Discurso no Senado Federal

MOROSIDADE DO MINISTERIO DA SAUDE NA AQUISIÇÃO DE VACINAS CONTRA A HEPATITE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • MOROSIDADE DO MINISTERIO DA SAUDE NA AQUISIÇÃO DE VACINAS CONTRA A HEPATITE.
Aparteantes
Humberto Lucena, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/1996 - Página 4023
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, SUSPENSÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PROCESSO, AQUISIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VACINA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, ANALISE, SITUAÇÃO, DOENÇA, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, SUSPENSÃO, UTILIZAÇÃO, ACORDO DE INTERCAMBIO COMERCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, AQUISIÇÃO, MEDICAMENTOS, BENEFICIO, RECEBIMENTO, DIVIDA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Revista IstoÉ recentemente noticiou que o Ministro da Saúde, Adib Jatene, sustou um processo de compra de 20 milhões de doses de vacinas contra a hepatite B, por conta de denúncias de superfaturamento na concorrência.

O Brasil ainda não produz essa vacina, embora o Instituto Butantã tenha a intenção de dar início à produção, ainda no segundo semestre deste ano. Mas infelizmente por enquanto a vacina contra hepatite está fora dos postos de saúde do Brasil. Só aquelas pessoas que recorrem às clínicas particulares e dispõem de US$30 para pagar a dose são imunizadas.

A hepatite B, virótica, é transmitida através do sangue contaminado, contato sexual, transfusões, secreções, seringas e mosquitos infectados. Ela causa fibrose hepática, com evolução aguda e morte. A médio e longo prazo, provoca o câncer hepático.

Estima-se que somente no Norte e Nordeste do País cerca de 10% da população é portadora do vírus dessa terrível doença, cujo perigo de transmissão - vale frisar - é maior do que o do vírus da AIDS. A hepatite B é considerada a principal causa de câncer no fígado, no mundo, atacando quase sempre de maneira silenciosa. A pessoa infectada pode não apresentar sintomas e, sem saber, passa a contribuir para espalhar essa doença, que se dissemina com mais facilidade do que a AIDS. No Brasil, o número de infectados com o vírus da hepatite B é de aproximadamente 750 mil pessoas, número quase dez vezes maior do que o de casos notificados de AIDS, que é de 76.396.

Todavia, enquanto a vacina contra AIDS ainda é uma expectativa, uma busca, uma esperança, a vacina contra hepatite B é uma realidade. Inúmeros países - alguns inclusive do chamado terceiro mundo, como : Peru, Venezuela e Túnis - já utilizam essa vacina, produzida por Cuba e pela Bélgica, em seus programas de saúde, com fantásticos resultados obtidos em termos de saúde pública preventiva.

Segundo a Revista IstoÉ, no ano passado, a vacina contra hepatite B fez parte do programa de multivacinação, do Ministério da Saúde, para a Região Norte, para o Estado de Santa Catarina e Espírito Santo, onde havia grande número de casos notificados. Mas, em dezembro de 1995, o Ministro da Saúde, Adib Jatene, sustou, como já me referi, o processo licitatório. Consta que a Coréia do Sul oferecia o produto por US$1,5, enquanto Belgas e Cubanos, cotados para atender o pedido, cobravam entre US$3 e US$4.

Gostaria da atenção dos Srs. Senadores.

Entendo que é urgente a necessidade de que estes fatos sejam esclarecidos, porque enquanto susta-se uma compra dessa natureza, milhares de brasileiros estão morrendo e infectando outros milhares. Por isso, estou encaminhando requerimento de informações ao Ministério da Saúde para que possamos obter dados concretos e reais sobre essa questão.

Na matéria da revista a que me referi, é feita alusão à existência de empresa sul-coreana, que tem possibilidade de fornecimento das vacinas por preço inferior ao da proposta vencedora. E eu pergunto, no requerimento: esta empresa comunicou-se oficialmente com o Ministério antes ou durante o desenvolvimento do processo licitatório?

Qual o teor desta comunicação?

Por que a empresa não apresentou proposta nos prazos exigidos pelo edital de licitação?

O que, realmente, motivou a anulação da licitação em curso?

Houve percepção de alguma irregularidade no decorrer do processo?

Quais as ações adotadas pelo Ministério da Saúde como decorrência da anulação do processo?

E quais as conseqüências do adiamento da aquisição e aplicação da vacina contra hepatite B frente ao quadro da doença no Brasil?

Estas são questões importantes a serem esclarecidas para que o Senado possa estar a par dos motivos que levaram o Ministério da Saúde a sustar a compra das 20 milhões de doses, enquanto as pessoas estão se infectando e morrendo com o vírus.

Os nossos centros de pesquisa respondem por apenas 40% do total de doses necessárias para imunizar a população brasileira com as 13 vacinas que fazem parte do Programa Nacional de Imunização. Para o controle da poliomielite são necessárias 73 milhões de doses da vacina, mas produzimos apenas 9 milhões; para o controle do tétano, precisamos de 16 milhões de doses, mas produzimos apenas 5,5 milhões; para o controle da tuberculose necessitamos de 25 milhões, mas produzimos somente 18 milhões; e assim por diante. Enfim, a demanda é de 240 milhões, mas produzimos apenas 100 milhões de vacinas por ano.

Paralelamente a essa realidade, uma questão me deixa especialmente intrigada. Por que está tão emperrada a relação Brasil/Cuba na área da saúde? Projetos e produtos cubanos na área da medicina e da veterinária são um campo privilegiado para o desenvolvimento de processos de cooperação técnica e comercial entre os dois países.

De um lado, porque nossas carências nesta área são fantásticas. De outro, porque Cuba desenvolveu alta tecnologia no setor, o que nos permitiria adquirir medicamentos e insumos de qualidade internacionalmente comprovada, e muitas vezes único no mundo, como é o caso da vacina antimeningocócica "B" e "C".

O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo-lhe, com muita honra, o aparte, nobre Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Congratulo-me com o oportuno discurso de V. Exª, que versa matéria da maior importância para a saúde pública. Quero dar a V. Exª um testemunho bastante enfático: a minha filha mais nova teve hepatite "B" e, essa hepatite, maltratada, tornou-se crônica. E ela, que esteve quase que ameaçada de morte, salvou-se graças à competência do Professor Dr. Silvano Raia, de São Paulo, que V. Exª conhece, que, inclusive, cuida de transplantes de fígado, e que conseguiu fazer um tratamento especializado, que praticamente a curou. Mas conheço pessoas de mais idade que também tiveram a hepatite "B" transformada em crônica e não obtiveram o mesmo resultado justamente porque o organismo não contribuiu. Então, considero de toda propriedade o pronunciamento de V. Exª e a sua preocupação com o problema. Vamos aguardar, com ansiedade, as informações do Sr. Ministro da Saúde a respeito dessa questão da vacina.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª.

Já tive oportunidade de colocar, desta tribuna, a necessidade de se discutir melhor a questão da distribuição e da licitação de medicamentos. Na oportunidade, coloquei o caso de Cuba, que mantém relações comerciais com o Brasil e que tem a melhor vacina, inclusive usada em vários países e com sucesso. Não entendo o porquê desse emperramento com relação a essa negociação.

Os cubanos são os únicos produtores dessa vacina no mundo, e temos sido vítimas de sucessivos surtos de meningite em nosso País.

Neste momento, mesmo a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e a Estadual também manifestam seu interesse na aquisição dessa vacina, sem receberem, até agora, nenhuma resposta do Ministério da Saúde. Não vejo explicação lógica para isso, porque no ano de 1994, o Brasil pôde beneficiar-se do acordo comercial, como já disse, existente entre os dois países, que previa a venda dos produtos médicos cubanos, numa operação em que parte do pagamento era destinado à quitação da dívida cubana com o Brasil e para a compra de produtos brasileiros por parte dos cubanos.

Assim, foram adquiridos US$30 milhões, em uma relação de 35 medicamentos de alta necessidade, 30,5% mais baratos que os oferecidos em concorrências ao Ministério da Saúde.

Além disso, 10% do montante destinou-se ao pagamento da dívida cubana para com o Brasil e 40% à compra de produtos brasileiros por parte dos cubanos.

Apesar do sucesso dessa operação, reconhecido por ambas as partes, tanto pela qualidade dos produtos quanto pelos aspectos comerciais, apesar de o Itamaraty, Banco do Brasil, Ceme e Ministério da Saúde e os brasileiros terem, em diversas ocasiões, manifestado interesse em novas compras, desde o final de 1994 não se concretizam novos negócios com base nesse acordo. No entanto, ele permanece em vigor.

Então, tenho que fazer essas perguntas ao nosso Ministro da Saúde.

A ponte comercial existe e beneficia brasileiros e cubanos, permitindo o acordo, inclusive a compra direta, o que iria baratear a aquisição. Mas não está sendo aproveitada. É preocupante que não nos beneficiemos de um acordo comercial legítimo, e em vigor, para adquirirmos medicamentos de suma importância a preços mais acessíveis, para atender às necessidades urgentes da nossa população.

Quero assegurar que não estou aqui a serviço de qualquer laboratório ou qualquer lobby; estou aqui com a consciência de cidadã brasileira que conhece de perto a necessidade do Brasil nessa área, além de ser sabedora, através da revista ISTOÉ, de que há, por parte do Governo, no Ministério da Saúde, morosidade nesse processo.

Estou aqui, portanto, para buscar a verdade sobre os fatos, e não apenas deixar que venham à tona a questão do superfaturamento e que empresas que não estejam realmente gabaritadas a ganharem as licitações ganhem e fiquem prejudicados países que já nos demonstraram que têm eficácia na produção, como é o caso de Cuba.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte ao Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senadora Benedita da Silva, o tema que V. Exª aborda é atual. Realmente estamos enfrentando dificuldades na aquisição dessas vacinas. Se a Organização Pan-americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde admitem, muitas vezes, intermediar essas compras, isto é, fazerem as compras e repassarem as vacinas, evidentemente que o ônus financeiro é para os Estados-Membros. Isso só é possível quando se trata de pequenos países - pelo menos foi a informação que colhi no Ministério da Saúde. Quando se trata de países da dimensão do Brasil, os laboratórios produtores dessas vacinas e as próprias organizações internacionais não desejam, não querem fazer essa intermediação; os laboratórios querem fazer a vinda diretamente a esses países. Como são poucos os laboratórios produtores dessas vacinas, eles se organizam e começam a praticar preços extorsivos ou acima do que seria razoável. O Ministro Adib Jatene determinou a coleta de informações em todos os preços praticados por organizações internacionais, por diferentes laboratórios, por países, e assim por diante, para chegar a uma conclusão a esse respeito. A lição que podemos tirar de tudo isso é a seguinte: o Brasil tem que perseguir a auto-suficiência na produção de vacinas. Pela dimensão do nosso País, pelo tamanho da nossa sua população, temos que pegar a Fundação Instituto Osvaldo Cruz, o Instituto Butantã e outras instituições de prestígio e de grande qualificação científica para produzir as vacinas para o consumo interno. Infelizmente, ainda existem alguns tipos de vacinas que não produzimos aqui. Quanto a Cuba - lá estive fazendo uma visita a vários laboratórios -, V. Exª tem toda razão: tem uma tecnologia desenvolvida. É perfeitamente possível um convênio de cooperação. O Presidente Itamar Franco, na época, criou um grupo especial para aquisição de medicamentos em Cuba que terminou não dando em nada, não houve compra alguma. Quer dizer, esse convênio é letra morta, infelizmente. É evidente que os lobbies se levantaram para impedir o negócio com Cuba, porque há interesses de multinacionais, de grandes empresas, de grandes produtores que não têm desejo algum de que essas negociações, governo a governo, se concretizem. O governo cubano, inclusive, fazia o escambo na época em que estive lá - não sei se ainda mantém a mesma proposta - fazia troca, dava a vacina, dava remédios em troca de alimentos, por exemplo, frango e outros tipos de gêneros. Então, não sei o que existe para que essas coisas não se concretizem; fala-se, pede-se, reclama-se, constituem-se grupos de trabalho e até agora nada. O pronunciamento de V. Exª é perfeitamente cabível. Estou seguro de que o Ministro Adib Jatene quer fazer a coisa com a maior lisura possível, mas as dificuldades são enormes. Realmente, o número de produtores é pequeno: eles se juntam, elevam os preços e ficamos presos a isso. Temos que investir de maneira determinada na auto-suficiência da produção de vacinas.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, que teve a oportunidade, como eu, de conhecer o trabalho que Cuba vem desenvolvendo com o Brasil nessa área.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Nobre Senadora Benedita da Silva, V. Exª dispõe de dois minutos para concluir seu pronunciamento.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Lamento não poder conceder-lhe o aparte, pois o tempo não me permite.

Com relação ao aparte do Senador Lúcio Alcântara, gostaria de dizer que falei exatamente sobre isso, sobre esse emperramento, já que Cuba quer pagar a dívida que tem com o Brasil e quer comprar alimentos, para sustentar os cubanos.

Não vejo por que essa dificuldade que está existindo. Não podemos, de forma alguma, aceitar pressão do ponto de vista ideológico.

Quero ainda voltar a esta tribuna, porque estou reunindo informações, esperando, também, que o Ministro da Saúde possa responder o requerimento de informação que fiz.

Tenho também outras informações com relação a empresas que deram preços bem abaixo - apenas para ganhar - e que sequer estão credenciadas como possuindo laboratórios. Ou seja, o produto será adquirido de terceiros, pois não têm condições de viabilizá-lo no tempo e na quantidade determinada na proposta do acordo com o Ministério da Saúde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/1996 - Página 4023