Discurso no Senado Federal

SOLIDARIZANDO-SE COM AS FAMILIAS ENLUTADAS PELO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DO DIA DO INDIO. A GRAVE QUESTÃO INDIGENA NO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA INDIGENISTA.:
  • SOLIDARIZANDO-SE COM AS FAMILIAS ENLUTADAS PELO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DO DIA DO INDIO. A GRAVE QUESTÃO INDIGENA NO PAIS.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1996 - Página 6544
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, ORADOR, LUTO, FAMILIA, SEM-TERRA, CONFLITO, POLICIAL MILITAR, ESTADO DO PARA (PA), CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, RESPONSABILIDADE, CONTROLE, POLICIA MILITAR.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, PRIORIDADE, REFORMA AGRARIA.
  • DENUNCIA, FALENCIA, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO, FALTA, INTERESSE, CULTURA, TRADIÇÃO, INDIO, APREENSÃO, CONTINUAÇÃO, GENOCIDIO, TRIBO.
  • CRITICA, BUROCRACIA, INEFICACIA, LEGISLAÇÃO, DEFESA, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, USINA HIDROELETRICA, ESTADO DE GOIAS (GO), ESTADO DO TOCANTINS (TO), TERRAS INDIGENAS, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL.
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DECRETO FEDERAL, REVISÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, PREJUIZO, LIBERAÇÃO, RECURSOS EXTERNOS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de prestar a minha solidariedade não só aos nossos Senadores do Pará, mas também à família enlutada nesse massacre ocorrido ontem.

Preocupei-me ao ver o último jornal na televisão, porque anunciava-se haver 11 mortos no conflito entre Israel e Líbia e, logo a seguir, disseram ter havido um massacre dos sem-terras. Lembrei-me que eles estiveram pacificamente nesta Casa, acompanhados de Diolinda, que veio agradecer a todos os que, por ocasião de sua prisão, nos manifestamos contrários. Convidaram-nos para uma grande peregrinação que iriam fazer em todo o País, com o intuito de sensibilizar o Governo Federal, o Ministro da Agricultura e o INCRA, para que a reforma agrária se fizesse neste País. Não me esqueci daqueles dias.

Quando vem a meu conhecimento, às 14 horas de hoje, que há mais 50 feridos e 29 mortos entre os sem-terras, e que existem outros gravemente feridos, preocupa-me demasiadamente.

Uma criança de 3 anos morreu, o que me fez lembrar das manifestações que tenho visto pela televisão, um protesto bem cinematográfico, mostrando pessoas portando bandeiras, pronunciando palavras de ordem, pedindo pão e terra, pelas ruas de nossos Estados. Vimos hoje que, ao pedir pão e terra, e ao fazer um ato de protesto, bloqueando uma rua, os manifestantes não se encontravam em nenhuma fazenda, estavam apenas bloqueando uma rua, um ato pura e simplesmente de protesto, chamando a atenção para as suas necessidades.

Vimos que também houve uma autorização para que pudessem acabar com aquele bloqueio dado pelo Governador Almir Gabriel, a quem tenho um apreço pessoal, pois foi um companheiro na Câmara dos Deputados, um homem de diálogo, foi o signatário de várias propostas para a reforma agrária neste País e compreende que existe um conflito iminente da polícia. Não poderia S. Exª autorizar a intervenção da polícia sem tornar-se responsável pelo massacre.

Sei que não é fácil governar. Tenho tido todo o cuidado de não imputar aos governantes, quer sejam dos municípios, Estados ou da Presidência da República, responsabilidades que fogem ao seu controle. Mas é preciso que tenha S. Exª a sensibilidade de entender que, se a polícia foi às ruas cometer tal atrocidade, é evidente que o Governador não teve controle sobre o ato, mas deveria ter tido controle da polícia, evitando assim esse massacre.

Não podemos sequer ver quão cinematográfica foi a passeata dos sem-terra, porque a fita de vídeo foi tomada. O chefe de polícia, responsável pela operação, já foi exonerado.

Mas não basta isso. Não me basta falar apenas do nosso Governador Almir Gabriel. Não! Quero ir além, quero falar da responsabilidade do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que, ao colocar seu amigo e companheiro fiel no Incra, deu para o mundo a expectativa, a esperança de que estava priorizando a reforma agrária. Essa prioridade, nós queremos, neste momento, cobrar do Presidente da República.

Não podemos assistir novamente à prisão da Diolinda Alves de Souza e apenas dizer que é caso de justiça. Foi um grande seqüestro, o que realmente aconteceu.

Não se pode, evidentemente, aceitar que essa população, que já é carente, seja abandonada. Ela procura, naturalmente, um apoio e não o tem encontrado.

Fomos informados de que amanhã, às 17h30min, o Presidente da República irá receber a comissão. Espero que, nos entendimentos feitos, Sua Excelência não nos faça confiar pura e simplesmente na sua palavra mas também na sua autoridade e determine como prioridade a reforma agrária já.

Mais do que procurar culpados e responsáveis, vamos procurar o Presidente da República, porque Sua Excelência exerce a autoridade maior, capaz de dar início à implementação da reforma agrária.

O outro assunto que me traz a esta tribuna é o Dia do Índio, a ser comemorado amanhã. Já votamos aqui na Casa favoravelmente à realização de uma sessão de homenagem. Tenho participado, todos os anos da minha vida parlamentar, das homenagens aos índios. Hoje quero fazer um pronunciamento que acredito ser duro. Não agüento mais ficar homenageando índio com discursos e não ver acontecer absolutamente nada.

Como representante do Rio de Janeiro no Senado da República e identificada com a questão do meio ambiente e das minorias, quero aproveitar o dia de hoje, quando estamos às vésperas das comemorações do Dia do Índio, para denunciar a falência do Estado brasileiro no trato da questão indígena. 

Desde os tempos em que as caravelas portuguesas encalharam no Continente sul-americano, as nações indígenas brasileiras têm sido submetidas à mão pesada da escravidão e do extermínio.

Naquela época existiam aproximadamente um milhão de índios espalhados pelo litoral. Eram os Tupinambás, no Rio de Janeiro; os Potiguaras, no Rio Grande do Norte; os Tamoios, no Espírito Santo. Toda essa gente vivendo com total liberdade.

Pois bem, de toda essa gente, existem apenas alguns milhares. Nações e nações com identidade própria foram sendo dizimadas, primeiro pelas pestes trazidas por marinheiros, depois pelos jesuítas, pelos colonos, latifundiários e escravagistas.

E o que é mais grave: esse lento processo de destruição continua sendo encoberto criminosamente pelo manto da indiferença de sucessivos governantes, que teimam em não reconhecer os índios como legítimos precursores da Nação brasileira.

A indiferença vem do fato de que muitos dos nossos contemporâneos renegam as verdades do passado. Desprezam a cultura, as tradições, os direitos e não se envergonham de faltar com o respeito a seus antepassados.

Esse tem sido o comportamento de nossos homens de governo e suas instituições ao longo de desenvolvimento de nosso País. A História mostra-nos que não aprendemos nada. Lamentavelmente, os erros do passado continuam repetindo-se. A tragédia dos povos indígenas ainda está presente em nosso dia-a-dia, diante de nossos olhos. Aqui mesmo, pertinho de Brasília, sofrem os Avá-Canoeiros.

Se antes nossos índios tombaram indefesos diante de um conquistador prepotente e ignorante, hoje a realidade deveria ser bem menos dolorosa, mas, infelizmente, não o é. Nosso índio continua indefeso diante de um inimigo ainda mais perigoso, um inimigo que ele não pode ver, que não está na floresta e com ele não pode lutar para se defender.

Estou falando da nossa burocracia institucionalizada e das nossas leis falidas, burocracia que atrasa a demarcação das reservas e facilita a invasão e a exploração indiscriminada de seus territórios. Estou falando de um conjunto de leis que os nossos governantes teimam em não tirar do papel, leis volúveis, sem perenidade; leis que não dão garantia, que não protegem; leis contraditórias.

Se não vejamos:

Há poucos dias o Governo Federal mandou para o Congresso uma mensagem pedindo autorização para a construção, em terra dos Avá-Canoeiros, da Hidrelétrica de Serra da Mesa. Os Avá-Canoeiros estão na divisa dos Estados de Goiás com Tocantins, a pouco mais de 250 quilômetros de Brasília.

Louvemos essa iniciativa, apesar de a usina já estar sendo construída à revelia do Congresso há bastante tempo.

Mas deixar estar...

Afinal, a partir da Constituição de 88, nada poderia ser feito em terra indígena sem a autorização do Congresso.

Sem a menor cerimônia, o Governo tem dado com uma mão e tomado com a outra.

Vejam só, senhoras e senhores:

Recentemente o Sr. Ministro da Justiça, Nelson Jobim, propôs uma nova mudança na lei, e o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou embaixo.

Estou falando desse verdadeiro absurdo que é o Decreto nº 17.775. Esta matéria, que é do conhecimento de todos, cria o recurso do contraditório.

Por esse instrumento, grandes latifundiários, empresas de mineração e madeireiras reconquistam o direito de recorrer à Justiça para questinar a posse de terras indígenas já demarcadas.

A contradição é flagrante, claríssima. Se, por um lado, o Governo reconhece o território Avá-Canoeiros, tanto que encaminha mensagem ao Congresso pedindo para atuar na reserva, por outro, resgata o direito de aventureiros questionarem a posse desse mesmo território.

E é exatamente isso que está acontecendo com as terras do Avá-Canoeiros: grileiros inescrupulosos estão reivindicando na Justiça o direito das terras da região de Serra da Mesa.

Essa desorganização, esse descaso, essa irresponsabilidade para com nossos irmãos índios estão causando prejuízos ainda maiores. Assustados com as constantes mudanças nas leis brasileiras, organismos internacionais enchem-se de desconfiança e, com razão, começam a criar obstáculos para a liberação de recursos para a demarcação de terras.

O Sr. Ministro da Justiça, Nelson Jobim, é responsável por mais essa confusão legal. Numa hora, ele fuma o cachimbo da paz no seio das nossas comunidades indígenas; noutra, abre uma entrada pela porta dos fundos para que os inimigos de nossos índios possam entrar em suas aldeias e continuar o processo de destruição e extermínio.

Mas desta vez esse governo teve que corer atrás do prejuízo.

.Nosso Ministro da Justiça foi à Comunidade Econômica Européia dar explicações mas não convenceu ninguém. As reações internacionais, não só do Parlamento Europeu mas também de organizações não-governamentais, foram imediatas. O compromisso da Comunidade Internacional em ajudar a demarcação de terras indígenas brasileiras foi assinado durante a ECO 92, no Rio de Janeiro, meu Estado, pelo chamado Grupo dos Sete. Naquela época, as leis eram umas, agora são outras.

A edição do Decreto nº 17.775 gerou intranqüilidade e desconfiança quanto à seriedade do atual Governo de nosso País no tratamento dessa matéria.

Por que gastar com demarcação de terras indígenas se a posse dessas áreas pode voltar a ser questionada? Por que desperdiçar recursos em um País onde as leis mudam ao sabor de seus governantes? Enquanto se espera uma resposta a essas perguntas, cerca de US$22 milhões estão sendo bloqueados, ampliando o desespero de nossas nações indígenas.

A matança ainda não terminou. Se antes as chacinas aconteciam à beira-mar, aos olhos de quem quisesse ver, hoje acontecem longe da civilização, no meio das florestas, principalmente nas regiões interioranas e de fronteira, ainda mais desassistidas.

Nossos índios estão sendo espremidos. A falta de liberdade para ir e vir, para caçar e pescar está matando um número extremamente alto de jovens índios Kayovás, em Dourados, a 223km de Campo Grande, no Mato Grosso.

Neste momento, índios do Pará, Mato Grosso do Sul e Tocantins estão mobilizados para tentar evitar o extermínio da nação Kayová. Desesperados com as disputas territoriais, com as invasões de terras e com a depredação ambiental, eles estão se suicidando.

Vejam a que ponto nós chegamos. Enquanto assistimos a esse verdadeiro assalto, e a Funai vende camisetas em Copacabana, numa campanha desacreditada. Índios Txukahamães, Carajás, Tucanos e Xavantes se unem em solidariedade ao que resta dos Kayovás.

Mas esses são problemas de índios que estão convivendo entre nós, que já nos conhecem, que já estão acostumados com a nossa convivência. O que dizer, então, dos que ainda continuam isolados, de nações puríssimas, que ainda não foram sequer identificadas? Estas também continuam sendo massacradas impiedosamente. É o caso dos Korubó, que vivem na região entre os Rios Itu e Itaqui, na fronteira do Brasil com o Peru, na região conhecida por Javari, no Alto Solimões.

Nessa região, ainda vivem mais quatro grandes grupos isolados, que nunca tiveram contato com a chamada civilização. Essas nações existem desde a época do descobrimento. São índios que, milagrosamente, continuam mantendo suas culturas e suas tradições ao longo dos anos. Esses ainda vivem, mas, infelizmente, sem saber dos perigos que os cercam. Mas nós sabemos dos perigos.

Do lado brasileiro, eles estão cercados por madeireiros e garimpeiros que agem indiscriminadamente com a cumplicidade das autoridades. Invadem seu território, colhem minério, madeira, peixe, caça, sem o menor constrangimento.

Do lado peruano, estão as plantações de cocaína, com seus traficantes criminosos.

A matança continua. Em 1989, corpos foram resgatados dessa região por sertanistas da Funai, após um combate com pistoleiros brancos. Os autores foram identificados, a Polícia Federal abriu inquérito, um processo foi instaurado na Justiça Comum e até hoje nenhum dos acusados foi punido.

Assim, como os Korubó do Alto Solimões, centenas de índios puros ainda vivem arredios, sobrevivendo em pontos isolados da Amazônia. São remanescentes, restos de nações, um patrimônio cultural que nossos governantes, de maneira irresponsável, estão deixando à mercê de sua própria sorte.

Amanhã, quando se comemora o Dia do Índio, vai ser um dia triste, pelo menos para mim. Vou ter que voltar a denunciar que aqui viveram índios de cerca de 220 etnias, falando 190 línguas e dialetos que hoje não existem mais. Vou ter que lembrar dessa riqueza que tivemos e perdemos. Vou ter que lembrar que, dos 3 milhões de índios que tivemos, hoje sobraram apenas cerca de 300 mil, 10% da população original.

Vou ter que lembrar, Srªs e Srs. Senadores, que 90% dos nossos irmãos das florestas, mais de dois milhões e meio de índios, já estão mortos. Vou ter que lembrar que nós, Parlamentares, temos o dever de olhar para essas nações, para os povos das florestas e buscar soluções para evitar que, de governo em governo, se façam e desfaçam leis sem respeitar os povos que viveram aqui muito antes de nós.

O Sr. Romero Jucá -V. Exª me concede um aparte?

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senadora Benedita da Silva, sei que já está definida uma sessão na próxima semana, dia 23, para se homenagear o Dia do Índio. Será, penso, o momento oportuno para se discutir, em detalhes, a questão indígena brasileira. Gostaria apenas de dar algumas informações e discordar de V. Exª em alguns pontos. Primeiro, gostaria de dizer que ressalto, e é da maior importância, a preocupação de V. Exª com a questão do índio brasileiro. Sem dúvida alguma, o índio brasileiro deve ser uma preocupação de toda a sociedade brasileira. A questão indígena, que diz respeito somente ao interesse de alguns setores específicos, é mal conhecida no Brasil. A sociedade brasileira não participa e não conhece a importância e a riqueza do índio para o nosso País. Gostaria de discordar basicamente de três pontos: o primeiro é o de que houve uma política genocida segundo a qual o Governo brasileiro, deliberadamente, procurou acabar com o índio brasileiro. Isso não é verdade, muito ao contrário. Diria que, se formos olhar e comparar a atuação do Governo brasileiro e, especificamente, a atuação das Forças Armadas do Exército brasileiro na questão indígena, vamos constatar que, no Brasil, por exemplo o patrono da questão indígena é o Marechal Rondon, que consagrou a sua vida em defesa dos índios. Diferentemente, no exército americano, a questão indígena é ligada ao General Custer, conhecido por acabar com os índios nos Estados Unidos. Se formos para a Austrália, vamos ver também que a política do governo australiano na ocupação da Austrália foi uma política de caça aos índios, de extermínio dos índios australianos. Então, podemos reconhecer que existem extremas dificuldades com o índio brasileiro, que o Governo brasileiro e a Funai são inoperantes para dar a assistência que o índio brasileiro precisa ter. De outro lado, temos que reconhecer que, na sociedade, nas Forças Armadas e no Governo, sempre houve uma preocupação de preservar as comunidades indígenas. É claro que essa preocupação nem sempre tem como rebatimento, em termos operacionais, uma realidade que dê ao índio o que ele precisa ou o que ele merece. Mas, na verdade, não há e nunca houve, pelo menos na história recente do País, nenhum tipo de ato deliberado de agressão às comunidades indígenas. E uma prova disso - é o segundo comentário que quero fazer - é que, exatamente por conta da importância institucional que sempre se deu ao índio brasileiro - em termos de território, em termos de espaço, o índio brasileiro dispõe de áreas reservadas ou áreas programadas para reservas -, hoje cerca de 8% do território nacional estão sendo administrados pela Funai. Isso demonstra, pelo menos, uma intenção de prioridade quanto à questão da demarcação. Existem falhas? Existem. A Constituição deveria ter sido cumprida e, nos cinco anos subseqüentes a 1988, deveriam ter sido demarcadas as terras indígenas? Deveriam. Mas isso não foi feito; portanto, penso que temos que unir esforços. Vou fazer um pronunciamento na sessão solene do Dia do Índio sobre essa questão. Durante o Governo do Presidente José Sarney, tive a honra de presidir a Funai por três anos. Posso dizer que fui o Presidente da Funai que mais demarcou terras indígenas; o Presidente José Sarney foi o Presidente da República que mais garantiu terras ao índio na História do Brasil. Mas ainda há muito o que fazer. A última observação que gostaria de fazer, para não esgotar o seu tempo, é que entendo que, no Governo do Presidente Fernando Henrique, está-se direcionando a questão indígena para a busca de uma solução. Se formos analisar, por exemplo, os Presidentes da Funai que foram nomeados pelo Presidente Fernando Henrique, verificaremos que Sua Excelência está procurando um caminho. O ex-Deputado Márcio Santilli, Presidente de uma organização não-governamental durante o Governo do ex-Presidente José Sarney, fazia oposição ao tipo de atuação que havia na Funai. S. Exª foi Presidente da Funai e de lá saiu recentemente. O atual Presidente da Funai é o advogado Júlio Geiger, que era advogado do Cimi da Igreja Católica. Tivemos vários embates sobre essa questão. Com isso, vemos que o Presidente Fernando Henrique está procurando acertar. Mas, efetivamente, o caso é muito difícil; a questão indígena é muito complexa. Deixo aqui essas observações e me resguardo para falar na sessão do dia 23, para que possamos discutir abertamente, com mais tempo, a questão do índio, que é grave e complexa, mas que, na verdade, não tem o tipo de conotação institucional que, infelizmente, V. Exª lhe está impondo.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Primeiramente, gostaria de agradecer o aparte de V. Exª, Senador Romero Jucá. E lamento profundamente que eu tenha que concluir o meu discurso, não só devido ao horário do meu vôo, mas também porque, por um gesto de gentileza, tive o privilégio de falar antes do próximo orador inscrito. Gostaria de não tomar todo o tempo, para que o mesmo possa se pronunciar. Mas não poderia deixar de resgatar o assunto.

O meu discurso está escrito e existem as notas taquigráficas. Em momento algum, disse que o Governo, deliberadamente, estava fazendo extermínio dos índios. Entretanto, de governo em governo, a situação continua praticamente na mesma, porque até hoje o índio foi tutelado, não só pelos coronéis, mas também pelos governantes, por uma elite, pelos doutores.

Sabemos perfeitamente que o que estamos realizando hoje, demarcando terras indígenas, nós o fazemos como uma concessão, não como um reconhecimento. Quando se descobriu o Brasil, não acredito que os indígenas brasileiros estivessem perdidos; eles estavam nesta terra. Essa é uma discussão que precisamos ter. Não dá para comemorar, não dá para apenas mudar presidente da Funai e não garantir ao índio seu direito fundamental.

Eu, como mulher negra, cheguei colonizada. Meus ancestrais vieram da África e aqui foram escravizados. Os índios, contudo, já se encontravam aqui.

Se formos nos aprofundar nessas questões, veremos que esse extermínio, esse genocídio, está sendo feito há muito tempo. Portanto, não se pode esperar que, neste momento, apenas com pronunciamentos, solucionemos essa questão.

Entretanto, há que se cobrar dos que governam e que têm o poder para fazê-lo. Devemos deixar claro que o que estamos fazendo nada mais é do que um direito adquirido da comunidade indígena; não se trata de uma concessão nossa, das etnias privilegiadas que têm representação política, que falam perfeitamente o idioma português-brasileiro e que podem disputar esses espaços que a natureza gentilmente ofertou a cada um de nós brasileiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1996 - Página 6544