Discurso no Senado Federal

DIA MUNDIAL DA SAUDE. DIFICIL SITUAÇÃO DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DIA MUNDIAL DA SAUDE. DIFICIL SITUAÇÃO DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/1996 - Página 6029
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, OPORTUNIDADE, ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, SAUDE PUBLICA, PAIS.
  • COMENTARIO, POLITICA SOCIAL, POLITICA NACIONAL DE SAUDE, GOVERNO, DIREITO A SAUDE, SOCIEDADE, DESNUTRIÇÃO, DOENÇA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, domingo último, dia 07 de abril, comemorou-se o Dia Mundial da Saúde. O tema escolhido para este ano foi "Municípios e Comunidades Saudáveis: Por Uma Vida Melhor".

O Dia Mundial da Saúde marca o surgimento da Organização Mundial da Saúde, fundada em 1948. Essa data serve como marco para abordarmos detidamente a dramática situação da saúde do povo brasileiro.

Num primeiro momento, entendo ser necessário identificar a origem, as raízes de um processo de adoecimento crônico em que atualmente está mergulhada a maioria da população brasileira.

Os dicionários traduzem que "fome é uma sensação desagradável provocada pela falta de alimentos no organismo". Os cientistas acrescentam que essa prolongada falta de alimentos gera o enfraquecimento, a inanição e, depois, a morte. Quando o organismo sobrevive, a falta de minerais, vitaminas e proteínas causa as chamadas doenças carenciais: a falta de ferro causa anemia; a falta de vitamina A, a cegueira; a falta de vitamina D, o raquitismo. E por aí vai. São as chamadas doenças da fome.

Quando esse quadro se apresenta generalizado, atingindo grandes contingentes populacionais, como infelizmente é o caso do Brasil, fica explícito o que de mais negativo um país pode apresentar: a inexistência de um política social, o descaso dos governantes para com a saúde e a qualidade de vida da população. É um fato gravíssimo para o futuro de qualquer nação, pois todas pretendem alcançar patamares de desenvolvimento compatíveis com o ritmo mundial, quando seus sucessivos governos, talvez por total falta de visão política, não priorizam, para alcançar esse desenvolvimento, as bases sólidas que uma população saudável oferece.

Sabe-se que uma melhor qualidade de vida resulta de decisões políticas e não de formas de governo. O governo que atenta para a educação e a saúde do seu povo obtém resultados expressivos em termos de qualidade de vida da população e progresso social efetivo do país. Pobre ou rico, o país que prioriza esses setores eleva sensivelmente a expectativa de vida e a capacidade de aprendizagem, a partir do nível intelectual que a população logrou atingir. É o caso de Cuba, por exemplo, país que visitei recentemente. Sabemos que é um país pobre, limitado geograficamente, que sofre um feroz bloqueio há mais de 30 anos, mas que está em dia com a educação, está na vanguarda da saúde e possui, orgulhosamente, um povo saudável e culto. O Chile também passou a ser um bom exemplo, pois está investindo 70% de todo o seu orçamento em políticas sociais. Outros exemplos são os Estados Unidos, que investem em saúde U$2.700,00 per capita, e a Argentina, que investe U$250 per capita. Enquanto nós, atualmente, investimos apenas U$80 per capita em saúde.

A desnutrição desempenha um trágico mas determinante papel no destino do povo brasileiro. A cada 30 minutos morrem 20 crianças, tendo como causa básica, ou associada, a desnutrição profunda. Estudos do Unicef revelam que mil crianças brasileiras morrem, a cada 24 horas, antes de completar um ano de vida, vítimas da desnutrição. Esse é o verdadeiro termômetro que mede a doença social a que ainda hoje, tragicamente, está fadada a Nação brasileira.

O que se tem feito para combater efetivamente essa situação de verdadeira imoralidade?

O tema escolhido pela Organização Mundial da Saúde, para este ano, "Municípios e Comunidade Saudáveis: Por uma Vida Melhor", é importante porque as mudanças políticas, econômicas, demográficas e sócio-culturais ocorridas no Brasil nas últimas três décadas levaram a maioria da população a uma complexa situação em que os problemas de saúde não podem mais ser encarados apenas pela perspectiva tradicional de cuidados médicos.

No País como um todo é urgente uma ação política séria e abrangente em setores como saneamento básico, educação e saúde, com recursos orçamentários compatíveis com as necessidades.

Acabamos de votar o Orçamento e temos absoluta certeza de que ele não detém recursos compatíveis para essas necessidades na área de saúde. Por isso, é urgente uma política de redistribuição de renda, pois o mundo inteiro sabe que o Brasil é um dos países mais injustos nesse sentido. É urgente realizarmos uma reforma agrária que tenha continuidade numa política agrícola que assente o homem ao campo, dando sustentação e viabilizando o trabalho e a vida de pequenos produtores rurais para que produzam mais e mais alimentos, diminuindo assim o abandono do campo e os bolsões de miséria nas grandes cidades.

Sabemos que esse movimento dos sem-terra, daqueles que trabalham pela reforma agrária, mobilizou o País em mais de vinte Estados, numa manifestação altamente pacífica para sensibilizar e dizer que essa questão da reforma agrária não pode e não deve ser ideológica, nem tampouco bandeira de algum partido. Assisti, pela televisão, quando perguntaram aos sem-terra se eles estariam afinados com algum partido de esquerda. Eles colocaram que o movimento é autônomo, independente, e cada um segue o partido que quiser. É lógico que essa bandeira deve ser abraçada por todos os partidos políticos e, principalmente, pelo Governo Federal, que deve fazer, de imediato, os assentamentos já programados para que possamos não só garantir a produção de alimentos, mas também acabar com os bolsões de miséria existentes, dando uma certa estabilidade para aqueles que trabalham na terra.

Minha convicção é a de que essas seriam algumas das medidas com as quais poderíamos resgatar, verdadeiramente, a qualidade de vida e a saúde do nosso povo.

Enquanto isso não ocorre, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em casos de hanseníase, ficando logo depois da Índia. Além disso, só em 1994 foram notificados 158 mil casos de lepra. E não adianta dizer que isso é uma maldição bíblica; trata-se, na verdade, de uma realidade brasileira que já deveria ter sido modificada, porque temos recursos e condições para fazê-lo.

Segundo a Fundação Nacional da Saúde, a cada ano surgem entre 30 a 36 mil novos casos da doença no Brasil. A tendência é de crescimento do número de casos porque o período de incubação da doença é semelhante ao da AIDS: em média, dura de três a seis anos, mas pode chegar até a dez anos. Mesmo com um plano de controle da doença, a partir de 1986 o número de casos aumentou.

Outro exemplo é o caso da hepatite B - sobre o qual tive a oportunidade de pronunciar-me recentemente -, que é virótica e mata mais pessoas em um dia do que a AIDS em um ano, sendo cem vezes mais contagiosa. Segundo dados da Fundação Nacional da Saúde, pelo menos 8% da população brasileira já contraiu o vírus da hepatite B. Na Região Amazônica existe um hiperendemia, onde várias comunidades apresentam quase 100% de infecção. Os índices de contágio no Estado de Santa Catarina também são alarmantes. Mesmo assim, o Brasil ainda não produz a vacina contra esse vírus, extremamente perigoso, contagioso e mortal. Há dois meses o Ministro da Saúde sustou um processo de compra de 20 milhões de doses da vacina. O motivo alegado foi que um laboratório coreano oferecia produto similar por um terço do preço dos laboratórios que venceram a licitação. No entanto, uma comissão de técnicos do próprio Ministério da saúde, formada por cientistas de renome, aconselhou a não aquisição da vacina coreana.

Enquanto isso, milhares de brasileiros continuam morrendo por causa da hepatite B e infectando outros milhares sem que haja qualquer campanha nacional. Recentemente morreu o arquiteto e poeta Pedro Pelegrino, vítima da doença, contraída por uma transfusão de sangue.

O problema da tuberculose é outro exemplo crítico no nosso País. Essa doença está sendo objeto de preocupação em nível internacional pela Organização Mundial da Saúde, que a classificou como a única emergência global. A tuberculose é a doença que mais mata ou debilita adultos com idade entre 15 e 59 anos em todo o mundo. Morrem mais mulheres em idade gestacional por tuberculose do que por causas relacionadas à gestação ou ao parto. No Brasil, os serviços de saúde notificam anualmente 90 mil casos novos e 5 mil mortes em decorrência da tuberculose. Isso significa que a doença mata diariamente 14 pessoas, colocando o Brasil em 6º lugar em número de casos no mundo, ficando atrás somente da Índia, Indonésia, China, Filipinas e Paquistão.

A detecção e cura dos transmissores é a forma mais efetiva de prevenir e controlar a disseminação da tuberculose. Para isso, os tratamentos e medicamentos, que são muito baratos - um tratamento custa em média 11 dólares por pessoa -, deveriam estar disponíveis na rede pública de saúde. Mas o programa de combate à tuberculose foi desmontado pelo Governo Collor de Mello e desde então não tivemos mais uma política ostensiva.

Atualmente, no Brasil, estamos nos defrontando com um fenômeno que é um verdadeiro parâmetro da situação crítica da saúde no País. Principalmente no eixo Rio-São Paulo, as taxas de abandono de tratamento são muito elevadas. Os determinantes desse fenômeno são complexos, mas os elementos apurados, mais diretamente responsáveis por isso, são a precariedade da rede de atendimento, geralmente distante do local de domicílio, os longos períodos de espera, estoques irregulares de medicamentos e pessoal desmotivado e insuficientemente treinado.

A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo, com muita honra, o aparte a V. Exª.

A Srª Marina Silva - Parabenizo V. Exª porque, nesta Casa, sempre tem abordado temas que se referem aos direitos sociais, e a saúde é um direito do cidadão - assim está na nossa Constituição. V. Exª, até por ser da área de saúde, tem todo um envolvimento com a problemática e coloca muito bem as mazelas a que o Brasil tem submetido a sua população: doenças já resolvidas, do ponto de vista médico - porque temos as saídas do ponto de vista clínico, dos remédios -, continuam a matar cidadãos brasileiros, senão meio cidadãos, porque não têm os seus direitos constitucionais assegurados. A saúde é um deles; a educação é outro. Inclusive a educação ajuda também no que diz respeito à questão da saúde. V. Exª sabe disso. Há um problema que acho fundamental resgatar: apesar de o SUS - Sistema Único de Saúde ter toda uma teorização e tentar implementar uma saúde preventiva, em detrimento da que é praticada, que é a curativa, esse sistema não funciona no Brasil. Isso porque requer uma série de outros pré-requisitos, que não são atendidos, referentes a uma política de geração de emprego e renda, melhoria da qualidade de vida, saneamento básico e uma série de pontos que são fundamentais para se fazer a saúde preventiva. No entanto, existem em algumas administrações, em alguns Estados, experiências muito localizadas sobre a questão da instituição da saúde voltada para as famílias, com médicos de família, com agentes comunitários, com todo um envolvimento da comunidade no processo de prevenção às doenças. Isso vem apresentando resultados, principalmente no que se refere à diminuição da mortalidade infantil, à diminuição de doenças, porque muitas vezes o Poder Público, por não investir nesses programas, acaba gastando mais. Por exemplo, uma coisa é uma criança com uma pequena gripe ou uma diarréia ser tratada no início da doença - ou mesmo evitar-se essa doença, porque isso pode acontecer -, e outra coisa é essa criança já entrar em uma unidade de saúde com um quadro de pneumonia grave, necessitando ficar internada, pois haverá gastos com remédios que, às vezes, podem ser caros. O Poder Público acaba gastando muito mais dessa forma do que se, realmente, fizesse um investimento nesses agentes comunitários de saúde, contratando médicos que atuem nas comunidades, nos postos, fazendo um sistema realmente descentralizado. Só estou aqui tentando falar um pouco daquilo que conheço, pelo menos na minha região, e da experiência que tenho da Prefeitura de Rio Branco, que é administrada pelo PT. Estamos criando o programa de saúde da família, que tem diminuído a mortalidade infantil e tem dado, digamos assim, um alento para as populações das periferias. Mesmo sendo leiga na matéria, tenho observado que o caminho é esse, e não o que é praticado no nosso País, muitas vezes até por interesses que desconhecemos, que é a prática da saúde curativa, onde há investimento em remédios, onde há investimentos numa área que não responde à demanda da saúde pública do Brasil. Muito obrigada.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu discurso, até porque a intervenção de V. Exª, Senadora Marina Silva, apenas adiantou e enriqueceu o que estou colocando. Não apenas na Prefeitura a que V. Exª se referiu, mas em todas as prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores uma das principais marcas é esse investimento na área de saúde e educação. Isso tem trazido um grande sucesso não para quem está administrando - no caso, os prefeitos -, mas para a população, que tem tido um atendimento de saúde preventivo e está incorporando na necessidade da saúde curativa condições que são paralelas, intermediárias, e até resgatando, de um passado que conheci pelo meu tempo de vida, o médico de família. Portanto, o aparte de V. Exª é como uma seqüência deste meu pronunciamento, preenchendo as suas lacunas.

Também os profissionais da área de saúde, Senadora Marina Silva, precisam ser bem pagos e treinados. Não é mais possível que se conviva com uma remuneração dos serviços médicos em patamares de R$3,00 a consulta. Isso é um insulto. Os profissionais da saúde estão acumulando dois, três, quatro empregos, trabalhando doze, quatorze, dezesseis horas por dia para terem um salário mais ou menos. Não podemos também conviver com isso, porque o atendimento passa a ser de baixa qualidade.

Estamos assistindo ultimamente a uma fuga em massa, independentemente das medidas que o Governo possa estar sugerindo, do emprego público; onde antes existiam serviços de excelência, os hospitais estão ficando sem condições de atender à população.

Como V. Exª bem colocou, sou da área de saúde, mas no dia em que concluir o meu mandato e não estiver mais disposta a disputar nenhuma eleição quero crer que dificilmente voltarei para a minha atividade de enfermagem, dado o fato de que não se tem um respaldo, uma sustentação, a nível de salário e de condição de trabalho. Nessa atividade, dificilmente poderia sustentar a minha família ou mesmo gozar de um certo conforto individual.

É importante também que possamos resgatar os direitos dos servidores da área de saúde. Coincidentemente, temos tramitando nesta Casa um projeto regulamentando essa matéria que pura e simplesmente foi vetado pelo Presidente, e estamos em entendimento com as Lideranças. A carga horária desses servidores, como acabo de dizer, é extremamente pesada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/1996 - Página 6029