Discurso no Senado Federal

PROTESTOS CONTRA O BLOQUEIO ECONOMICO IMPOSTO PELOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA A CUBA. IMPRESSÕES SOBRE RECENTE VIAGEM AQUELE PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • PROTESTOS CONTRA O BLOQUEIO ECONOMICO IMPOSTO PELOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA A CUBA. IMPRESSÕES SOBRE RECENTE VIAGEM AQUELE PAIS.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Bernardo Cabral, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/1996 - Página 3457
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, VIAGEM, ORADOR, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CONHECIMENTO, PROJETO, AREA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, SAUDE, EDUCAÇÃO, ABERTURA, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, HIPOTESE, ATRASO, NEGOCIAÇÃO, BLOQUEIO, COMERCIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CUBA.
  • SOLICITAÇÃO, CONTINUAÇÃO, ACORDO DE INTERCAMBIO COMERCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, CONTRIBUIÇÃO, PESQUISA, AREA, SAUDE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria eu de ter tido a oportunidade de, após a Ordem do Dia, fazer o meu pronunciamento. Mas sei que isso é inviável. Portanto, aproveito a oportunidade da permuta para uma reflexão sobre as impressões que tive a respeito de uma recente viagem a Cuba.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes gostaria de falar a respeito dos acontecimentos que envolveram a derrubada de dois aviões pela Força Aérea cubana.

Foi estranho, para mim, que Cuba pudesse ter tomado uma decisão precipitada e belicosa, pois fui testemunha do quanto aquele governo e o seu povo estão empenhados e esperançosos nas negociações do afrouxamento do bloqueio.

Fiquei pensando se não seria importante, já que fiz uma visita àquele País, fazer um pronunciamento desta tribuna, dizendo que a organização chamada Irmãos para o Resgate está longe de ser a organização humanitária que o Governo dos Estados Unidos e a comunidade cubana no exílio afirmam ser. Fugiram dos seus objetivos. Já existiam denúncias de que esse grupo planejava ações terroristas, e ele era liderado por um ex-agente da CIA, que fornecia as informações ao FBI e à Guarda Costeira americana.

Em se tratando de ano eleitoral na maior potência econômica do planeta, quando as forças conservadoras ressurgem com expressão renovada, a hipótese bastante provável, na minha análise pessoal, é a de que apenas estava acontecendo naquele momento um vôo desafiador, que tinha como objetivo provocar ou acirrar mais ainda os ânimos, aumentando mais a distância com relação ao bloqueio. Para mim isso ficou claro.

Eu, que vi a manifestação moderada e equilibrada do Itamaraty lamentando o episódio, senti que as decisões do Presidente Clinton de apoiar um projeto que aumentasse as pressões econômicas, que ele antes tinha a intenção de vetar, foram tomadas realmente a partir dessa sustentação que teve nessa provocação feita a Cuba. E o nosso País, na manifestação equilibrada, pôde também dar uma demonstração de que o momento requer uma reflexão e um tempo, para que possamos contribuir nesse episódio não com a nossa ausência, mas com uma política de acabar com esse bloqueio.

Srªs e Srs. Senadores, lamentei o ocorrido, porque lá estive e pude observar com segurança que Cuba tem um excelente resultado na política de entendimento. Tivemos uma recepção na Embaixada do Brasil em Cuba e ali reunida estava a representação de Cuba na ausência de Fidel Castro, que buscava em nós, brasileiros, também um apoio. O apoio político já foi manifestado. Não queremos esse bloqueio, buscamos a harmonia e a paz. Mas eles buscavam sobretudo que pudéssemos respaldá-los numa relação comercial mais estreita.

Visitei várias instituições-modelo de ensino e de saúde, bem como conheci vários projetos na área social. Pude testemunhar excelentes resultados provenientes de uma ação voltada para a qualidade de vida da população.

Sabemos que Cuba é um país pobre, com uma série de limitações territoriais e problemas sérios na questão política. Sabemos que é uma pequena ilha no coração da América Central, infinitamente mais limitada, em todos os sentidos, que o nosso continental País.

Todavia, eu gostaria de ressaltar algumas conquistas sociais que considero de suma importância, estabelecendo até um paralelo entre esse país e o nosso.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me permite um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muita honra, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senadora Benedita da Silva, estive nessa missão, visitando Cuba juntamente com V. Exª e outros companheiros do Senado e da Câmara, e pude avaliar, de perto, a situação desse país no que diz respeito à vontade que tem esse povo de normalizar as suas relações comerciais com todos os países da América do Norte, da América do Sul, enfim, normalizar uma situação que já vem de longos anos, principalmente depois do bloqueio decretado pelos Estados Unidos. Pude sentir que Cuba desejava, como ainda acho que deseja, restabelecer até com os próprios Estados Unidos relações normais, como nós todos temos, como tem, por exemplo, o Brasil com esse país. Cuba, que é um país irmão, latino-americano, mereceria uma oportunidade, a fim de que pudesse integrar-se definitivamente no concerto das nações que compõem o nosso continente. Quero parabenizar V. Exª pelo discurso que faz, acentuando os avanços sociais de que o povo cubano tem sido merecedor por parte da administração desse país. Tenho certeza absoluta, no que diz respeito ao problema político, ao problema institucional, ao problema democrático, como apregoam os defensores de uma abertura política maior por parte de Cuba, de que, se esse bloqueio fosse afastado de uma vez por todas, Cuba teria condições de atender certamente a esse pressuposto para uma vivência democrática normal no país. Mas da forma como os Estados Unidos querem, ou seja, colocar Cuba de joelhos perante a maior potência do mundo, isso seria avançar na soberania de um país irmão. Quero crer que, mais cedo ou mais tarde, esse bloqueio vai ser anulado, vai se tornar sem efeito depois das eleições presidenciais americanas, porque o que existe neste momento, Senadora Benedita da Silva, é muita mise-en-scène, muito palco e muita luz de candidatos à Presidência dos Estados Unidos, que querem vencer as eleições à custa de Cuba. Apóio as preocupações de V. Exª, felicitando-a por essa participação, mais uma vez, consentânea com o pensamento - tenho certeza - daquele grupo parlamentar que foi a Cuba e de lá saiu satisfeito com o que viu.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço o aparte de V. Exª, que sabe tão bem quanto eu dos avanços de Cuba na área da saúde.

Aqui verificamos que, para cada mil habitantes, existem quatro leitos hospitalares; em Cuba existem dez, mais que o dobro. No Brasil, sabemos que, para cada mil habitantes, não chega a haver dois médicos; em Cuba existem seis, mais que o dobro. O sistema de saúde cubano é modelo para o mundo, com atendimento gratuito e de primeira qualidade. Os nossos índices de mortalidade infantil apontam que, para cada mil nascimentos, há setenta óbitos; em Cuba esses números caem para quinze óbitos.

Na área de educação, enquanto convivemos com índices de analfabetismo ao redor dos 20%, segundo dados oficiais, em Cuba esse índice cai para 4% - isto é, quase zero. Para cada dezoito estudantes existe um professor.

Diante dessa situação, quero dizer que nem tudo é uma maravilha em Cuba. Cuba tem problemas políticos, problemas de alcoolismo, de prostituição, inevitável numa ida e vinda, como é a questão, principalmente, do turismo internacional, mas em nada semelhante - é o que eu gostaria de ressaltar, pois também era desinformada a respeito - à imagem veiculada pela imprensa, comprometida, distorcida, de mulheres se oferecendo nas ruas. Tive a oportunidade de ver que Cuba tem dificuldades de transportes, e, ali, senhoras, adolescentes ficam nas ruas e, na medida em que as pessoas vão passando, vão pedindo carona para ir para o seu trabalho ou para a sua casa. Não é uma questão de prostituição, é uma necessidade enorme de se chegar até o trabalho ou até em casa. O transporte é uma das grandes carências de Cuba.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senadora Benedita da Silva, cumpre colocar em relevo no seu discurso dois pontos fundamentais: o primeiro é que V. Exª faz uma análise sociológica de uma ilha que está imprensada por um país poderoso de um lado e o mar do outro; o oceano, com a sua terrível forma de impedir que alguns cheguem, que outros saem, a não ser de forma clandestina. De outro lado, V. Exª demonstra que não é caudatária nem da crítica candente, nem do elogio fácil. O que quero dizer com isso? V. Exª faz o relatório de uma viagem de forma imparcial onde mostra com provas o quanto Cuba conseguiu fazer no aspecto da erradicação do analfabetismo e da saúde. Por outro lado, V. Exª mostra a dificuldade do transporte que leva inclusive as senhoras a pedir carona, assim como demonstra a prostituição que lá existe. Mas aponta para o lado do vizinho; o embargo que o vizinho faz a essa ilha. O que se nota da análise sociológica, filosófica do seu discurso? É uma pessoa madura, que sem nenhum proselitismo traz ao Senado da República, à sua mais alta Casa legislativa, um registro absolutamente condigno, compatível com a atuação de V. Exª nesta Casa. Não quero apenas parabenizá-la, não quero apenas dizer que V. Exª faz um discurso à altura dos seus méritos, que são reconhecidos. Mas devo dizer, e o faço com absoluta sinceridade, que é este tipo de atuação que honra o Senado Federal: aquele que aponta caminhos e indica soluções. V. Exª, nesta tarde, repete o que já vem fazendo com muito brilho na Comissão de Relações Exteriores, de onde sou membro e, portanto, dou o meu depoimento. Quero não apenas solidarizar-me com V. Exª, mas dizer que a Casa a ouve com o respeito que uma Senadora merece.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Obrigada, Senador Bernardo Cabral. Quero dizer a V. Exª que aprendi ali o orgulho que eles têm de serem cubanos. Lembro-me de que estava acompanhada de meu esposo quando passou uma cubana e, pelas características dela, ele brincou: "Você é brasileira?" Ela bateu no peito com muito orgulho e respondeu: "Yo soy cubana".

Na verdade, aquele povo merece de nós todo o apoio. Orgulho-me e sinto-me honrada em saber que o Brasil é amigo de Cuba nas relações internacionais. Tivemos e temos vários acordos e queremos que o Governo Federal dê continuidade aos mesmos.

Portanto, é importante que tenhamos referências de Cuba para trazer a esta tribuna, não apenas de uma Cuba em uma pequena ilha, mas de uma Cuba que dá uma demonstração de resistência e competência, na medida em consegue resolver esses dois setores que considero preponderantes: saúde e educação.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Quero apenas me solidarizar com o conteúdo do pronunciamento de V. Exª. No carnaval de 1993, tive a oportunidade de fazer uma visita a Cuba, convidado pelo governo desse país, e ali permaneci durante aproximadamente uma semana. Tive, sobretudo, a oportunidade de constatar o grande avanço do sistema de saúde. Já tinha informações, já tinha lido a respeito, mas fui lá para ver de perto. É evidente, como V. Exª estava dizendo há pouco, que há uma crise muito grave, imposta, de certa maneira, pelo bloqueio econômico que os Estados Unidos estão fazendo, que tem repercussão sobre outros países. Pude ver, por exemplo, a indústria farmacêutica daquele país fora de funcionamento, por falta de matéria-prima. Eles não podem pôr em prática sua tecnologia, há um grande racionamento de alimentos e combustível - muitas pessoas andam a pé, de bicicleta ou de carona. Enfim, há uma situação muito difícil, mas que se sustentava no carisma do Presidente Fidel Castro, na sua capacidade de liderar seu povo, na sua mensagem, na sua energia, na sua determinação e nesse orgulho de ser cubano, a que V. Exª há pouco se referia. A pergunta de seu esposo foi uma brincadeira, mas uma brincadeira que tem uma razão de ser. A semelhança de comportamento, de atitude, física, inclusive, entre o cubano e o brasileiro é muito grande. A natureza lúdica dos cubanos, a maneira como dançam, como brincam, como se divertem, como se relacionam é uma coisa que chama a atenção. Assim, precisamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance, dentro do relacionamento entre países irmãos, para ajudar aquele povo, para colaborar com o desenvolvimento do país e para cumprirmos com os nossos compromissos, com o nosso acordo. Estou até temendo essa mudança que aconteceu agora na Espanha, que é um grande parceiro de Cuba. Não sei se esse novo governo, que é mais de direita, um governo conservador, irá intimidar-se diante dessas ameaças americanas e retrair-se dos investimentos que vem fazendo em Cuba. Para concluir, Senadora, quero lembrar que o que eles estão fazendo em matéria de turismo é alguma coisa que devemos olhar com atenção, porque o número de turistas que entram anualmente em Cuba vem aumentando consideravelmente, os investimentos estão acontecendo em grande escala. Esse país está procurando alternativas para o seu desenvolvimento, mesmo com o racionamento de alimentos, energia, combustível, etc. Assim, quero associar-me ao pronunciamento de V. Exª, dizendo que esperamos que essas mudanças econômicas que ali estão acontecendo em relação à abertura, de uma certa liberalização da economia, também se acompanhem de mudanças no plano político - sem dúvida alguma, esse país tem que caminhar nessa direção. Enfim, tudo repousa na capacidade de liderança, no carisma que tem o seu grande Líder, o Presidente Fidel Castro.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o seu aparte, Senador Lúcio Alcântara.

Quero dizer que se enganam aqueles que difundem uma imagem de vitória do bloqueio, de rendição, de condenação à pobreza perpétua do povo cubano.

Tive oportunidade de ver, na abertura comercial de Cuba, que hotéis cinco estrelas estão sendo construídos na estação de Varadero, onde estive, e há uma marcante presença do capital espanhol e alemão. A alta tecnologia em engenharia genética vem ocupando posição de destaque no mercado mundial.

Essa abertura ao capital estrangeiro está trazendo para Cuba um novo elã; os cubanos estão percebendo a importância e sentindo que vai dar certo. Lojas como a Benetton estão sendo abertas no shopping center. A França entrega ônibus e aumenta a cooperação comercial. A Companhia Imobiliária é constituída por capital do Principado de Mônaco e estatal cubana. E por aí vai.

Vi também, com muita alegria, que a Souza Cruz instalou ali uma fábrica e, também, um dos grandes empresários brasileiros, Sr. Olacyr de Moraes, passou a desenvolver um projeto de cultura de soja em Cuba. Pastores evangélicos de uma fundação inter-religiosa norte-americana prometem fazer uma grande campanha em 150 cidades dos Estados Unidos contra o bloqueio.

Paralelamente a essa realidade, uma questão me deixa especialmente intrigada. Por que está tão emperrada a relação do Brasil com Cuba na área de saúde? Não é justamente uma das áreas mais desenvolvidas desse país e onde se situa uma das nossas maiores carências? Processos de cooperação técnica e comercial entre Brasil e Cuba poderiam suprir as nossas carências a custos progressivamente mais baixos. E aqui ressalto o caso da vacina contra a meningite C. No ano de 1994, o Brasil beneficiou-se de um acordo comercial que previa a venda desses produtos médicos cubanos numa operação em que parte do pagamento era destinada ao pagamento da dívida que Cuba tem com o Brasil e para compra de produtos brasileiros por parte dos cubanos.

Assim, foram adquiridos US$30 milhões em uma relação de 35 medicamentos de alta necessidade, 30,5% mais baratos que os oferecidos em concorrências ao Ministério da Saúde. E esse acordo provocou uma "invasão" de frangos brasileiros em Cuba, entre outros produtos.

Talvez para nós não tenha grande importância, mas para Cuba proporcionou o pagamento de parte de sua dívida com o Brasil e a possibilidade de alimentar melhor os cubanos. Sabemos da dificuldade que Cuba tem no setor alimentício com relação a carnes.

Apesar do sucesso dessa operação, reconhecido por ambas as partes, tanto pela qualidade dos produtos como pelos aspectos comerciais, apesar de o Itamaraty, Banco do Brasil, CEME e Ministério da Saúde do Brasil terem, em diversas ocasiões, manifestado interesse em novas compras, desde o final de 1994, não se concretizaram novos negócios.

Por isso venho a esta tribuna fazer um apelo no sentido de que não haja nenhum viés ideológico na relação comercial entre Brasil e Cuba, porque esse país certamente tem os melhores produtos e realiza as melhores e maiores pesquisas na área de saúde, servindo a vários países.

Pena que eu não tenha tempo suficiente para continuar meu pronunciamento, mas retornarei a esta tribuna para falar da importância dessa ponte para o povo brasileiro e o povo cubano. Através de acordos comerciais poderemos trazer aos brasileiros os medicamentos e levar à mesa dos cubanos mais alimentos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/1996 - Página 3457