Discurso no Senado Federal

DEBATE DA PROPOSTA EM ANDAMENTO NO CONGRESSO NACIONAL, REFERENTE A DESCRIMINAÇÃO DO USO DA MACONHA.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • DEBATE DA PROPOSTA EM ANDAMENTO NO CONGRESSO NACIONAL, REFERENTE A DESCRIMINAÇÃO DO USO DA MACONHA.
Aparteantes
Pedro Simon, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/1996 - Página 3329
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • NECESSIDADE, INFORMAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, DISCUSSÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, DROGA.
  • OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, DROGA, ANALISE, EFEITO, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, JUVENTUDE.
  • NECESSIDADE, PEDAGOGIA, PREVENÇÃO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REPRESSÃO, TRAFICO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DEBATE, DROGA.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vive a Nação um momento de intensos debates: Projeto SIVAM, reforma da Previdência Social, Lei de Patentes - que foi votada ontem -, e drogas. É sobre drogas que desejo manifestar-me, em particular em face da proposta, em andamento no Congresso Nacional, de descriminação do uso da maconha.

Vozes se levantam. Ideologias e visões de mundo são expostas. Autoridades, pais de família, jovens e especialistas expressam suas opiniões e convicções.

Há argumentos contra a descriminação. Há argumentos a favor. Há os que são contra, com fundamento na dura experiência de eventos que machucaram profunda e cruelmente, e existem os que são a favor, tecendo louvores à liberdade pessoal e ao livre arbítrio nas opções. E há os que afirmam que, hoje, "droga é normal".

Estou convicto da gravidade da questão das drogas e também da necessidade de enfrentamento desse problema por meio de informação, de diálogo e de análises objetivas que levem em conta o público e as conseqüências que o consumo cria para as pessoas, as famílias e a sociedade.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Valmir Campelo, V. Exª me permite um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO -Ouço, com muito prazer, V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Creio até que estou sendo um pouco inoportuno.

O SR. VALMIR CAMPELO - Absolutamente!

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª mal inicia o seu pronunciamento e já quero aproveitar esta oportunidade para cumprimentá-lo. Peço desculpas a V. Exª, mas devo tomar um avião daqui a pouco. Ainda ontem, eu pensava e meditava muito sobre o tema que V. Exª está abordando. Realmente, esse assunto está causando preocupações às famílias brasileiras e do mundo inteiro. O problema das drogas está disseminado no mundo, e o Brasil, como um País emergente, um País de jovens, precisa realmente discutir esse assunto e lutar para encontrar meios de salvar a nossa juventude e as nossas famílias. Nem sei em que direção V. Exª está levando o seu discurso, mas permita-me apenas cumprimentá-lo por trazer esse assunto a debate no Senado da República. Isso sim é importante. Não há nada mais importante na vida de um cidadão do que a sua família; não há nada mais importante na nossa vida do que os nossos filhos. E hoje são poucas as famílias brasileiras que não têm um triste e lamentável problema referente a alguém que esteja envolvido, como viciado, traficante ou de qualquer outra forma, com o problema das drogas. Quero manifestar logo o meu ponto de vista - não sei se o farei na direção do de V. Exª. Causa-me espécie perceber que, quando esse assunto está sendo debatido, há segmentos da sociedade brasileira que querem inclusive a liberação daquilo que precisamos combater. Pedi um aparte para cumprimentar V. Exª e para já deixar firmado o meu ponto de vista, que é contrário à liberação do uso de drogas neste País. Avalio que temos de adotar medidas sérias para que esse problema seja contido, e não alastrado, como vemos acontecer hoje no Brasil. Estou de regresso ao meu Estado, Senador Valmir Campelo, mas V. Exª terá o galardão de ter iniciado aqui, no Senado da República, esse debate. Quero ser parceiro de V. Exª na luta para que essa questão seja realmente combatida com eficiência no nosso País, porque tenho certeza de que estaremos todos, se assim procedermos, contribuindo para uma Pátria melhor e para uma boa qualidade de vida aos nossos filhos. Muito obrigado pela atenção de V. Exª e por me ter permitido este aparte, quando mal iniciou o seu pronunciamento.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço as palavras de V. Exª.

Fico muito feliz porque o pronunciamento que estou iniciando está exatamente na linha do pensamento de V. Exª. Trata-se de mais uma coincidência saudável.

O Sr Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço, com prazer, o nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Assim como o meu querido Senador de Mato Grosso, pegarei em breve um avião para Porto Alegre. Estamos aqui por causa da Ordem do Dia, mas já sabemos que não haverá votação. Esta sessão está sendo realizada apenas para que conte prazo para a emenda constitucional. Quero, no entanto, felicitar V. Exª por abrir o debate a respeito dessa matéria. Não há nenhuma dúvida de que a única coisa que não pode acontecer é o Congresso não discutir essa matéria; não se justifica o Congresso Nacional não debater um problema que é palpitante no seio da sociedade. O mundo inteiro está discutindo a respeito das drogas. No Brasil, todos os segmentos da sociedade estão discutindo esse assunto e posicionando-se a favor ou contra. A Primeira-Dama manifestou-se de forma interrogativa, mas temos que discutir o problema. V. Exª está sendo extraordinariamente oportuno. Não há lógica, não há explicação para o fato de, até agora, não termos debatido essa matéria. Vamos ter coragem de debatê-la, vamos analisá-la, vamos ouvir as várias propostas. Há quem diga, por exemplo, que não se pode dar o mesmo tratamento ao viciado e ao traficante, tese com a qual concordo. Há os que dizem: "Vamos liberar o viciado". Mas há outros que dizem: "Liberar, não. Por que não fazer com que ele tenha uma espécie de reeducação, de reformação?" Colocar um viciado na prisão talvez não seja a solução, mas reeducá-lo e reestudá-lo pode ser um caminho. Não sei. Estou apenas argumentando. Temos que ter a coragem de discutir - e V. Exª inicia esse debate. Felicito V. Exª do fundo do coração. Espero que V. Exª seja o primeiro a iniciar um longo debate, tão sério e tão profundo quanto é séria e profunda a crise na mocidade brasileira. Manifesto a minha profunda admiração a V. Exª pelo importante pronunciamento que faz nesta manhã.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. Fico muito feliz com suas palavras. Realmente estamos abrindo esse debate, que é muito importante para toda a sociedade brasileira.

Continuando, Sr. Presidente, por análises objetivas, entendo desde o estudo laboratorial dos elementos que constituem cada uma das drogas, os efeitos físicos e psicológicos que provocam no organismo humano, na família e na sociedade, até a análise das razões que conduzem as pessoas a se drogarem. No que se refere ao público, é de extrema gravidade o fato de que é constituído predominantemente de jovens, em particular de adolescentes. Trata-se, portanto, da força exuberante e aberta à criatividade do amanhã. Invada-se essa abertura da alma jovem com vício - e os mercenários dos ganhos fáceis conhecem e sabem fazê-lo -, substitua-se a exuberância da sua criatividade pelo vazio de valores e ter-se-á uma visão prévia do que será a Nação do futuro.

Dizem que entre os atenienses o ser moço "valia uma casa cheia de ouro": não se trocaria "por todas as riquezas asiáticas". Respeitava-se profundamente os jovens: não se permitiria que "um infeliz" nublasse a "alegre juventude", como escreveu Rui Barbosa em 1879. Conheciam os atenienses o valor da juventude para o amanhã da pátria.

Preocupam-se com isso os que se dizem favoráveis à descriminação da maconha?

Que futuro vislumbram para os jovens, para suas famílias e para a nação?

Afirmam os adeptos da descriminação que a maconha não tem a nocividade das outras formas de tóxico, especialmente as denominadas drogas pesadas. De acordo com o conhecimento hoje disponível, no entanto, confirma-se que a "maconha possui uma ampla gama de efeitos biológicos e psicológicos, alguns dos quais danosos à saúde humana".

O Instituto de Medicina e a Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos manifestaram-se também nesse mesmo sentido. Pesquisas feitas pela Academia Nacional de Ciências daquele país e pela Fundação de Pesquisa do Vício, do Canadá, sob o patrocínio da Organização Mundial de Saúde, estabeleceram as seguintes conclusões: "Entre os efeitos crônicos conhecidos ou suspeitos do uso da maconha estão:

- bloqueio da memória, a curto prazo, e aprendizado mais lento;

- impedimento da função pulmonar semelhante ao encontrado nos fumantes de tabaco. Há indicação de que efeitos mais graves podem surgir após o uso prolongado;

- diminuição da contagem espermática e do movimento dos espermatozóides;

- interferência na ovulação e desenvolvimento pré-natal;

- possíveis efeitos adversos na função coronariana;

- subprodutos da maconha permanecem no tecido adiposo por diversas semanas, com conseqüências desconhecidas. O armazenamento desses subprodutos aumenta as possibilidades de efeitos crônicos, bem como de efeitos residuais no desempenho, mesmo após ter sido enfraquecida a reação aguda ao tóxico.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "não existem mais drogas inocentes" - afirma o Sr. Ricardo Feix, do Centro de Dependentes Químicos do Hospital Parque Belém, de Porto Alegre. "Todas elas vêm-se aperfeiçoando para atender o mercado representado pelos dependentes".

Hoje, dispõe-se até mesmo da maconha geneticamente modificada e contrabandeada para o Brasil e para o mundo inteiro. Essa variedade concentra e potencializa o denominado THC (tetra-hidro-canabinol), principal princípio ativo da erva, em até vinte vezes, ampliando consideravelmente os efeitos alucinógenos da droga, podendo estendê-los por dias e até meses após o consumo.

Em tais condições, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é impossível negar a nocividade da maconha. Por isso, qualquer discurso permissivo sobre essa questão é absolutamente inadmissível. Entregar-se à maconha é colocar em risco a saúde física, a saúde psíquica, além de abrir caminho para as drogas mais pesadas. Sabem muito bem disso os pais que viveram ou que vivem a tragédia do filho ou da filha viciados!

Especialistas há que afirmam ser a nossa uma cultura tóxica. Essa cultura deu à droga proporções globais. A droga, em nossos dias, não mais está ligada a indivíduos prisioneiros da toxicomania, no fim da aventura pessoal de viver. A droga assumiu dimensão social, caracterizando-se como patologia da sociedade inteira. Não está mais reservada a alguns estetas que nela se refugiam em nome da arte, nem é oferecida apenas a pessoas portadoras de perturbações psíquicas. Está em todos os lugares, penetra em todas as camadas sociais, invade escolas, salões de festa, clubes, residências e locais públicos, convidando para "viagens" para fora de um mundo implacável que já não acredita na vida, sem distinção de situação econômica, social, sexual e de idade.

Nessas circunstâncias, os primeiros atingidos são os jovens, cuja vulnerabilidade é diretamente proporcional à sua sensibilidade ferida. A mocidade, solicitada pelo ambiente, onde a droga circula sem restrições, sedenta de experiências novas, em um mundo que exaure sem pena toda a sua sensibilidade, é obrigada a enfrentá-la em todo lugar, em uma idade na qual dificilmente é capaz de posicionamentos existenciais definitivos.

O momento presente de nossa história é rigoroso para com os mais novos. Diante deste momento e do futuro, "muitos jovens têm medo de sua juventude e de tudo aquilo que ela significa em termos de felicidade, de verdade, de beleza", escreveu Oliviero Rossi, ex-Embaixador da Itália no Brasil, no Correio Braziliense de 19 de agosto de 1994. Turbam-se perante a injustiça, sentem-se ameaçados pelo desemprego ou pelo trabalho inadequado e pela falta de perspectivas. "E tudo isso - continuava Rossi - os leva a sentirem-se desiludidos, angustiados, frustrados, a pensarem que a vida é pobre de significado. É assim que alguns desses jovens fogem das responsabilidades, refugiando-se nos mundos ilusórios do álcool e da droga, na indiferença, no cinismo e na violência.

Diante dessa realidade, Sr. Presidente, a família, a sociedade e o Estado não podem dar caminho a uma sensação de derrota. Devem, sim, envidar todos os esforços para concretizar uma pedagogia de prevenção, inclusive com medidas restritivas, porque se trata de proteger a sobrevivência. Formação e educação não acontecem sem referenciais e sem tomadas de decisão.

A imprensa do País - em especial, menciono as reportagens do Correio Braziliense publicadas durante os meses de janeiro e fevereiro do ano em curso - vem-se ocupando quase que constantemente do tema, registrando opiniões, debates, experiências e resultados. Em todas essas reportagens, encontram-se depoimentos extremamente sérios, de pessoas atingidas na própria carne pelo flagelo da droga. Hoje, "não vivemos apenas crise política, econômica e social. Vivemos uma crise de valores da vida" - afirmou a Srª Maria Abadia, mãe de uma filha morta por overdose. Vencer essa crise é tarefa de toda a sociedade e do Estado.

Ademais, o Brasil começa a ser tachado no exterior de "paraíso de lavagem do dinheiro sujo do narcotráfico", exatamente em função da extrema liberalidade da nossa legislação antidrogas.

O próprio Comitê Internacional de Controle de Narcotráficos, órgão ligado à Organização das Nações Unidas, faz um veemente apelo ao Governo Brasileiro no seu último relatório pedindo ao País que "desenvolva, adote e implemente o mais rapidamente possível" uma legislação mais adequada, mais rígida e mais eficaz para impedir a lavagem do dinheiro sujo e coibir o tráfico e a abuso de drogas.

Péricles criou a sua Atenas com o entusiasmo sagrado de uma mocidade cheia de ideais, forte e obediente. Entre os atenienses, corrompiam-se os adultos. Na sociedade moderna da cultura tóxica, corrompe-se a juventude, interferindo e pondo em risco a própria existência da nação.

A droga é realmente uma droga, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo que não pareça ou não queira ser droga.

Por essas razões, posiciono-me contra a descriminação do uso da maconha.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/1996 - Página 3329