Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DA S.EXA. COMO RELATOR DA MEDIDA PROVISORIA 1.053/95, QUE TRATA DA DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. IMPACTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, QUE BENEFICIA OS FINANCIAMENTOS DO BANCO DO BRASIL.

Autor
Coutinho Jorge (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • PARTICIPAÇÃO DA S.EXA. COMO RELATOR DA MEDIDA PROVISORIA 1.053/95, QUE TRATA DA DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. IMPACTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, QUE BENEFICIA OS FINANCIAMENTOS DO BANCO DO BRASIL.
Aparteantes
Gerson Camata, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1995 - Página 5816
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • EXPOSIÇÃO, ATUAÇÃO, ORADOR, RELATOR, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DESINDEXAÇÃO, ECONOMIA, CONTROVERSIA, POLITICA SALARIAL, SUGESTÃO, SUBSTITUTIVO, COMISSÃO, NECESSIDADE, GARANTIA, SALARIO, PERIODO, ALTERAÇÃO, LIVRE NEGOCIAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, DISTRITO FEDERAL (DF), DECLARAÇÃO, MINISTRO, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), FATO, CONCESSÃO, INDICE, REAJUSTAMENTO, SALARIO, SERVIDOR, BANCO DO BRASIL, ANTAGONISMO, POSIÇÃO, JUDICIARIO, EXECUTIVO, EFEITO, EFICACIA, PROGRAMA, ESTABILIZAÇÃO, PLANO, REAL.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em 30 de junho deste ano, foi editada a Medida Provisória nº 1.053 - reeditada, com alterações, em 28 de julho -, que tratava de medidas complementares relativas ao Plano Real, concentrando, sobretudo, as preocupações quanto à desindexação da economia brasileira.

Fomos indicados como Relator dessa medida e, durante dois meses, praticamente a partir de 1º de julho, iniciamos uma intensa atividade de consultas, debates, audiências e negociações, envolvendo representantes da área sindical, de empregadores, representantes da área acadêmica e o próprio Governo, através dos seus Ministros e do próprio Presidente da República.

Lembro-me de que um dos aspectos mais polêmicos dessa medida tratava da política salarial, e os pontos que apresentavam ofereciam inquietações mais significativas. Eram praticamente cinco esses pontos. O primeiro dizia respeito à tese que os sindicatos alegavam: o enfraquecimento da atual organização sindical e da negociação coletiva; o segundo aspecto era a figura do mediador, absolutamente obrigatório naquela medida; o terceiro era o novo conceito de produtividade que o Governo defendia; o quarto aspecto dizia respeito à dedução dos aumentos concedidos antes da revisão salarial; e o quinto e mais polêmico item dizia respeito à garantia dos salários, mesmo que fosse numa fase de transição.

Após várias discussões com sindicatos e centrais, o Governo, na reedição da medida, em julho, alterou alguns aspectos ligados à figura do mediador, que passou a ser opcional, redefiniu a idéia da produtividade e realmente considerou o aspecto da dedução dos aumentos concedidos. No entanto, ficou uma grande polêmica e uma grande questão: a garantia dos salários nesta fase de transição do modelo.

Na verdade, o nosso relatório foi apresentado em agosto, e, na parte relativa aos salários, nossa proposta diferia da do Governo, uma vez que mostrávamos a necessidade de algumas garantias já que o Governo reconhecia a fase da transição entre os dois modelos, o da negociação indexada e o da livre negociação, proposta então pelo Governo na medida provisória. Ele aceitava a correção do IPCr acumulado da data-base a julho de 95, e, a partir daí, a livre negociação, enquanto permitia que os outros agentes econômicos tivessem garantidas as reposições de suas rendas, tudo, evidentemente, anualizado. Mas proibia, no art. 13, qualquer correção de salário vinculada a índices. Mesmo com inflação baixa, os assalariados perderiam cerca de um quarto durante o ano.

Naquela altura, discutíamos que o mercado laboral no Brasil tinha categorias fracas, que estavam despreparadas para, de forma imediata, enfrentar o processo da livre negociação, e tinha categorias organizadas, capazes de negociar os interesses dos trabalhadores. Então, propusemos o mecanismo de transição, que iria reduzir as perdas salariais mais expressivas com maior proteção para as faixas de salário mais baixo - até três salários mínimos. Tratava-se de uma proposta que não era inflacionária, que respeitava o princípio da anualidade e se diluía no tempo, durante um e dois anos, além de estar bastante distante do conceito de gatilho.

A proposta básica era muito simples: as parcelas dos salários até três salários-mínimos teriam, no primeiro ano, nesta fase de transição, a correção plena de 100%, enquanto os outros níveis seriam corrigidos em 80%; e, no segundo ano, haveria, portanto, uma redução de 80 e 50% respectivamente.

É claro que essa era uma proposta transitória entre dois modelos absolutamente radicais, mas necessária face à lógica do processo e à diferenciação do mercado laboral do Brasil.

Contudo, não foi aprovada a medida provisória ainda. Portanto, o nosso parecer não foi considerado.

Surgiu, no entanto, um fato novo. O Tribunal Superior do Trabalho, há dois dias, ao julgar o dissídio dos funcionários do Banco do Brasil, decidiu conceder reajuste baseado na inflação acumulada de setembro de 1994 a agosto de 1995, o que resultou num reajuste de 25% - diferente do proposto pelo Banco do Brasil, de 20,9%. Portanto, no entender de muitas pessoas, desrespeitando as decisões contidas na medida provisória, em sua quinta reedição.

Diz o noticiário da imprensa que, com esse julgamento, os Ministros do TST firmaram posição a ser adotada nos próximos dissídios. São atribuídas declarações aos Ministros Almir Pazzianotto, Valdir Righeto e Ursulino Santos (Relator), no sentido de que a reposição da inflação deve ser integral e que os trabalhadores não devem ser os únicos a "pagar a conta".

Segundo o Correio Braziliense de ontem, o Ministro Ursulino Santos teria afirmado que:

      "O Tribunal não vai se fixar nos índices definidos na Medida Provisória. O Governo baixou a medida desindexando os salários, mas isto não significa que a inflação acabou. Se ficássemos limitados ao que prevê a medida, toda a carga da responsabilidade ficaria nas costas do trabalhador."

Na visão do Ministro Pazzianotto, ainda segundo a mesma matéria, a decisão foi correta, e não foi um exagero do Tribunal.

Ao ler a mídia, verificamos que o Ministro do Planejamento José Serra afirma que a decisão é equivocada e vai levar ao desemprego, tanto no setor público quanto no privado. O Diretor do Banco Central Francisco Lopes diz que a conseqüência da medida será a recessão e o desemprego. Inquietação similar tem o Ministro do Trabalho. Já para o Ministro José Serra a decisão do TST não vai desequilibrar o Plano Real, mas certamente terá reflexos no nível de emprego. Serra ressaltou que a tendência de reduzir custos deve se acentuar ainda mais. E, na visão de Chico Lopes, a prioridade é o combate à inflação. Portanto, o governo não vai afrouxar as restrições ao consumo e ao crédito por causa do desemprego.

O Tribunal Superior do Trabalho, na verdade, toma sua posição.

O Presidente do TST, José Ajuricaba, defendeu o reajuste de 25% concedido aos funcionários do Banco do Brasil, argumentando que a medida provisória da desindexação não proíbe reajustes superiores ao IPCr acumulado até junho. Depois de garantir que o reajuste não abala o Plano, o Presidente cobrou coerência do Governo, que critica 25% do Banco do Brasil e esquece os 30% recebidos pelos bancários de outro setor e os 26% recebidos pelos metalúrgicos.

A questão que surge é de que não é relevante saber se os salários do Banco do Brasil vão aumentar de 20 para 25%, mas a preocupação é verificar se essa é uma posição do Tribunal Superior do Trabalho em relação ao Plano de Estabilização do Brasil.

O SR. JÚLIO CAMPOS - A Mesa interrompe o orador para prorrogar o Expediente por mais dez minutos, a fim de que S. Exª tenha o seu prazo regimental cumprido para fazer a sua oração.

O SR. COUTINHO JORGE - Nesse sentido, em termos jurídicos, a decisão do Tribunal parece ser legal - não temos dúvida -, embora crie, inegavelmente, precedente para jurisprudência nos julgamentos de outros dissídios coletivos, apontando, assim, para o risco de retorno da prática da concessão de reajustes salariais baseados no comportamento da inflação passada.

Sob o ponto de vista econômico, tal retorno é tudo o que o Governo não quer, já que a volta da indexação compromete o processo de eliminação da escalada inflacionária em nossa economia, em especial por seus efeitos no aumento do consumo interno, na continuidade da inflação inercial e nas expectativas que regem o comportamento dos agentes econômicos.

Os gestores da política econômica também argumentam que, para que o possível retorno da indexação salarial não se reflita em aumentos de preços, será necessário maior aperto monetário e, conseqüentemente, maior desaceleração do ritmo de crescimento da economia, com efeitos indesejáveis no nível de emprego.

Politicamente, fica o Governo em posição delicada, visto que, não podendo se furtar a cumprir decisão da Justiça, não tem como impedir que expectativas de volta do processo de indexação salarial sejam formadas.

Tais acontecimentos, em nossa opinião, sugerem que a posição do Tribunal Superior do Trabalho poderia ter sido diferente. Talvez com menor repercussão, menos problemática, se o substitutivo que nós defendemos e apresentamos à Comissão tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional. Talvez não em sua forma original, isto porque hoje o TST não poderia conceder inflação integral para todos os funcionários do Banco do Brasil, mas, sim, os 100% garantidos, por parcela, até três salários mínimos, e 80% para parcelas mais altas.

Por certo, a decisão do TST poderá gerar impactos, segundo os especialistas, negativos no Programa de Estabilização do Plano Real.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Gerson Camata - Acompanho a exposição que V. Exª faz e participo das preocupações que V. Exª também expõe. Acredito que os efeitos sobre o Plano Real já estão começando a se fazer sentir, diante dessa resolução da Justiça Trabalhista. Os economistas brasileiros experimentados dizem que o Brasil é fadado a ser um país inflacionado por causa da Justiça do Trabalho. Não houve plano econômico de estabilização na História do Brasil que não morresse sob o jugo ou pela forca da Justiça do Trabalho. Estava demorando. Começou a acontecer. E o primeiro resultado veio nas últimas 24 horas. Durante um ano, o dólar paralelo subiu 1%; em 24 horas, ele já subiu 3%. As pessoas perceberam que a Justiça do Trabalho começou a demolir o Plano Econômico do Governo, e já começam a se direcionar para a compra de moeda que acreditam poderá ficar mais estável. Se a Justiça do Trabalho, no meu entender e da leitura que faço dos economistas mais experimentados do Brasil, não começar a perceber que o Brasil precisa de uma mudança e que essa mudança passa pela estabilização, V. Exª pode ter certeza de que, dentro de seis meses, o Plano estará demolido e vamos passar a conviver com inflações com índices mensais que vão para 10, 20, 30, 40%, com a maior e a mais absoluta certeza. Não é o que desejo que aconteça, nem V. Exª, mas é o que vai acontecer, embora não queiramos.

O SR. COUTINHO JORGE - Senador Gerson Camata, não tenho dúvida: especialistas e economistas têm o mesmo temor de V. Exª.

O Governo, ao tentar mudar de um modelo de indexação, no que diz respeito às negociações da área trabalhista, definiu que o mecanismo seria a livre negociação a partir de julho de 1995. Nessa altura, ao discutir na Comissão, a sociedade brasileira, os sindicatos, levantaram a questão de que uma mudança brusca dos dois modelos poderia trazer conseqüências desastrosas, sobretudo para aqueles segmentos da classe dos trabalhadores que não tivessem um poder maior de barganha e negociação junto aos seus empregadores. Daí, àquela altura, parte da Comissão ter discutido, juntamente com o Relator, a necessidade de tornar clara na Medida Provisória essa transição, para evitar equívocos, como poderá ocorrer com as decisões do Tribunal Superior do Trabalho. Por isso, propusemos essa fase de transição, garantindo, num período limitado, para os salários baixos, a amarração do IPCr, corrigido em 100%, e permitindo que houvesse uma redução progressiva dos salários posteriores a três salários mínimos. Por quê? Se tivéssemos aprovado uma proposta parecida com essa, hoje o TST não teria condições de tomar aquela decisão. Teria o respaldo na Medida Provisória, com o seu projeto de conversão transformado em lei e teria as diretrizes e os parâmetros para resolver os impasses entre trabalhadores e patrões que não fossem viabilizados consoante o previsto na Medida Provisória, que seria: a primeira fase, com a mediação; se não houvesse o entendimento possível, poderia se recorrer ao dissídio coletivo.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Concedo o aparte a V. Exª, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Coutinho Jorge, queria apenas, rapidamente, discordar do que foi dito pelo Senador Gerson Camata em seu aparte. Justificar o aumento do dólar no mercado paralelo nesses últimos dias como uma decorrência da decisão do TST, sinceramente, não condiz com a realidade. Ocorreu aumento do dólar no mercado paralelo porque as empresas entraram firmes no mercado do dólar, agora, para dolarizar os seus ativos, visando a pagar menos imposto de renda. Por isso, há esse aumento do dólar no mercado paralelo no final do ano. Em segundo lugar, vai se dizer que esse aumento de 25% para os bancários do Banco do Brasil vai desestabilizar o Plano Real? E o aumento de 30% que os bancários dos bancos privados tiveram? A grande questão é que o Executivo ainda não teve um projeto global e coragem para enfrentar essa situação, para evitar isso. Quando realmente tivermos a coragem de modificar toda a estrutura da Justiça trabalhista no Brasil, acabando com o poder normativo da Justiça do Trabalho, estabelecendo um processo - aí, sim - de livre negociação, com arbitragem independente, estaremos contribuindo até para evitar decisões desse tipo. Queria agradecer a V. Exª, dizendo que não poderia deixar em branco a afirmação do Senador Gerson Camata que, sinceramente, não condiz com a realidade. Muito obrigado.

O SR. COUTINHO JORGE - Senador José Eduardo Dutra, concordo com V. Exª. Nas discussões relativas ao problema da livre negociação foi debatida exatamente a participação da Justiça brasileira, sobretudo no que diz respeito à fórmula como a Medida Provisória incorporou a participação do Tribunal Superior do Trabalho. Há uma série de modificações e propostas contidas no próprio relatório do Relator e que, no nosso entender, se houvessem sido aprovadas, não estaríamos preocupados com a decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Claro que o TST tem poder legal para tomar essa decisão, mas a fórmula encontrada na Medida Provisória, que ainda está no Congresso Nacional, já na sua quinta reedição, não representa a fórmula ideal que pudesse evitar equívocos desse tipo. Insistimos em que deveríamos ter, num período transitório, para os salários mais baixos, um mínimo de garantia de correção, para que o instituto da livre negociação pudesse depois ser implantado de forma plena no Brasil e evitar que decisões como essa, se forem, de fato, repetidas, possam criar graves problemas ao plano de estabilização do Governo Federal.

Eram essas as considerações que desejava trazer, inquietações que venho mantendo desde o momento em que redigi o relatório referente à Medida Provisória de desindexação da economia brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1995 - Página 5816