Discurso no Senado Federal

APELO NO SENTIDO DA VIABILIDADE DO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DE HIDROVIAS DO RIO ARAGUAIA E RIO TOCANTINS (PRODIAT), COM O FIM DE ESCOAR A PRODUÇÃO DA REGIÃO CENTRO-OESTE.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • APELO NO SENTIDO DA VIABILIDADE DO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DE HIDROVIAS DO RIO ARAGUAIA E RIO TOCANTINS (PRODIAT), COM O FIM DE ESCOAR A PRODUÇÃO DA REGIÃO CENTRO-OESTE.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 27/01/1996 - Página 1010
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, DESENVOLVIMENTO, CERRADO, REGIÃO CENTRO OESTE, POLITICA DE TRANSPORTES, LEVANTAMENTO, PROGRAMA, HIDROVIA, RIO ARAGUAIA, RIO TOCANTINS, OBJETIVO, REDUÇÃO, CUSTO, ESCOAMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, OBSTACULO, NECESSIDADE, CONSTRUÇÃO, BARRAGEM, OPÇÃO, CANAL SANTA ISABEL, ECLUSA, USINA HIDROELETRICA, MUNICIPIO, TUCURUI (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, GOVERNO, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, BANCO PARTICULAR, VALOR, SUFICIENCIA, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, TRANSPORTE.
  • INFORMAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), GOVERNO, TRANSPORTE INTERMODAL, NAVEGAÇÃO FLUVIAL, RODOVIA, FERROVIA, REDUÇÃO, CUSTO, EXPORTAÇÃO, GRÃO, REGIÃO CENTRO OESTE, PORTO, ESTADO DO MARANHÃO (MA), CONCLUSÃO, CORREDOR DE EXPORTAÇÃO.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando, há cerca de vinte anos, firmou-se a consciência de que o solo do cerrado, trabalhado em uma agricultura moderna poderia ser uma fértil fonte de riqueza para o País, passou-se a ver com novos olhos o destino das vastas extensões que se desdobram em nosso Centro-Oeste e do Centro-Oeste para o Norte.

O sucesso da implantação da soja no Centro-Oeste, o rápido desbravamento das regiões mais ao norte, na área de influência do Araguaia e do Tocantins, por força da pujança da atividade pecuária e do interesse nas riquezas minerais, alertaram o País para a importância de ações deliberadas e coordenadas, por parte do Poder Público, para incentivar esse desenvolvimento, para canalizar essas energias criativas.

Passou-se a perceber que a promoção articulada de diversos projetos setoriais, apoiando-se mutuamente, teria um efeito sinérgico, amplificador, acima da mera soma de iniciativas isoladas. Assim, a mineração, os meios e vias de transportes, a pecuária, o cultivo de grãos, a energia elétrica e outros, desenvolvendo-se simultânea e harmonicamente, estimulariam uns aos outros, viabilizar-se-iam individual e conjuntamente.

De todas as atividades merecedoras de estímulo em um programa de desenvolvimento, a atividade-chave é, sem dúvida, o transporte. A riqueza produzida no coração do continente sul-americano precisa de caminhos para ser escoada e chegar aos centros de consumo. Precisa principalmente de vias de transporte para alcançar os portos marítimos de exportação, já que se trata de produtos altamente demandados pelos mercados internacionais.

Desde cedo portanto planos, cogitações e estudos que se fizeram a respeito do desenvolvimento dessas grandes extensões de território brasileiro tiveram sempre uma preocupação central: implantar uma espinha dorsal de transporte no coração da região, que se estendesse de norte a sul, permitindo que a produção trazida a essa via principal pudesse atingir portos do Pará ou Maranhão, num extremo, e, no outro, no sul da região, utilizando a malha viária já existente na Região Sudeste, pudesse escoar-se pelos seus vários portos de exportação.

O chamado Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins, Prodiat, foi um estudo que se desenvolveu no início dos anos 80, sob a orientação de ação desenvolvimentista integrada, a ser dirigida pelo Poder Público. O Prodiat, projeto federal com a participação dos Estados da região, conduzido por excelente e bem-estruturada equipe técnica, procedeu a um extenso levantamento da vasta região sob a influência e atravessada pelos dois gigantes, o Araguaia e o Tocantins.

O Prodiat examinou tudo: potencial de mineração, potencial de pecuária, de cultivo de grãos, de desenvolvimento rural e urbano, de energia, de turismo, de rede de transporte e de industrialização.

O Prodiat centrou seu projeto de desenvolvimento em torno da idéia de navegação fluvial pelo Araguaia e Tocantins. Essa navegação é possível e natural em muitos trechos e viabilizável em toda a extensão desses rios por meio de desenvolvimento de uma hidrovia. Isto é, por meio de obras localizadas que permitam a navegação comercial contínua rio abaixo e rio acima. Como se sabe, o transporte hidroviário custa, em princípio, bem menos do que o ferroviário, e este bem menos do que o rodoviário.

O grande impasse da produção no interior profundo do Brasil está na quase inviabilidade econômica de transportar produtos para fora e para dentro da região, usando rodovias e caminhões. O custo do frete rodoviário torna antieconômicas as opções comerciais, dificultando o desenvolvimento da região.

Os estudos do Prodiat concluíram pela viabilidade de um conjunto de subprojetos econômicos, de grande significado e dimensão, a serem implantados por meio de um esforço de dez anos a ser conduzido pelo Poder Público. A proposta do programa se inspirava em precedentes bem-sucedidos em outros países, como foi o desenvolvimento integrado dos vales do São Lourenço, do Reno, do Ródano, do Danúbio, do Volga. O principal exemplo, evocado à época, era o desenvolvimento da região do rio Tennessee, pelos Estados Unidos, nos anos trinta. Lá, uma série de barragens viabilizou a navegação, a irrigação, a energia elétrica. Outras ações de promoção da região do Tennessee conseguiram, no conjunto dessas providências, levar um formidável progresso à grande área abarcada pelo projeto.

No entanto, o próprio fato de o Prodiat constituir-se um megaprojeto governamental colocou uma série de dificuldades à sua implementação. A navegação fluvial contínua, na total extensão do Araguaia-Tocantins, para viabilizar-se, exige obras importantes, principalmente a barragem de Santa Isabel e a grande eclusa de Tucuruí, para superar as corredeiras ao norte de Xambioá e o desnível da barragem que forma o grande lago de Tucuruí. O Prodiat assegurava retorno vantajoso aos investimentos governamentais e privados previstos, investimentos esses que totalizavam recursos bem inferiores ao aporte que o Tesouro Nacional transfere atualmente ao sistema financeiro privado.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Epitacio Cafeteira - É impressionante como esta Casa, que tem uma maioria absoluta de representantes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se limita a aprovar as coisas que desenvolvem o Sul, mas não desenvolvem as outras Regiões. Não digo isso porque represento o Maranhão, mas porque é preciso atentarmos para o desenvolvimento de uma região inteira. Daqui a alguns dias, farei um pronunciamento, onde mostrarei um país da dimensão continental como o Brasil que só tem como porta de entrada São Paulo. Quem vem ao Brasil tem que descer em São Paulo para depois ir ao Tocantins, ao Maranhão ou ao Pará. Na hora de deixar o País rumo ao Hemisfério Norte, tem-se que voltar a São Paulo. V. Exª já imaginou se só se pudesse entrar nos Estados Unidos por Nova Iorque, Miami ou Los Angeles? Lá existe uma porção de aeroportos que facilitam o acesso de entrada e saída da América do Norte. Aqui não. Os Estados do Norte e do Nordeste estão condenados a não receber o turista. O turismo no Brasil deve ser piada, porque se limita a uma empresa subordinada a um Ministério, que nos deixa a sensação clara, quando viajamos para o exterior, de que o Brasil não existe. A CNN tem um horário com notícias só de Buenos Aires. Lá no Hemisfério Norte eles pensam que Buenos Aires é uma espécie de sede da América do Sul. O Brasil não existe para quem vê televisão. V. Exª coloca muito bem esse ponto quando fala do potencial do cerrado. Nobre Senador, o melhor Porto do Brasil é o de Itaqui, no Maranhão, o qual é dragado pela própria maré. No Maranhão, a maré sobe sete metros. Quando sobe, represa o rio; quando desce, leva a água do rio, que foi represada, e percorre, com grande correnteza, passando pelo Porto de Itaqui, limpando-o. Quando o Senador José Sarney foi Presidente da República, S. Exª, timidamente - creio eu -, porque diziam que S. Exª não havia sido eleito e que foi o destino que o colocou na Presidência do Brasil - governou o País sem olhar para as Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Só muito tarde S. Exª iniciou a construção da Ferrovia Norte-Sul. Não tenho dúvidas de que a Norte-Sul será o suporte, o esteio do Prodiat, já que vai levar a um porto que pode ser utilizado não só pelas suas qualidades, mas até por estar mais perto da Europa, dos Estados Unidos, enfim, por estar mais perto do mundo. Mas fazem questão de levar para Tubarão, para Santos, para Paranaguá, onde há excesso de produtos para exportação. Nobre Senador, precisamos nos unir para cuidar do desenvolvimento dessa região, onde deveremos fazer um somatório de tudo isso que V. Exª está falando, para que possamos projetar uma ferrovia que realmente leve a um porto como o de Itaqui, que certamente contribuirá para o desenvolvimento de toda essa região. Não temos sequer - como disse inicialmente - oportunidade de ver o turista entrar por nossa região. Não temos, em Recife, nem no Maranhão, nem em Fortaleza, nem em Belém, nenhum contato com o mundo exterior. É preciso que exijamos do Presidente da República um maior interesse por essa região, que faça por ela, por exemplo, um sinal de agrado como o que fez para Rio de Janeiro quando lá esteve. É preciso que Sua Excelência vá - eu recomendaria àqueles que o levarem para não lhe prepararem aquela buchada de bode, porque senão o Presidente não voltará mais -, temos que recebê-lo e mostrar-lhe que também estamos em condições de mostrar um Brasil moderno. A capital do Estado do nobre Senador Jefferson Péres - que talvez vá dirigir como Prefeito, e talvez um Prefeito perfeito - seria um ponto de entrada maravilhoso. Mais do que a Zona Franca de Manaus, pela Amazônia, pela floresta, eu não tenho dúvida de que Manaus, na realidade, seria um grande atrativo turístico do mundo inteiro. Mas não existe linha regular! Só nos fretamentos. Mas congratulo-me com V. Exª, nobre Senador João Rocha, pelo carinho que sempre tem demonstrado, em todas as oportunidades, por essa região na qual as raízes de V. Exª estão enterradas, por essa região que, não tenho dúvida, está também com as raízes enterradas no coração de V. Exª. Parabéns a V. Exª.

O SR. JOÃO ROCHA - Nobre Senador, muito obrigado pelo aparte de V. Exª, que vem valorizar o nosso pronunciamento. V. Exª colocou bem claro que realmente, a partir deste momento, precisamos nos unir, buscar soluções práticas e objetivas, prioridades para as Regiões Norte e Nordeste do nosso País.

Como acabamos de colocar, o aporte de recursos para o sistema financeiro internacional, que vem sendo feito praticamente há três décadas, só esse aporte que foi feito agora para dois sistemas financeiros - Banco Nacional e Banco Econômico - dá exatamente quatro ferrovias Norte-Sul e mais a hidrovia, numa extensão de 2 mil quilômetros, chegando até o porto de Belém. Então, veja V. Exª que não estamos priorizando o País. Estamos priorizando regiões. Mas ontem coloquei aqui, num aparte, que somos unidades federadas e não só um país independente - Manaus não quer ser um país independente, assim como o Tocantins e o Maranhão também não querem. Então, a partir do momento que somos unidades federadas, temos que cuidar dos equilíbrios e dos desenvolvimentos regionais. Se as Regiões Norte e Nordeste do País representam mais de 60% da área territorial do Brasil, por que não queremos que ela se expanda? Por que não queremos essa marcha para o oeste? Está havendo um erro.

Então, continuando, Sr. Presidente, nobre Senador Epitacio Cafeteira, o Brasil, justamente nessa época, época em que começamos a estudar e a viabilizar as potencialidades através do Prodiat, tomava consciência também de uma crise econômica que estava chegando. A idéia dos megaprojetos governamentais, que havia empolgado o País nos anos 70, era agora pouco apoiada. Por quê? Porque, ao invés de buscarmos soluções objetivas e claras, buscamos megaprojetos para megausinas. Tudo no País tinha que ser grande, e o povo exigia soluções modestas e que realmente trouxessem benefícios imediatos. Então foi o grande erro do País. Tudo que fizemos, esse mundo de obras inacabadas, tudo, não foi pensando no desenvolvimento do País, foi pensando em como gerar corrupção maior. Penso que a definição mais plausível seria essa.

Os estudos do Prodiat deixaram um grande acervo de conhecimento, de idéias e de esperança para a região e para o País, mas, por falta de vontade política, não houve condições de executar o projeto.

Na segunda metade da década de 80, no Governo Sarney, a idéia de se prover a região de uma espinha dorsal de transporte no sentido norte-sul encontrou um novo enfoque, uma nova definição. O Governo Sarney formulou projeto da Ferrovia Norte-Sul que, embora estimada em cerca de dois bilhões de dólares, podia ser executado por trechos, gradualmente, e se articulava com o projeto já concluído da Vale do Rio Doce, Carajás, e sua ferrovia que leva até São Luís. Como no caso da opção de navegação pelo Araguaia-Tocantins, os Estados mais diretamente beneficiados seriam Pará, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins e Goiás.

Também a Ferrovia Norte-Sul deparou-se com oposição de interesses econômicos e com falta de vontade política para sua execução. É possível que se tenha cometido o erro, na ocasião, de enfatizar excessivamente o papel da Ferrovia Norte-Sul como obra de redenção de uma região do País, ao invés de apresentá-la como uma grande via de transporte a serviço de todo o Brasil. No seu extremo sul, cogitava-se, para a ferrovia, de vários pontos opcionais de articulação com a rede de transportes nacional: em Anápolis, em Brasília, em Pirapora.

Chegou a ser executado um relevante trecho da Ferrovia Norte-Sul, o que vai de Açailândia a Imperatriz, ambas no Maranhão. O Ministério dos Transportes do Governo Fernando Henrique incluiu em suas metas a complementação de mais um trecho, o que vai de Imperatriz a Estreito, estendo-se, pois, para o sul, ao longo do Tocantins. Esse trecho adicional abre perspectivas muito importantes, que abordarei adiante.

Nos últimos dois anos, após um período de paralisia no que diz respeito à formulação de uma espinha dorsal de transporte Centro-Oeste/Norte, houve uma evolução positiva que deve favorecer muito acentuadamente o desenvolvimento de uma região. Trata-se de uma idéia muito pragmática: o uso misto de navegação fluvial, rodovia e ferrovia, que vem sendo defendido e implementado sob a estímulo da Companhia Vale do Rio Doce. O Ministério dos Transportes testou essa solução no ano passado, por meio de um comboio fluvial experimental, com pleno sucesso. A solução utiliza os trechos naturalmente navegáveis e as obras de transporte já prontas. Estados e prefeituras da região vêm apoiando, com meios modestos, mas decisivos, essa iniciativa do Governo Federal e da Vale do Rio Doce.

O Sr. Leomar Quintanilha - Senador João Rocha, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO ROCHA - Com o maior prazer, nobre Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha - Senador João Rocha, quero associar-me ao raciocínio que V. Exª tão oportunamente traz a esta Casa, enfatizando os níveis da extraordinária desigualdade social que experimentamos neste País. É muito fácil verificar que a estrutura de aporte ao desenvolvimento das Regiões Sul e Sudeste, expressada nas suas malhas rodoviária, ferroviária e hidroviária, na sua estrutura energética e nos diversos segmentos que foram ali instalados, não se formou num passe de mágica, mas à custa de vultosos recursos nessas regiões. O progresso e os níveis de desenvolvimento que essas regiões alcançaram foram em razão desses vultosos recursos ali aplicados, na sua grande maioria subsidiados. E é incompreensível a resistência por parte das lideranças dessas regiões. A implantação da infra-estrutura nas Regiões Norte, Nordeste, pobres, desamparadas, onde o cidadão brasileiro, que por força constitucional, ou pela sensibilidade humana, deveria ter o mesmo tratamento, não o tem. Por essa razão a implantação, como V. Exª bem enfatiza, do sistema hidroviário, nessa região de enorme extensão, e o sistema ferroviário só viriam minimizar os efeitos nefastos dessas desigualdades sociais e econômicas. Portanto, como aqui se manifestou o Senador Epitacio Cafeteira, tenha certeza, nobre Senador João Rocha, estaremos solidários e juntos nessa luta, para que o Brasil seja um Brasil de todos, para que o desenvolvimento nele aconteça de forma igual.

O SR. JOÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, que também pela experiência, pelo crescimento da Região, que muito valoriza o nosso Estado como Senador, tenho certeza de que unidos, Tocantins, unidos os Estados das Regiões Norte e Nordeste, possamos fazer com que o Brasil nos ouça e sinta que realmente a preocupação nossa é de integração, de desenvolvimento integrado do País, e não de desenvolvimento isolado.

No ano de 1995, o esquema passou a operar comercialmente. Entre outubro e maio, o Araguaia é navegável, desde Barra do Garças. O rio das Mortes, seu afluente pela margem esquerda, que penetra no sul de Mato Grosso, é nevagável desde Nova Xavantina. Para se ter uma idéia de quão meridional é esse alcance de navegabilidade fluvial do Araguaia, basta dizer que Barra do Garças está sobre a linha imaginária Leste-Oeste que liga Brasília a Cuiabá. Para o norte, o Araguaia é navegável até Xambioá, que fica a montante das corredeiras de Santa Isabel. Em ocasiões mais favoráveis, o Araguaia é navegável até Imperatriz, no Maranhão.

As cargas transportadas por via fluvial estão sendo transferidas em Xambioá para caminhões, que fazem por rodovia o trecho até Imperatriz. No caso de grãos, soja, por exemplo, a transferência é altamente mecanizada, por meio de sugadores. De Imperatriz, as cargas seguem por trem até o porto de Ponta da Madeira, em São Luís, operado pela Vale do Rio Doce. No trecho Imperatriz-Açailândia, o trem percorre a Ferrovia Norte-Sul; daí em diante, a Ferrovia Carajás.

Esse transporte intermodal, combinando rio, rodovia e ferrovia, está-se revelando muito atraente economicamente. O tráfego de cargas está crescendo e várias empresas transportadoras estão-se habilitando a dele participar. De parte dos produtores da extensa região incluída no raio de influência dessa alternativa, há claro interesse. A tonelada de soja, posta Rotterdam, pela opção "intermodal-São Luís", custa dezesseis dólares a menos que pela opção "rodovia-Paranaguá". É uma vantagem de um dólar em cada saca de soja!

Os investimentos, em sinalização, pequenas regularizações fluviais e dispositivos de embarque e transbordo, foram de pouca monta. As transportadoras privadas interessadas já estão encomendando a construção de mais rebocadores e chatas, a ser financiada pelo Fundo de Marinha Mercante, do Ministério dos Transportes.

Esse sucesso inicial pode ser multiplicado muitas vezes por meio de investimentos de algumas dezenas de milhões de dólares, portanto, não caracterizando megaprojeto. Com eles, formar-se-ia uma hidrovia com melhores condições de operação. Estudo do BNDES aponta para os seguintes valores, em dólares - vejam como são inexpressivos: melhoria da navegabilidade do rio Tocantins no trecho entre Marabá e Imperatriz, 1,4 milhão; melhoria da navegabilidade do Tocantins entre Imperatriz e Miracema, no centro do Estado do Tocantins, 11,5 milhões; melhorias no rio Araguaia entre Aruanã, em Goiás, e Xambioá, no Tocantins, em extensão contínua navegável de 1.200 quilômetros, 46,6 milhões; construção de três portos fluviais no Tocantins, em Tocantinópolis, Miracema e Imperatriz, 1,1 milhão; construção de cinco portos fluviais no Araguaia, em Aruanã, São Félix, Cazeara, Conceição e Xambioá, 1,6 milhão. O total desses investimentos, US62,2 milhões, é muito pouco para a enorme repercussão que será alcançada em termos de produção, fluxo de riquezas e intercâmbios comerciais na região.

O caminho sólido parece ser este: a golpes de criatividade e investimentos modestíssimos, iniciar um fluxo, dar o exemplo. Num segundo momento, fazer investimentos maiores, ainda modestos, para intensificar o tráfego e a produção regional. Com essa intensificação, justificar-se-ão investimentos mais pesados, nos grandes eixos de transporte Norte-Sul, hidroviário e ferroviário, que permitirão, enfim, que se realize a enorme vontade de explodir em riquezas que pulsa no coração da região, esse futuro celeiro nacional.

As alternativas de transporte para a região, à medida em que se comprovam certas possibilidades, vão enriquecendo-se com novas opções. Concluído o novo trecho da Ferrovia Norte-Sul, de Imperatriz a Estreito, reduzir-se-á a parte rodoviária do transporte intermodal, a partir de Xambioá, com o correspondente barateamento do frete total até o porto. Além disso, abre-se a possibilidade de navegação fluvial no médio Tocantins, a partir de Miracema, com transbordo de cargas em Estreito, no Maranhão, seguindo por ferrovia. O próprio sucesso do transporte por hidrovia irá estimular a continuação da Ferrovia Norte-Sul. Por exemplo, pode-se concluir a ponte no Estreito e estendê-la até Xambioá, no Tocantins.

Outras possibilidades ainda se apresentam. O BNDES tem o estudo de um canal lateral para ultrapassar as corredeiras de Santa Isabel, a uma fração do custo de uma hidrelétrica com eclusas, como era contemplado pelo Prodiat. Esse canal, somado à construção da eclusa em Tucuruí, tornaria possível a navegação até Belém.

É com satisfação que constato que o meu Estado do Tocantins está no núcleo desse processo, dessa vontade de crescer, dessa competência de progredir e de avançar. É vasto o potencial agropecuário do Tocantins, são imensas suas possibilidades em termos de aproveitamento de várzeas irrigáveis, de mineração, de energia hidroelétrica, de navegação fluvial.

Um exemplo notável do potencial de riqueza do Tocantins, que poderá florescer, uma vez disponíveis alternativas de escoamento de produção, é o grande projeto de irrigação denominado Projeto Javaés.

O rio Javaés, também chamado de Braço Menor do rio Araguaia, forma a ilha do Bananal pelo seu lado leste. Na margem direita do Javaés, em extensão de 300 quilômetros, correspondente à ilha do Bananal, existem várzeas úmidas, irrigáveis, em largura que varia de 10 a 50 quilômetros, totalizando uma área de 7.500 quilômetros quadrados, área maior que a do Distrito Federal.

Pois essa gigantesca várzea foi objeto de recente estudo, que demonstrou suas enormes possibilidades de produção agrícola. Resultou desse estudo o Projeto Javaés. Nele, estão definidas as áreas mais propícias para investimento em irrigação, na configuração chamada de polders, grandes extensões irrigáveis delimitadas por diques. Os polders são abastecidos de água por seis reservatórios formados a partir da regularização de afluentes da margem direita do Javaés. Cada reservatório e seu conjunto de polders constitui um subprojeto independente, de modo que o grande Projeto Javaés pode ser implantado por etapas.

A escala do projeto é realmente imensa: no total, seriam irrigados 330.00 hectares de polders, capazes de produzir 3,7 milhões de toneladas por ano de grãos, principalmente arroz, mas também milho e soja, num valor anual aproximado de US$200 milhões.

Os estudos de pré-viabilidade demonstraram ser esse um projeto economicamente muito atraente. Os investimentos na produção seriam da iniciativa privada, mas o Poder Público teria que fazer os investimentos iniciais de infra-estrutura, principalmente os associados à viabilização do escoamento da produção. Ora, aí está a hidrovia do Araguaia e o transporte intermodal do Corredor Norte-Sul de Exportação como grande solução para esse escoamento. Trata-se de caso típico do que pode ocorrer de mais positivo na região: os projetos de produção, viabilizando as grandes vias de transporte e, ao mesmo tempo, sendo por elas viabilizados.

O Brasil terá, mais cedo ou mais tarde, seu corredor de transporte, sua espinha dorsal de transporte, articulando o conjunto Centro-Oeste e Norte com o resto do País. A riqueza dessa região irá florescendo, justificando e estimulando as soluções mais ambiciosas. Acredito que, ao final de um processo natural de próspero desenvolvimento, teremos tanto a hidrovia, na sua total extensão, como a ferrovia, também na sua extensão maior.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meu Estado, em minha Região, sabemos que é preciso agir prudentemente, mas não se pode deixar de pensar grande. É fórmula boa também para o resto deste nosso Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/01/1996 - Página 1010