazéns e intermediários de Los Angeles, San Francisco e Panamá não têm o menor interesse em que o Brasil abra suas próprias rotas para o Pacífico, ingressando no fabuloso mercado de cereais e de carne dos superpopulosos tigres asiáticos, disputando seus clientes cativos de Peru, Bolívia, Chile e Colômbia, desfilando os produtos da indústria brasileira na Rodovia Pan-Americana. Seria ingenuidade acreditar que essa perspectiva agrada aos atuais donos absolutos das praças e das rotas!

Mas, os povos hoje fisicamente apartados e distantes do Brasil estão igualmente interessados em quebrar essa barreira absurda. O Peru, como já disse, tem um acordo firmado com nosso País para implantar e tornar operacional a rodovia transoceânica, através das nossas já existentes BRs 364 e 317, combinadas com sua própria malha de carreteras . Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e até mesmo alguns países fora da rota específica oceano-a-oceano, até mesmo esses países se mostram abertos à presença de produtos brasileiros, capazes de competir em preço e qualidade com os oriundos de outras regiões.

É isso que impede a ligação dos grandes oceanos.

Até hoje, só quem pode se vangloriar e se beneficiar de rotas coast-to-coast são os Estados Unidos e seus vizinhos, herméticos dentro do Nafta e dos próprios interesses nacionais e regionais.

O Brasil precisa acordar para essa necessidade, que já se faz urgente e não mais comporta adiamentos. É o nosso interesse que deve ser priorizado - como fizeram todas as potências que se tornaram grandes justamente por isso, porque não se apequenaram ante a gritaria e as pressões dos concorrentes atemorizados.

Por sua condição geográfica e seu privilegiado espaço físico, o Brasil está ligado a todas as regiões sul-americanas, desde as florestas fronteiriças com a Venezuela e as antigas Guianas, até o Cone Sul, passando pelos países andinos e a Amazônia Meridional. Esse tamanho, antes de ser um peso, deve ser um trunfo, quando estão em jogo nosso progresso e nossa afirmação como grande potência.

Para se converter na grande potência que efetivamente pode ser, o Brasil precisa, primeiro, pensar grande, voltar-se para os próprios interesses, ouvir apenas os sensatos conselhos e os angustiados apelos de seus verdadeiros patriotas.

Essa é uma obrigação da qual não temos o direito de abrir mão. Se o fizermos, as futuras gerações não nos perdoarão a fraqueza, a irresponsabilidade e a omissão.

Muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1995 - Página 3252