Discurso no Senado Federal

RELATORIO DA FUNDAÇÃO DE PROMOÇÃO SOCIAL, SOBRE A PROSTITUIÇÃO DE MENORES, EM MATO GROSSO. SOLICITANDO APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 141, DE 1993, DE AUTORIA DE S.EXA., QUE ALTERA DISPOSITIVOS DO CODIGO PENAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. CODIGO PENAL.:
  • RELATORIO DA FUNDAÇÃO DE PROMOÇÃO SOCIAL, SOBRE A PROSTITUIÇÃO DE MENORES, EM MATO GROSSO. SOLICITANDO APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 141, DE 1993, DE AUTORIA DE S.EXA., QUE ALTERA DISPOSITIVOS DO CODIGO PENAL.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/1995 - Página 5544
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. CODIGO PENAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DO ESTADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), DIVULGAÇÃO, RELATORIO, FUNDAÇÃO, PROMOÇÃO, INTERESSE SOCIAL, DENUNCIA, ATIVIDADE, AGENCIA DE TURISMO, EMPRESA DE HOTELARIA, VENDA, PROSTITUIÇÃO, MENOR, ADOLESCENTE, TURISTA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, DISPOSITIVOS, CODIGO PENAL, AUMENTO, PENALIDADE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PROSTITUIÇÃO, MENOR.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal Folha do Estado, da cidade de Cuiabá, divulgou há pouco o relatório da Fundação de Promoção Social - PROSOL, segundo o qual "as agências de viagem e redes de hotéis vendem pornô-turismo e meninas virgens".

Homens de toda a espécie, sobretudo turistas, recolhem em seus carros meninas de doze e quatorze anos para um programa de R$50,00 a hora. Isso não é tudo, porém. Indicadores sociais de absoluta confiança nos dão conta de que 60% dessas menores, antes de ingressar na prostituição, foram vítimas de violência sexual em seu próprio domicílio, em geral praticada por parentes próximos, quando não pelo próprio pai.

O pornoturismo ou sexoturismo não guarda qualquer relação com a viagem de lazer convencional, que gera divisas e favorece o intercâmbio cultural entre as diversas nações do globo. O pornoturista contrapõe-se à ética e à moral, é um viajante de quinta categoria, na classificação dada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, que nada, na prática, representa para a economia formal. "A mercadoria que deseja comprar é humana", como apontou, em contundente editorial, o valoroso jornal Correio Braziliense.

O documento da PROSOL acrescenta informações quanto aos lugares, pontos, ruas, bordéis, garimpos, redes de tráfico de drogas, rodovias da Baixada Cuiabana, do Nortão e das cidades turísticas onde estão concentrados os principais focos da prostituição infantil do Estado de Mato Grosso, habitualmente freqüentados, também, por participantes de feiras e convenções, caminhoneiros, vigilantes, aliciadores de mão-de-obra e peões.

A estratégia direcionada à solução desse grave problema social, articulada, no nosso Estado, a partir de trabalho elaborado pela PROSOL, de depoimentos das vítimas, de informações dos Conselhos Tutelares, de estudos e resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito da Prostituição Infantil, deverá merecer o suporte material da Organização Internacional do Trabalho - OIT e executada no biênio 96/97.

Esses recursos, de exclusiva aplicação no Estado de Mato Grosso, deverão ser consignados, na etapa do ano vindouro, no combate à prostituição de menores na Baixada Cuiabana, em Cáceres e Rondonópolis. No ano seguinte, seria a vez de Peixoto Azevedo e de Barra do Garças, seguindo a mesma programação, conforme delineada no projeto "Menina do Futuro", elaborado pelo conjunto de representantes do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Fundação de Promoção Social e de organizações não-governamentais dedicadas ao bem-estar do menor.

Deve-se esclarecer que essa proposta, acolhida pela direção superior da OIT, em Genebra, na Suíça, passa a integrar o Projeto Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil, que vem sendo desenvolvido em vários países, inclusive no Brasil, onde vem funcionando, há cerca de três anos, mediante convênio com o Ministério do Trabalho e parcerias com instituições particulares. A Organização, ao assumir, além de seus encargos originários, o de combate à prostituição infantil em todo o mundo, assim procede em conseqüência de haver verificado que as crianças, lançadas a essa prática, buscam não mais do que a própria sobrevivência.

Como se vê, Srs. Senadores, numerosas medidas estão em curso, com o objetivo precípuo de combater a prostituição infantil, que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, classifica de "crime bárbaro", sem embargo de que se venham a adotar as novas sugestões, que, diuturnamente, chegam à deliberação da autoridade pública, em termos de colaboração, com essa finalidade.

Entre elas, a que nesta oportunidade registramos, de que a legislação penal sancione com mais rigor o cometimento de crimes contra os menores de idade, de modo particular, o de explorar em práticas de prostituição.

Sobre esse aspecto, Josiane Rose Pery Veronese, Professora de Criminologia da Universidade Federal de Santa Catarina, aponta para o fato de que "o Código Penal, ao tratar das questões relativas à prostituição, situa-se, genericamente, dentro do mundo dos maiores de idade e com ênfase na prostituição feminina, não dando a devida importância à prostituição infantil. É certo que, quanto ao menor de quatorze anos, em todas as hipóteses descritas, a violência já se encontra presumida na forma do art. 224 do Código Penal, com o conseqüente agravamento da pena. No entanto, as vítimas maiores de quatorze anos e menores de dezoito foram totalmente desconsideradas. Temos, dessa forma, ao contemplar o nosso Código Penal, um sistema punitivo que não pune e sequer contramotiva a prática da prostituição infantil".

Contam-se hoje dois milhões de vítimas da prostituição infantil em nosso País, segundo estatísticas do Fundo das Nações Unidas para a Infância, ou dez milhões, se preferíveis os números levantados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. O problema, julgado gravíssimo, por isso mesmo, constitui uma das primeiras preocupações do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, referindo-se ao Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, realizado no último mês de outubro, confessou-se entristecido, indignado e revoltado "com a dura realidade da prostituição infantil", mal que afeta a vida de milhões de brasileiros. Indaga o Chefe da Nação:

      "Como não considerar crime o que acontece com as meninas dos garimpos do Pará, Acre, Rondônia e Amapá?"

Também ocorre situação semelhante no meu próprio Estado do Mato Grosso. Há muitos casos graves que foram constatados pela Comissão Parlamentar de Inquérito que, em 1993, investigou a prostituição infantil no País. Segundo o relatório da CPI, existe prostituição infantil em várias regiões brasileiras.

Ainda há poucos dias, numa visita que fiz a Fortaleza, conversando com um grupo de personalidades daquela cidade, fiquei chocado com a informação de que hoje o Nordeste brasileiro está sendo vítima também do pornoturismo infantil, por meio de turistas europeus. Aviões estão chegando a Fortaleza, Recife, Maceió, Natal, trazendo pseudoturistas europeus, que vêm ao Brasil não com a finalidade de freqüentar as praias e ver as nossas belezas naturais, mas com a finalidade de prostituir as menores brasileiras e até praticar outros ramos de atividades sexuais. Isso é lamentável para um Brasil tão rico em potencial turístico, mas que está tendo o seu turismo transformado num pornoturismo de prostituição da nossa infância.

No Sul, acontece mais na área rural. Esse mal não abrange apenas a nossa Região. O problema também está no Sul do País. Mesmo na Região mais rica do Sudeste, nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, também existe em demasia a prostituição infantil. No Centro-Oeste, principalmente no Distrito Federal, é grande o número de estupros. Quem lê os jornais diários da Capital brasileira toma conhecimento de inúmeros fatos na área da prostituição infantil. No Norte, a exploração sexual das crianças acontece nos garimpos, como falei há pouco. E, no Nordeste, a prostituição de menores, infelizmente, está visceralmente ligada ao turismo, o chamado pornoturismo, que hoje generaliza-se naquela Região, uma das mais pobres do País.

Deseja, com acerto, o Presidente da República, ao dizer:

      "Isso não pode continuar! Nós vamos agir! Vamos combater a exploração sexual de menores com coragem e determinação."

Devemos consignar também que estarei apresentando amanhã, nesta Casa, um Projeto de Lei alterando os arts. 218, 219, 225 e 227 a 231 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, bem como o art. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que se relaciona com o aumento da penalidade para esses tipos de crime. A partir deste meu Projeto, se aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, depois, pelo Plenário do Senado, o art. 218 estabelecerá:

      "Art. 218. Corromper, facilitar, incentivar, auxiliar ou permitir a corrupção de pessoa maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo a praticá-lo.

      Parágrafo Único. Se o crime é cometido contra pessoa menor de quatorze anos:

      Pena - reclusão, de cinco a dez anos.

      Art. 219.........................................

      Parágrafo único. Se o crime é cometido contra pessoa menor de quatorze anos:

      Pena - reclusão, de cinco a dez anos."

Assim, faremos com que todos os crimes cometidos contra pessoas dessa faixa de idade de quatorze a dezoito anos sejam bem punidos.

Estou aumentando a pena de reclusão de seis para quinze anos, mais multa. Aliás, todas as vezes que apresento nesta Casa um projeto difícil, punindo pessoas, o mesmo fica parado nas comissões. Não sei o que acontece, mas quando quero punir com severidade, não consigo aprovar nenhum projeto nesse sentido.

O art. 239 estabelecerá o seguinte:

      "Art. 239. Promover, auxiliar ou facilitar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior, com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:

      Pena - reclusão, de quatro a seis anos, e multa.

      § 1º Se o crime é cometido com o objetivo de prostituição da criança ou adolescente:

      Pena - reclusão, de cinco a dez anos, e multa.

      § 2º A pena é aumentada de um terço se o crime é cometido por funcionário público no exercício de sua função, sem prejuízo da perda do cargo."

Por que isso? Porque hoje, lamentavelmente, vemos vários funcionários públicos, que deveriam ser encarregados da preservação de nossas crianças, autorizarem transferências de nossos cidadãos brasileiros, de crianças brasileiras, para o exterior, e até de menores de idade para serem prostituídos. Além do mais, até mesmo membros do Poder Judiciário, Promotores de algumas cidades do interior brasileiro, têm coonestado, têm participado desse tipo de crime.

Por isso, estamos apresentando esse Projeto. Espero que a augusta e serena Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado acolha os meus projetos e, pelo menos, dê andamento a eles, para que cheguem ao Plenário e sejam discutidos e votados, a fim de que se possa punir aqueles cidadãos que estão agredindo os menores brasileiros e, em especial, participando ativamente da prostituição infantil em nosso País, o que é vergonhoso para um País tão rico e tão forte como é o Brasil, que não necessitaria nunca de estar utilizando menores nessa área de criminalidade tão lastimável, como vem ocorrendo nos últimos tempos.

Devemos consignar, finalmente, que Irene Rizzini, da Coordenação de Estudos e Pesquisas Sobre a Infância, da Universidade Santa Úrsula, do Estado do Rio de Janeiro, em premiado trabalho para o primeiro Simpósio Nacional sobre a Criança, resume a questão da prostituição infantil ao fato de que "a menina tem sido vítima inconteste das condições subumanas em que vivem milhões de famílias brasileiras. Ela, enquanto mulher, reproduzirá, em suas relações, aquilo que recebeu, seja uma formação baseada no descaso e na violência, seja no crescimento fundado no respeito a sua pessoa.

A perpetuação do tratamento indigno traz conseqüências irreparáveis no âmbito das relações sociais. Para que o País venha atender a expectativa e a aspiração do seu povo, urge, mas com rapidez, que sejam priorizados os cuidados especiais de suas crianças, os cidadãos de amanhã. E um dos fatores que tem incentivado muito o aumento da prostituição infantil é justamente a má redistribuição de renda em nosso País. E para fazer do Brasil um país mais justo precisamos redistribuir melhor as rendas entre os brasileiros.

Era o que tnha a dizer. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/1995 - Página 5544