Discurso no Senado Federal

AUSENCIA DE POLITICA NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR PESQUEIRO, EM ESPECIAL DA PESCA DA LAGOSTA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PESCA.:
  • AUSENCIA DE POLITICA NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR PESQUEIRO, EM ESPECIAL DA PESCA DA LAGOSTA.
Aparteantes
Ney Suassuna, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1996 - Página 6457
Assunto
Outros > PESCA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, IMPLANTAÇÃO, POLITICA NACIONAL, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO, SETOR PESQUEIRO, AQUICULTURA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE), DEBATE, SETOR PESQUEIRO, DEFESA, IMPORTANCIA, PESCA MARITIMA, PAIS, QUEIXA, FALTA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, SETOR, PESCA, EXPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, COMPARAÇÃO, PREÇO, COMBUSTIVEL, FROTA MARITIMA, PAIS ESTRANGEIRO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, TARIFAS, OLEO COMBUSTIVEL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a ausência de uma política nacional no setor pesqueiro, desde meados de 1984, tem provocado vários problemas pela falta de fomento à pesquisa, extensão e linhas de crédito pesqueiro.

Contrariando a tendência de crescimento da produção pesqueira nos países latino-americanos, a pesca brasileira caiu de 1 milhão de toneladas, em 1985, para cerca de 750 mil toneladas, em 1993. No mesmo período, o pescado passou da segunda fonte nacional de proteína animal para a inexpressiva quarta posição.

Hoje, os principais recursos pesqueiros explorados se encontram ameaçados pela sobrepesca, em função do aumento excessivo do esforço de pesca e pela poluição ambiental. Grande parte da frota empresarial está sucateada, e as empresas acumulam déficits operacionais pelo alto custo de captura e pela baixa produtividade.

O pescador artesanal permanece desorganizado e desassistido: menos de 10% de seu universo (estimado em 700 mil no Brasil) contribuem para a Previdência Social e são amparados pela lei do seguro-desemprego nos períodos de defeso.

A especulação imobiliária e a ocupação desenfreada do litoral brasileiro estão acabando com as comunidades pesqueiras, afastando os pescadores de suas áreas de pesca.

A produção agrícola ainda é de pouca expressão se comparada a outros países em condições mais adversas que as nossas.

O mar brasileiro representa uma importante fonte geradora de alimento, emprego e divisas. Na aqüicultura, as potencialidades se manifestam através da existência de aproximadamente 5,2 milhões de hectares de águas públicas, represadas para fins diversos, que favorecem o crescimento da atividade extensiva e intensiva e de um litoral com cerca de 8 mil quilômetros de costa.

Já na piscicultura, o País dispõe de condições ecológicas (solo, água e clima) propícias para ser o maior produtor mundial de peixe.

Para se reverter todo esse quadro, retomando o crescimento do setor, é preciso reordenar as ações da pesca e da aqüicultura, com a participação efetiva do Governo e do setor produtivo, redefinindo, com clareza, a competência de cada um, no sentido de evitar desperdícios de recursos humanos e financeiros, como também paralisação de ações.

A implantação de uma política nacional que priorize esses dois importantes setores da economia (pesca e aqüicultura), além de investimentos em recursos humanos, através de programa de capacitação, são ações fundamentais para o fortalecimento do setor, a exemplo do que é feito nos países líderes mundiais na produção pesqueira.

Para discutir esses assuntos, realizou-se no dia 18 de março próximo passado, em Fortaleza, no Ceará, um debate sobre a questão da pesca no Brasil.

A Presidente do Sindicato da Pesca do Ceará, Elisa Gradvohl, ressaltou a importância da pesca marítima que, no caso do meu Estado, contém um investimento de mais de US$ 300 milhões entre barcos, frigoríficos e outras instalações. Queixou-se que a pesca se ressente, em primeiro lugar, de uma política de desenvolvimento, de um órgão que centralize essa política, da escassez de recursos, da pesca ilegal da lagosta, inclusive, da de tamanho pequeno, declarando-se, ainda, contrária à paralisação da pesca da lagosta, o chamado período defeso.

Na ocasião, os participantes também defenderam a introdução da pesca oceânica no Estado, além da lagosta, que é predominante. Na verdade, não se entende que navios de várias bandeiras, tais como chilenas, equatorianas e chinesas, atualmente pesquem entre o Nordeste brasileiro e o Golfo da Guiné e não exista uma indústria nacional de pesca de longo curso.

Foi citado o salto dado por um vizinho nosso, a Argentina. Em 1995, o país embarcou para o exterior US$293 milhões em pescados contra US$140 milhões em carne bovina, seu produto mais tradicional. A intensificação da pesca na Argentina começou há quatro anos, quando investimentos maciços de empresas nacionais e estrangeiras foram destinados ao setor. Estima-se que, desde o início dos anos 90, US$400 milhões foram injetados na compra de barcos e na construção de novas plantas industriais. A captura saltou de 545 mil toneladas para 1 milhão de toneladas, em 1995, um aumento de 93%. Enquanto isso, no Brasil, observa-se a estagnação e até o início de um processo de decadência.

Ainda nesse seminário a que me referi, foram prestadas informações de que existem parceiros de elevado nível tecnológico que poderiam ser atraídos ao Brasil, necessitando-se a simplificação e regulamentação sobre o capital estrangeiro e oferecimento de estímulos ao capital nacional.

Para reverter todo esse quadro, retomando o crescimento do setor, faz-se necessário reordenar as ações de pesca e aqüicultura, com a participação efetiva do Governo e do setor produtivo, redefinindo com clareza a competência de cada um no sentido de se evitar desperdício de recursos humanos e financeiros e também a paralisação de ações.

A pesca é uma contribuinte para a questão do emprego, pois, para cada indivíduo que captura no mar, há geração de sete a oito empregos em terra. Ressaltou-se, ainda, a necessidade da existência de escolas náuticas e pesqueiras para a qualificação de mão-de-obra, que no Brasil praticamente inexiste.

Uma questão que está em andamento no âmbito do Governo Federal é a proposta para operacionalização e redução do preço do combustível utilizado pela frota pesqueira nacional.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, com todo o prazer, concedo o aparte ao nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Lúcio Alcântara, quero felicitá-lo pelo tema que traz, que também é importante para a Paraíba. Sabemos que para o Nordeste, onde são tão poucas as oportunidades de emprego, a pesca é muito importante e as nossas costas se dão bem para isso. A Paraíba também está buscando agilizar a pesca; acabou de ganhar um barco da Galícia de doação; estamos fazendo pesca de atum e tentando conseguir convênios com outros barcos pesqueiros para montar, lá em Cabedelo, um porto pesqueiro. Estamos muitos pontos abaixo do Ceará, que já é tradicionalmente um grande pólo pesqueiro de lagosta, camarão, etc, mas é preciso que se olhe com cuidado para essa área, que não só trará proteínas para o nosso povo que precisa, como gerará empregos e divisas, uma vez que esta é uma área exponencial de emprego. O pescador lá gera na ponta muitos empregos, como bem V. Exª está dizendo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. A questão da pesca no Nordeste é da maior importância, porque é uma alternativa econômica válida e uma fonte de geração de empregos. Não quero nem falar da pesca continental nos açudes e qual potencial tem para gerar proteínas. O Departamento Nacional de Obras contra a Seca tem tecnologia, adquirida a partir da colaboração de países como a Hungria e é capaz de fornecer alevinos, que permitem uma rápida reprodução da espécie e têm uma proteína de alto valor nutritivo que serviria muito para evitar o quadro de desnutrição que existe no interior do Nordeste.

Em nenhum país pesqueiro o preço do óleo diesel marítimo se equipara ao do combustível de transporte, não só pela pesca ter como característica a de produtora de alimentos, como também porque é uma atividade altamente empregadora e que apresenta, além disso, extrema velocidade na criação de novos postos de trabalho.

A atividade de captura da pesca tem no combustível seu custo variável de maior importância, por ser um insumo insubstituível. Sua importância no custo final, que no Brasil é superior a 40%, varia de acordo com o produto, área de pesca, importância do pescado na estratégia alimentar de cada país, sendo aceitos internacionalmente parâmetros ao redor de 20% do custo total de captura, podendo chegar a patamares mais elevados em pescarias especiais. O normal, no entanto, é que o Estado, em função de suas políticas de emprego e produção de alimentos, interfira nesse elemento de custo como estratégia de fomento e controle da produção.

Países como a Espanha, onde o pescado é fundamental na alimentação e na manutenção de empregos, utiliza-se, além dos incentivos dispensados à pesca pela Comunidade Européia, o artifício de um óleo diesel de coloração diferente para facilitar a fiscalização da utilização do insumo vendido a preços abaixo do mercado, a fim de se evitar o desvio do óleo diesel que é vendido mais barato para a pesca e que ele pudesse ser utilizado para outras finalidades.

O preço do diesel marítimo no Brasil alcança US$360 a tonelada, contra US$200 na Argentina, US$169 no Uruguai e US$60 na Venezuela. Isso, praticamente, tira do Brasil toda a competitividade e capacidade de concorrer, porque o óleo diesel, que é um insumo importante para a pesca industrial, é extremamente caro.

Embora o Ceará tenha vocação para a pesca marítima, tanto industrial quanto artesanal, e para a pesca continental - aquela feita nos açudes -, gostaria de, neste momento, determinar a análise da pesca da lagosta, a mais importante e a que enfrenta maior crise.

A pesca da lagosta no litoral do Ceará é uma atividade de elevada importância social e econômica para todo o Estado, especialmente para os municípios da faixa litorânea. Milhares de empregos são gerados pela atividade e estima-se que mais de cem mil pessoas dela dependem, direta ou indiretamente. As exportações, normalmente, giram em torno de 2.500 toneladas de cauda por ano, o que corresponde ao ingresso de dividas da ordem de U$50 a 60 milhões no Estado.

Hoje, no entanto, é uma atividade praticada majoritariamente de forma ilegal. A frota, em grande parte, não é autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama. Utilizam-se artes de pesca proibidas, além de capturar significativamente indivíduos abaixo do tamanho permitido.

Dentre as razões para a grande quantidade de barcos não permissionados, destaca-se a inadequação da norma que, em meados da década de 70, limitou a frota lagosteira ao exato número de barcos operando na época. Tratava-se de uma frota basicamente do tipo industrial, pertencente a empresas e grandes armadores de pesca. Ao longo dos anos, com a diminuição dos rendimentos das pescarias da lagosta, parte dessa frota foi desativada ou dirigida para outras atividades, ao tempo em que a frota dos pequenos armadores independentes foi crescendo sem controle e sem que fossem feitos estudos no sentido de adequar a legislação à nova realidade.

A frota lagosteira totaliza, hoje, cerca de 1.500 embarcações. No Ibama estão registradas cerca de 300, porém não se sabe quantas dessas últimas estão efetivamente operando, mas está perfeitamente caracterizado que há barco demais para pouca lagosta. Grande parte da frota é composta por barcos de madeira, com comprimento variando entre 8 a 14 metros e, em geral, não autorizado.

A utilização da caçoeira intensificou-se nos últimos anos em função dos custos que, segundo os pescadores, são menores do que os dos manzuás, além do fato de que os barcos de menor porte têm mais dificuldade de operar com manzuá, devido à limitação de espaço. Alterações tecnológicas e operacionais tornaram essa arte da pesca, antes condenada como predadora, um apetrecho com nível de degradação ambiental aparentemente aceitável.

A pesca de mergulho com a utilização de compressores é um grave problema. Por limitações humanas, as operações são realizadas em águas com profundidade de até 20 metros, onde é maior a concentração de lagostas jovens, com comprimento abaixo do mínimo permitido pela legislação. Por sua vez, os pescadores mergulhadores não recebem qualquer treinamento - e isso é algo verdadeiramente criminoso - para exercer essa arriscada atividade, sendo freqüentes os acidentes, inclusive com vários casos de morte ou lesões definitivas do sistema nervoso central. Acrescente-se a isso os conflitos entre os pescadores. Aqueles que utilizam outras artes de pescas reclamam revoltados o roubo do material de pesca e produtos de pescarias que, segundo os mesmos, é praticado pelos mergulhadores. Trata-se de verdadeiro saque ou pirataria.

A pesca de unidades com tamanho abaixo do permitido constitui-se o mais sério problema que enfrenta o Ibama. Devido a grande quantidade de pequenas embarcações operando e a dispersão dos locais de desembarque, são muito grandes as dificuldades para implementar um efetivo controle. Embora a maioria das empresas processadoras não recebam a lagosta pequena, algumas o fazem visando, principalmente, a demanda do mercado externo. Além do mais, há comercialização no mercado interno. Há, portanto os corruptos que sobrevivem em função dos corruptores, aliás compradores em grande parte identificados.

Obviamente, a simples aplicação de uma forte fiscalização, diante do quadro atual, geraria conflitos com conseqüências imprevisíveis, pois entende-se que algumas normas têm que ser revistas. Existem localidades, por exemplo, onde operam dezenas de embarcações, todas sem permissão de pesca do Ibama.

As ações e medidas vêm sendo discutidas, não apenas em fóruns técnicos, como os Grupos Permanentes de Estudos - GPEs, promovidos pelo IBAMA, mas também com o segmento produtivo e autoridades municipais e estaduais, com vistas ao aprimoramento, sociabilização e aplicação das mesmas. No nosso entender, normas para serem cumpridas têm de ser compreendidas e aceitas pela maioria da sociedade.

Aqui, é importante enfatizar que na atual circunstância em que se encontra a pesca da lagosta, principalmente devido à grande quantidade e dispersão dos locais de desembarque, nenhuma medida que vise o controle da pesca de lagosta terá sucesso sem a efetiva participação das administrações municipais. O envolvimento destas em todas as fases da exportação lagosteira é fundamental, desde a captura até a comercialização, passando, obviamente, pela fiscalização e medidas de regulamentação, que deverão ser objeto de portarias e outras medidas jurídicas, discutidas com as comunidades como forma de dar maior aceitação às medidas.

A análise dos dados apontam para os dois mais graves problemas da indústria lagosteira do Estado do Ceará e, de resto, do Nordeste do Brasil: primeiro, o desequilíbrio populacional, pela excessiva redução dos estoques e, segundo, o aumento de custo de produção, conseqüência da redução da captura por unidade de esforço. Ressalte-se, ainda, que a estimativa da captura máxima sustentável foi feita considerando apenas a área compreendida entre os Estados de Pernambuco até o Ceará, e, hoje, a área de pesca vai desde o Estado do Pará até o Espírito Santo.

O Sr. Roberto Requião - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço o nobre Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - É simplesmente para louvar a preocupação de V. Exª com a perenidade da lagosta no litoral do seu Estado e do Norte do Brasil e deixar um testemunho. O Paraná é um Estado de pequeno litoral, qualquer coisa entre 60 e 80Km. E a pesca predatória acabou não só com a lagosta, mas com todas as outras espécies. Não temos mais lagosta, não temos mais camarão; e a pesca no litoral do Paraná, hoje, é um exercício de paciência que nunca chega a lugar algum. A sua preocupação e as medidas concretas que possamos tomar nesse sentido irão garantir a perenidade da pesca, a sobrevivência dos pescadores e a manutenção de uma atividade que garanta a subsistência e proteína para milhões de brasileiros.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador, V. Exª tem toda razão. Estados como o do Rio Grande do Sul, que tem uma intensa atividade pesqueira, como Santa Catarina e mesmo como o Paraná têm, hoje, essa atividade em franca decadência por uma série de razões, inclusive por uma pesca predatória que diminuiu muito a população de peixes e crustáceos, tornando a atividade pesqueira muito maior e antieconômica e, conseqüentemente, muito mais cara. De forma que é preciso que o Governo acorde para isso, inclusive depois de uma série de alterações na administração federal: extinguiu-se a Sudepe, criou-se uma Secretaria e, depois, colocaram tudo no Ibama, que teve que desenvolver uma atividade complexa. Isso porque, ao mesmo tempo em que ele tem que preservar e defender as espécies, ele teria que estimular a pesca honesta, decente e correta, que respeita o meio ambiente, além da defesa e preservação das espécies. Tudo isso não vem ocorrendo.

Eu teria que ler o restante do meu pronunciamento, mas vou concluir, justamente, por uma série de propostas que resultaram, no Ceará, desse diálogo entre pescadores artesanais, pescadores industriais, setores do Governo Estadual e Federal. Essas sugestões visam, de um lado, preservar as espécies; e, por outro, criar oportunidade de trabalho para toda essa legião de pescadores artesanais, empregados de grandes empresas que exploram a atividade pesqueira. Com tudo isso, a lagosta é o segundo item da pauta de exportações do Ceará; portanto, é uma atividade econômica importante. Acontece que os barcos estão obsoletos, precisando ser renovados; não há linha de financiamento para isso, e a atividade está entrando em franco processo de deterioração e decadência.

Sr. Presidente, volto à leitura do meu discurso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1996 - Página 6457