Discurso no Senado Federal

DIA INTERNACIONAL DA MULHER. REFLEXÕES SOBRE A LUTA DAS MULHERES NA SOCIEDADE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • DIA INTERNACIONAL DA MULHER. REFLEXÕES SOBRE A LUTA DAS MULHERES NA SOCIEDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/1996 - Página 3840
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) -

"E CRIOU DEUS O HOMEM À SUA IMAGEM; CRIOU-O À IMAGEM DE DEUS, E CRIOU-OS VARÃO E FÊMEA."

GÊNESIS - 27

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mulheres do meu País, mulheres da minha história, mulheres de todo o mundo,

"Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um só tempo, juiz e parte". Esse pensamento filosófico é coerente e verdadeiro, pois no mais longínquo tempo da humanidade, inventou-se a mais sofisticada das opressões: a do homem sobre a mulher.

Tão antigas são as origens dessa opressão, que um outro pensamento, do filósofo grego Pitágoras, retrata essa inteligente barbárie, dizendo: "Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem; e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher."

Durante muito tempo a mulher esteve no mundo não para si, mas para o homem. Essa situação de servidão, injusta e desigual - que infelizmente ainda hoje se verifica - é inaceitável. Isto porque toda a desigualdade, toda a diferenciação, que não está sustentada na identidade, é falsa. somente a partir do idêntico na essência, a diferença se faz legítima. Jesus, o Cristo, em sua infinita sabedoria, sempre ensinou que somos todos irmãos. E em suas peregrinações jamais distinguiu em razão de sexo. Acolhia, igualmente, as mulheres, com o mesmo respeito e dedicação que oferecia aos homens que o buscavam.

Nobres parlamentares, o homem foi desde sempre respeitado em sua condição humana. A mulher, infelizmente, ainda hoje, não é vista e respeitada em sua condição humana. Fatalmente, é vista pelo ângulo da sexualidade, como um objeto a ser alcançado, possuído, dominado. Dentro dessa linha de pensamento, até naquela relação que deveria ser a mais pura entre os seres humanos - que é a relação de amor entre uma mulher e um homem - existe uma disposição de dominação, baseada no falso pressuposto de superioridades e inferioridades dos sexos. Porém, a igualdade é o pressuposto do amor verdadeiro. O verdadeiro amor iguala, sempre! e por isso faz do ser amado alguém ainda mais livre. O verdadeiro sentimento do amor, em essência, é livre, e por isso mesmo inexigível!

No entanto, a grande questão da libertação da mulher não se define como um conflito com o homem. Define-se como um processo social, histórico e cultural, de formação de uma nova consciência. Nas relações humanas, essencialmente dialéticas, não se produz modificação em uma das partes da relação sem que aconteça uma transformação na outra. Significa que, na medida em que a mulher alcança sua liberdade e se torna uma expressão livre da sua personalidade, nessa medida, opera-se no homem uma modificação frutuosa, no rumo de uma concretização mais humana da personalidade masculina.

O homem tiranizou a mulher, alienou-a, isolou-a da luta social, da cultura e da história. E eu, como mulher que venci inúmeros obstáculos, para me fazer vez e voz, afirmo: essa situação durou demais! Demais para nós, mulheres, e demais para o homem, porque não há quem escravize sem escravizar-se a si mesmo. A opressão sobre a mulher desenvolveu no homem uma prisão de limitação e desconforto ético, da qual ele só se libertará, verdadeiramente, na medida em que reconhecer e contribuir para a igualdade entre os sexos.

Busquemo-nos, pois, todos, instante por instante, homens e mulheres, entre caminhos e descaminhos, erros e acertos, já que somos seres imperfeitos! Busquemo-nos, porque esta busca, a cada instante renascida, é a verdadeira instância do existir humano.

Srªs e Srs. Parlamentares, não chegaremos à plenitude da dignidade feminina, não alcançaremos a plenitude da dignidade masculina, somente através da lei. Digo isso no sentido de que a lei produz relações e igualações formais, embora a busca da isonomia legal seja um dos capítulos mais importantes e significativos da nossa sacrificada luta em busca do respeito, do reconhecimento, da liberdade, do lugar que nós é devido. Todavia, é na concretude da vida, nas relações, no pensar e no agir que a igualdade, verdadeiramente, deverá realizar-se.

É nas relações entre os neurônios, onde elaboramos os pensamentos, as ideologias; é na qualidade dos argumentos que geram a nossa consciência; é onde habita o espírito, é na chama ardente do coração; é dentro do nosso ser, onde a consciência clama pela realização de uma sociedade igualitária, pelo fim das injustiças, das idéias obscuras encravadas na sociedade; é onde a cultura coloca, sem autocríticas, formas de viver, de pensar, formas de ser belo, formas do que é feio; é na raiz mais profunda, onde pensamos e sentimos, que teremos de encontrar essa igualdade, para que ela possa fluir cristalinamente para o mundo e para as gerações futuras.

Sr. Presidente, a emoção dessas palavras é o testemunho de uma mulher negra que experimentou e tem consciência da perversidade das desigualdades e opressões. Uma mulher, cujo sofrimento, fé e luta desabrocharam em cálidas rosas, em vívidas esperanças.

Estamos no limiar do ano 2000 e desejo manifestar minha firme convicção de que, a partir das isonomias formais que conquistamos, com o reconhecimento da mulher como cidadã, e acima de tudo, a partir da nossa prática iremos, num futuro bem próximo, esmagar todas as opressões possíveis, porque acredito que o movimento de mulheres é o início de uma possibilidade luminosa: a de um regime social e político cuja base de relações não seja o sistema de poder opressor que aí está!

No limiar do século 21, mulher brasileira, trabalha pela tua pátria, a tua sofrida pátria! Luta por ela com uma lucidez e uma perseverança, cuja força seja capaz de ultrapassar todos os obstáculos e, assim, conduzi-la ao seu verdadeiro lugar no mundo. Nunca nos justificaremos, nem ao ser amado, nem aos nossos filhos, senão pela construção das gerações futuras. o fundamento da humanidade é aquilo que ela está construindo, e construindo seu futuro, constrói a si mesma.

No limiar de uma nova era, vamos nós, mulheres brasileiras, despertar em todos os corações um sentimento de participação comunitária! Que na formação das nossas leis, na esfera do trabalho, na educação, na criação de princípios, que pela força de nosso número e de nossas lutas, tenhamos uma capacidade sempre renovada de enfrentar e transpor quaisquer desafios!

Vamos buscar um sentimento comunitário que venha de todos os brasileiros, homens e mulheres. Ouçamos, de todos de todos os recantos da nossa pátria, a voz do nosso povo sofrido! O signo mais expressivo da opressão feminina está na mulher pobre trabalhadora, na sua exploração absurda, com seu salário desigual, suas jornadas massacrantes de trabalho, seus deveres com o lar e os filhos, responsabilidades cujo peso, solitariamente assumido, só é suportável quando compartilhado!

É relevante notar: as leis já realizaram, até certo ponto, a igualdade. Não obstante, o sistema capitalista e seu modo de organização do trabalho, incidindo criminosamente sobre a mulher, prossegue em sua sanha exploratória. É preciso fazermos valer a nossa constituição, que acaba com a possibilidade da desigualdade. Permaneceremos lutando, sempre, por essa igualdade de fato. para que ela sirva como estrutura de uma identidade nacional, onde nossa diferença de sexo torne-se apenas e profundamente uma abertura existencial.

Queremos existir inteiras, fortes, audazes, competentes, capazes, participantes, não tomando o lugar de alguém, mas ocupando o nosso próprio espaço. queremos andar de cabeça erguida, escolhendo, participando das decisões políticas e sociais. queremos ser livres e participar da luta para tornar esse mundo um lugar melhor de se viver.

Um dia, juntos, seremos livres. Mulheres e homens; homens e mulheres! Livres para conhecer, para trabalhar, para amar. um dia, vamos começar a ser verdadeiramente iguais e tornar a fraternidade um sonho possível!

Muito obrigada!

Outro assunto me traz à tribuna, Sr. Presidente,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/1996 - Página 3840