Discurso no Senado Federal

AVALIAÇÃO HISTORICA DA DECADENCIA ECONOMICA DO ESTADO DO RIO DE RIO DE JANEIRO, CRIANDO DESESPERANÇA PARA SUA POPULAÇÃO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL.:
  • AVALIAÇÃO HISTORICA DA DECADENCIA ECONOMICA DO ESTADO DO RIO DE RIO DE JANEIRO, CRIANDO DESESPERANÇA PARA SUA POPULAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/1996 - Página 5233
Assunto
Outros > ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • ANALISE, DECADENCIA, ECONOMIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EFEITO, MODELO ECONOMICO, PAIS, FALTA, PROJETO, GOVERNO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, INJUSTIÇA, CORRUPÇÃO.
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA SOCIAL, POLITICA ESTUDANTIL, POLITICA CULTURAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, PROJETO, ALTERNATIVA, OBJETIVO, CRIAÇÃO, EMPREGO, EDUCAÇÃO, INTEGRAÇÃO, POPULAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE), ENTIDADE, EMPRESA.

A SRª. BENEDITA DA SILVA - (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como representante do Rio de Janeiro no Senado da República, cabe-me o dever de defender o desenvolvimento do meu Estado de modo a proporcionar uma melhoria da qualidade de vida da população fluminense, conforme compromisso político assumido na campanha eleitoral.

No meu primeiro ano de mandato, fiz uma avaliação do conjunto das potencialidades do Estado e observei as manifestações de diferentes atores sociais em relação aos interesses maiores do Estado. Sempre que possível intervi para defender postos de trabalho, atrair novos investimentos e impedir a saída de empresas do Rio de Janeiro.

É na condição de Senadora de todo o Estado que dialogo com os diferentes segmentos da sociedade e também com várias prefeituras e o Governo Estadual. Os princípios da democracia, igualdade, justiça social, soberania nacional, que norteiam a minha vida política, eu os defendo com as armas da tolerância e do diálogo, buscando a definição de pontos de consenso.

Foi, portanto, um ano rico em experiências, em que pude tirar conclusões fundamentais para a elaboração de um projeto estratégico de desenvolvimento global e integrado para o Estado. Nesse sentido, é preciso que se leve em conta que os indicadores econômicos mais recentes do Rio de Janeiro sinalizam uma tendência de superação do seu longo período de esvaziamento econômico. Mas a caminhada para o futuro exige que se faça, ainda que brevemente, uma análise das principais características e causas dessa prolongada crise.

O passado.

Ao longo dos últimos 26 anos, a dinâmica do crescimento econômico do Rio de Janeiro foi bem menos acentuada do que no restante do País. Exemplo disso é que, em 1970, o Estado contribuía com 16% do PIB. Em 1990, esse percentual não atingia sequer os 11%. Tal realidade não pode ser atribuída exclusivamente à mudança da Capital Federal para Brasília ou a fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio de Janeiro. A meu ver existem outros fatores que precisam ser considerados, dentre os quais citamos o esgotamento do modelo econômico do País, apoiado nos investimentos governamentais e o imobilismo demonstrado pelas elites econômicas e políticas do Rio de Janeiro.

Começando pelo setor primário da economia fluminense, observamos que este teve uma performance bastante fraca no período compreendido entre o início dos anos 80 e os dias atuais. Ao passo que em outros estados as atividades canavieira e citrícola passaram por diversos avanços tecnológicos, no Rio de Janeiro o que vigora é a estagnação e a baixa produtividade.

Nós últimos 10 anos, a área de cana-de-açúcar plantada na região de Campos, caiu 45%. O setor citrícola não conseguiu entrar na fase de benefício agroindustrial, o que impediu que fossem obtidas margens de lucros mais compensadoras.

Na área pesqueira, a pesca predatória e a base rudimentar de produção levaram a uma significativa redução de cardumes, outrora abundantes e a perda da liderança nesse setor. Mas tivemos alguns resultados positivos, como os da evolução da produção leiteira do Vale da Paraíba e o florescimento de um cinturão verde na região serrana, baseado na pequena produção.

Contudo, esses poucos setores que conseguiram maior dinamismo não alteraram o quadro geral de estagnação do setor agropecuário. Por exemplo, entre 1981 a 1990, o pessoal ocupado nessas atividades encolheu quase 20%. No setor secundário da economia fluminense o quadro também não foi alentador. Nosso grande exemplo nesse sentido é o setor naval, ao passo que o setor automotivo nacional buscou internalizar um maior dinamismo, visando novas estratégias de mercado, o setor naval do Rio de Janeiro se conformou com os tradicionais e questionáveis mecanismos de financiamento público. A queda nas encomendas de navios pelo Governo foi respondida com a acomodação e a redução de postos de trabalho. O resultado disso é que hoje o setor opera com 60% da capacidade ociosa, sendo que, em menos de um ano, já demitiu cerca de 2 mil operários. As perspectivas para esse setor de importância estratégica para o Estado continuam preocupantes.

Damos os exemplos do setor naval porque, a seu modo, ele espelha o quadro que se verificou entre os diversos setores industriais, como o eletroeletrônico, siderúrgico, metalmecânico e construção civil, com o fechamento de unidades e/ou a sua transferência para outros Estados. A mão-de-obra ocupada na indústria fluminense encolheu 25% entre 1981 e 1990. Na construção civil, essa redução foi ainda maior, praticamente 30%, no mesmo período e de efeitos sociais mais graves, posto que este é um setor que ocupa a força de trabalho pouco qualificada.

Em suma, o pouco dinamismo do setor secundário fluminense se refletiu nas tantas outras empresas que desistiram de operar no nosso Estado, como foram os casos da Metal-Leve, Cobra, Akatel, Remington e Fiat, trazendo desalento para dezenas de milhares de profissionais.

O setor industrial que conseguiu melhores resultados nos últimos 15 anos foi o da extração de petróleo na Bacia de Campos. Apesar disso, não trouxe os benefícios sociais esperados, visto que o IPI e o ICMS ficavam nos seus respectivos locais de processamento e comercialização.

A evolução do setor terciário no Estado teve um desempenho melhor do que os outros setores. No entanto, cabe alguns comentários sobre essa trajetória. De um lado, tivemos uma evolução positiva dos postos de trabalho nas atividades de serviços, comércio e atividades sociais.

Por outro lado, houve uma redução do pessoal ocupado vinculado à administração pública, refletindo a queda do dinamismo do setor público.

Ainda que o saldo da geração de empregos tenha sido positivo no setor terciário, alguns aspectos não podem ser negligenciados, como por exemplo a perda da importância do setor financeiro frente a São Paulo, processo este que se intensificou nos anos 90; o setor de turismo também registrou uma queda associada ao avanço da violência, à depredação ambiental e à falta de planejamento.

Desse modo, nosso Estado, que em 1.985 teve uma movimentação de cerca de 7 milhões de turistas nacionais, conseguiu atrair pouco mais de 4 milhões de turistas em 1.992; em 1.985, 650 mil turistas estrangeiros visitaram o Rio de Janeiro; em 1.992, esse número baixou para 481 mil turistas.

A decadência econômica do Estado, no período que estamos analisando, se refletiu, principalmente, na decomposição do tecido social, sobretudo, na Região Metropolitana do Rio. Em 1.981, 27,2% da população que vivia no Grande Rio era formada por indigentes; em 1.990, esse percentual atingia 32,2%. O número de domicílios cujos moradores vivem em condições de absoluta pobreza superava os 2,5 milhões. Os níveis de miséria sobem à medida que nos afastamos das áreas mais nobres da Capital.

Uma pesquisa feita, recentemente, pela UFRJ indicou que em 1.990 os bairros da Zona Sul e de Niterói, onde residem 9% da população fluminense, se apropriavam de 31% do total dos rendimentos do Estado. As áreas compreendidas pela Região da Pavuna e Zona Oeste do Rio, Baixada Fluminense, incluindo São Gonçalo, onde moram 52% da população, se apropriavam de somente 29% dos rendimentos totais do Estado.

A decadência econômica, a falta de projetos de longo alcance, a concentração de rendas e as injustiças sociais criaram um quadro de profunda desesperança para a população do Rio de Janeiro. E esse quadro, infelizmente, foi acrescido pela desestruturação do aparelho estatal, que abriu caminho para a corrupção, a impunidade, a criminalidade e para conformação de um estado permanente de violência social e de perda de direitos, principalmente, para as populações da periferias.

A meu ver, essas são as razões que explicam o longo período de esvaziamento econômico pelo qual passou o Rio de Janeiro, impedindo que o nosso Estado se adequasse aos novos tempos e mantivesse a sua importância econômica, além, é claro, da sua tradicional dianteira em termos políticos, científicos e culturais.

Vou falar um pouco do presente.

O fato inegável, no momento atual, é que a recuperação econômica do Rio de Janeiro já começou. Há uma retomada das inversões e do crescimento econômico. Investimentos de grande porte, como o da Volkswagen, Brahma, Antarctica, Bayer, Teleporto, Pólo Gás-Químico e o Porto de Sepetiba, entre dezenas de outros, estão contribuindo para que o nosso Estado recupere o 2º lugar no PIB nacional, com uma participação de 12.6% inferior apenas a São Paulo. Esses investimentos demonstram cabalmente que o Estado tem vocações industriais e de serviço e que as causas que o levaram à estagnação podem ser superadas. As entidades empresariais estão bastante otimistas com as novas perspectivas da economia fluminense.

Mas essa confiança no futuro ainda se restringe a setores do grande empresariado e ao governo estadual. Não encontramos a mesma confiança entre os trabalhadores que sofrem com o drama do desemprego, nem entre os pequenos e médios empresários, sufocados pelas altíssimas taxas de juros. O otimismo também não se estende à população de baixa renda, que não tem onde morar e é a maior vítima da deterioração dos serviços públicos, particularmente, a saúde e a educação. Reflexo dessa degradação social a violência persiste, atingindo todos os níveis sociais.

Meu temor é de que estejamos diante da repetição daquela terrível situação da época da ditadura militar, o chamado "Milagre Brasileiro", quando a economia ia bem, mas o povo estava mal. Tal disparidade não mais se aceita no mundo atual, em que se afirma a consciência de que o crescimento econômico tem de estar a serviço do bem-estar social e, sobretudo, ser capaz de gerar emprego. A garantia de emprego será o grande desafio do futuro próximo da Humanidade. Como é inevitável que o desenvolvimento tecnológico reduza a mão-de-obra, a sociedade tem que encontrar caminhos alternativos para manter e criar novos postos de trabalho. Só faz sentido o desenvolvimento econômico que vise o ser humano e respeite o meio ambiente.

Mesmo quando acompanhado do progresso técnico, o crescimento econômico, por si só, não pode ser confundido com desenvolvimento humano e social. Para melhorar as condições de vida da maioria da população é preciso que os investimentos venham acompanhados de políticas sociais, de modo a repartir os ganhos econômicos. A fórmula defendida de crescer primeiro para depois repartir terminou desacreditada pelos fatos. E mais: entendo o desenvolvimento humano e social não como simples detalhe do crescimento das forças produtivas. A experiência internacional mostra que a própria qualidade desse crescimento está ligada à qualidade de vida da população. Trabalhadores bem alimentados, saudáveis e instruídos, que gozam de direitos e segurança social, são sempre mais produtivos, participantes e criativos do que seus companheiros que não têm essas condições.

A visão tecnicista do crescimento econômico puro tem de ser modificada para a idéia do desenvolvimento econômico integrado, ou seja, um processo que combine a prosperidade material com o respeito ao meio ambiente e a universalização dos direitos sociais e humanos.

No contexto da terceira revolução tecnológica pela qual passa o mundo atual, os aspectos humanistas essenciais do desenvolvimento econômico devem ser mais ressaltados. Cada vez mais exige-se mão-de-obra qualificada, educada e capacitada a trabalhar com equipamentos complexos e caros. O profissional que não possui ao menos o segundo grau completo, já vem encontrando sérios problemas para conseguir emprego. Do mesmo modo, quando uma empresa moderna decide onde investir, não dá mais tanta importância à mão-de-obra barata, mas às facilidades de encontrar um profissional qualificado.

O grande problema que ocorre na retomada atual dos investimentos no Rio de Janeiro é que eles não vêm acompanhados de uma série de condições sistêmicas, necessárias para o chamado desenvolvimento econômico integrado. A preocupação do Governo é exclusivamente com o crescimento do índice econômico, com a atração do capital. Tudo o mais é relegado a um plano secundário.

Senão, o que dizer do abandono da educação pública no Estado, marcado pela baixíssima qualidade do ensino básico e por salários aviltantes dos professores? À rede de ensino médio e profissional a grande maioria da população não tem acesso. Estudos da UFRJ revelam que, enquanto na Zona Sul, Tijuca e Niterói o nível de escolaridade é elevado, em Nova Iguaçu e São Gonçalo o índice de analfabetismo atinge 12,5% da população. Ainda que esses índices de analfabetismo sejam menores do que no restante do País, isso é um consolo muito modesto para um Estado que almeja ser um pólo industrial de tecnologias avançadas.

Existe também uma grande dívida social em relação às condições sanitárias e de saúde de parcela significativa da população fluminense. Na zona oeste, quase 15% da população não contava com um sistema de saneamento adequado em 1990. Nesse mesmo ano, a rede de esgotos não chegava a 47% da população de Nova Iguaçu e a 48% da população de São Gonçalo. Em Nova Iguaçu, somente 25% da população era atendida por um sistema de coleta de lixo. No restante da Baixada Fluminense, esse percentual não alcançava sequer 50%. Naturalmente, tamanha deficiência no sistema sanitário reflete-se no aumento de doenças como leptospirose, meningite, tuberculose, cólera e hanseníase.

Além da atração de novos investimentos, não se vislumbram, nas ações do Governo, medidas de longo prazo visando a geração de emprego e a transformação social do Estado. Por isso, a retomada dos investimentos ainda não contagiou o conjunto da sociedade fluminense.

O futuro

A estabilidade da moeda, alcançada pelo Plano Real, precisa ter desdobramento econômico e social. Ela não pode continuar imobilizada no atoleiro monetarista e mantida por uma das taxas de juros mais altas do mundo. Esses são os limites do Plano Real que estão causando o aumento do desemprego e da exclusão social.

Em todas as partes do País, temos que tomar iniciativas nesse sentido. Contando, de um lado, com a estabilidade da moeda e, de outro, com a retomada dos investimentos no Estado, o Rio de Janeiro tem condições de adotar uma política de desenvolvimento integrado capaz de contagiar não apenas a elite econômica, mas também todos os níveis empresariais, as classes trabalhadoras e o conjunto da sociedade; um projeto que associe o crescimento econômico com o desenvolvimento social e consolide a posição do Rio de Janeiro como um Estado de vanguarda. Tal projeto vai exigir, no entanto, uma vontade política profundamente comprometida com o


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/1996 - Página 5233