Discurso no Senado Federal

'DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • 'DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO'.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1996 - Página 7480
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, TRABALHADOR, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO.
  • ANALISE, PROBLEMA, DESEMPREGO, AMBITO INTERNACIONAL, SUGESTÃO, TURISMO, APOIO, MICROEMPRESA, CRIAÇÃO, EMPREGO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

- 1º DE MAIO -

DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

"Não sois máquinas! Homens é que sois!"

Charles Chaplin

"Nosso suor sagrado, é bem mais belo que esse sangue amargo"...

Renato Russo-compositor

Os trabalhadores de todo o mundo estarão celebrando amanhã, mais uma vez, o 1º de maio, dia de festa e luta, data universal do trabalho.

Instrumento de todo o progresso ocorrido ao longo da história da humanidade, ainda na antiguidade toda a arquitetura, a arte, a filosofia, todo o conhecimento e as conquistas da Grécia e do Império Romano tinham, como suporte, o esforço e o sacrifício de uma massa de indivíduos que, transformados em máquinas, produziam até a exaustão completa. Era um regime de trabalho escravista, quando os povos conquistados serviam aos vitoriosos das guerras, àqueles que passavam a ser seus amos e senhores.

Na idade média a existência do povo ainda era regulada pelo máximo de trabalho possível. Camponeses lavravam a terra e artesãos fabricavam todo o tipo de instrumento ou utensílio por 16, 17 horas ininterruptas. Por toda a longa passagem do feudalismo para o capitalismo, registraram-se revoltas de camponeses e de artesãos - precursores da classe operária - por condições mais justas de vida. Em 1531, na cidade de Lucca, Itália, aprendizes de artesãos fizeram uma manifestação pedindo fixação de um salário e menor tempo de trabalho. Era o dia 1º de maio, uma grande coincidência histórica.

Esse foi o período do prelúdio da escravidão negra no Brasil. Não poderia deixar de lembrar - na véspera do dia internacional do trabalho - os milhões de seres humanos arrancados de suas pátrias africanas, trazidos feito animais nos porões dos navios negreiros, para servirem de mão-de-obra nas lavouras, nas olarias, nos moinhos, nas casas, enfim, para construírem, com suas mãos calejadas, seus corpos marcados, suas almas consternadas, a grandeza da colônia portuguesa, sob o domínio do império espanhol. Não poderia deixar de fazer o meu registro e a minha homenagem à história de trabalho, resistência e luta dos trabalhadores negros, durante os séculos de cativeiro no Brasil, quando escravizados pela cobiça, pelo egoísmo e pela ignorância, insurgiram-se e organizaram-se em quilombos numa luta incessante por trabalho e vida livres.

Foi na idade moderna que as lutas sociais tomaram corpo. No dia 1º de maio de 1886, enquanto no Brasil ainda vigorava a escravidão, as entidades sindicais americanas decretaram uma greve nacional pela jornada de 8 horas de trabalho. A violência com que foi reprimida e a punição das lideranças, quando cinco operários foram condenados e enforcados, vieram dar origem ao 1º de maio como dia internacional da luta operária.

Seis anos depois do enforcamento, a revisão do processo que condenou os cinco operários à forca desmentiu a lisura do julgamento. O governador de Illinois proclamou que a sociedade havia assassinado aqueles trabalhadores, cujo único crime foi o de lutar por seus direitos. Esse dramático acontecimento histórico abriu caminho para as conquistas sociais que, dali por diante, não pararam de suceder-se.

Os trabalhadores brasileiros passaram a fazer parte desse grande exército internacional de combatentes. A primeira comemoração do dia do trabalho no Brasil aconteceu em Santos, em 1895. A luta operária adentrou o século XX cheio de episódios violentos. No Brasil, até 1930, o problema social era considerado sempre um"caso de polícia". Com o presidente Getúlio Vargas é que uma nova concepção legal passou a ditar o relacionamento entre patrões e empregados, a partir da CLT.

De 1930 até os dias de hoje, importa reconhecer que os trabalhadores conquistaram avanços significativos. A Assembléia Nacional Constituinte introduziu na Lei Maior alguns direitos sociais da maior importância. A jornada semanal de trabalho diminuída de 48 para 44 horas; Turnos ininterruptos não maiores do que 6 horas; Hora extra paga com 50% a mais da hora normal; Licença maternidade de 120 dias; Indenização por demissão imotivada e o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. São dispositivos constitucionais que vieram garantir a valorização do exercício da profissão de trabalhadores, homens e mulheres, que verdadeiramente constroem o País.

Uma atenção especial merecem os nossos aposentados, há tantos anos vivendo em situação aflitiva e até passando necessidades por conta da deteriorização dos seus proventos. Embora a Lei determine que os reajustes devem acompanhar os salários dos trabalhadores da ativa, muitas irregularidades e desmandos são constatados na aplicação da lei com relação aos proventos da categoria. Aos aposentados e pensionistas é necessário ainda uma atenção redobrada, mais por parte de governantes do que de legisladores, no sentido de garantir efetivamente uma aposentadoria descente, capaz de permitir-lhes desfrutar com tranqüilidade e dignidade seus dias de descanso.

Todavia, as conquistas sociais que os direitos constitucionais dos trabalhadores representam estão sendo contestadas a partir de projetos de reforma na Constituição, que visam suprimir muitos desses direitos. Temos a convicção de que os direitos dos trabalhadores, constantes do texto constitucional não podem e não devem ser suprimidos sob pena de estarmos retrocedendo no processo democrático que logramos atingir. O papel do trabalhador brasileiro está valorizado no texto constitucional. Devemos garantir a permanência desses direitos na nossa legislação, já que relativamente ao cumprimento dessa legislação existe, ainda, um caminho longo a se percorrer.

Teoricamente estão os cidadãos brasileiros assegurados em direitos admiráveis, mas com o fantasma do desemprego assombrando o mundo todo - em particular o nosso país com o agravante dos baixos salários - poderíamos afirmar que enquanto a Constituição desenha o paraíso a realidade assegura o inferno.

A questão do desemprego é um problema mundial. Itália, Alemanha, Estados Unidos, França, etc., buscam soluções através de políticas sociais e econômicas que possam atender à demanda crescente de trabalho em detrimento da diminuição de oferta de postos de serviço. A globalização da economia substitui o homem pela tecnologia, pela máquina, criando uma competição selvagem e uma angústia que gera a seguinte pergunta: a tecnologia e a globalização da economia vêm para aliviar o trabalho da humanidade e simplificar as relações internacionais ou para sepultar a importância da criatividade e do esforço humano alimentando o monstro que está sendo gestado: o desemprego mundial?

A tecnologia substitutiva cresce em proporção geométrica contra a progressão aritmética de criação de empregos, mesmo nos países onde há grande crescimento econômico. No Brasil, este quadro se agrava muito em função de uma política econômica recessiva, que busca dar sustentação à moeda implantada recentemente. Em nome da estabilidade que se deseja atingir, se estabelece a defasagem cambial. O dólar vale em março de 1996 o mesmo que valia em julho de 1994. No entanto, a moeda brasileira carrega uma inflação em torno dos 50%, quer dizer, o dólar está subvalorizado e o real supervalorizado, tirando competitividade interna e externa aos produtos brasileiros.

A carga tributária cumulativa, que incide apenas sobre produtos brasileiros e não sobre os estrangeiros, e os juros elevados são outros dois fatores que tendem a contribuir para o desemprego. Qualquer produto estrangeiro é financiado a custo infinitamente menor que os produtos brasileiros. O desemprego passa a ser solução para uma economia que é mantida em recessão para que o mercado não se expanda, coibindo assim a inflação. Todavia, ao apostar nessas diretrizes políticas para conter a inflação o governo federal está cometendo um grande equívoco. Quem afirma é a Organização Internacional do Trabalho que vê o movimento contrário de vários outros países: Os Estados Unidos, por exemplo, estão saindo de um período recessivo devido à baixa dos juros. Com o dinheiro mais barato há mais crédito, mais consumo e mais produção. Assim controlar muito bem suas taxas de desemprego.

A globalização da economia, sem mecanismos de defesa interna, tem levado o Brasil a ser um excelente gerador de empregos fora do país. Enquanto isso, as previsões para o mercado de trabalho interno não são nada alentadoras. Temos cerca de 4,4 milhões de desempregados e 12 milhões de subempregados, ganhando menos do que um salário mínimo. Desde que o crescimento começou a ser contido, em maio do ano passado, o desemprego não para de crescer. Segundo dados do IBGE, o desemprego estará atingindo 10% da população economicamente ativa em 1998, quando a maior parte das empresas já terá realizado seu processo de enxugamento. Isso significa 7,1 milhões de brasileiros, sem contar suas famílias.

O país deve procurar urgentemente caminhos para retomar seu crescimento econômico. A indústria do turismo tem sido a maior geradora de novos empregos no mundo inteiro. Com o nosso enorme potencial turístico cabe perguntar se o turismo não seria uma das grandes alavancas da retomada do crescimento econômico. Muitos países estão encontrando aí uma solução para a crise do desemprego. É preciso que se dê o devido tratamento à atividade turística, geradora de riquezas e novos empregos. Esperamos que o Plano Nacional de Turismo, lançado recentemente pelo governo federal, venha auxiliar no incremento efetivo de um setor tão potencialmente rico mas, infelizmente, até agora, ainda não tratado com a seriedade necessária.

Outra perspectiva de geração de novos postos de trabalho é o novo estatuto da Micro e Pequena Empresa, que está tramitando no Congresso, pois virá simplificar e baratear o registro e o funcionamento de um setor da economia reconhecidamente expressivo na geração de riquezas e bem-estar social. O Congresso Nacional tem um papel fundamental no sentido de agilizar a tramitação da matéria, dando um texto final que venha ao encontro dos verdadeiros interesses da Nação.

Ao manifestar meu apreço à classe trabalhadora do País, ressalto a impossibilidade de convivência dos dois brasis - o real e o imaginário.

O Brasil real é aquele em que a classe trabalhadora passa dificuldades, e até mesmo a classe empresária reconhece a necessidade de fortalecer o salário dos menos privilegiados, como forma de incentivar o consumo interno, pois os salários pagos no Brasil estão entre os mais baixos do mundo.

Em relação ao Brasil imaginário, estou convencida de que as distâncias salariais entre a menor e a mais alta remuneração respondem pelos desníveis sociais que envergonham a todos nós, concorrendo para o clima de desequilíbrio da economia e para os índices de pobreza, que devemos repudiar por serem injustos e perversos. A massa trabalhadora é também a massa consumidora - em outras palavras, que o crescimento das empresas, a prosperidade nacional dependem da remuneração do trabalhador. São partes de um mesmo processo.

A conjuntura atual de dificuldades deve constituir-se em desafio para alcançarmos dias melhores, nesta trincheira de lutas em que, ombro a ombro, nos encontramos, movidos pela responsabilidade de legarmos às gerações futuras um Brasil mais justo, mais humano e mais democrático.

Tenho uma vívida esperança de que o Brasil ultrapasse estes dias difíceis para dar ao seu povo, em especial aos trabalhadores do campo e da cidade, um padrão de vida à altura do seu valor e do seu merecimento.

A todos os trabalhadores do Rio de Janeiro, sem qualquer distinção, e a cada um em particular, transmito o meu abraço solidário, na certeza de que as minhas ações como representante daquele estado estarão sempre voltadas para a defesa dos seus interesses, que se confundem com a vontade da Nação: Uma crescente prosperidade para os seus filhos, com justiça e paz para todos.

Na véspera do dia 1º de maio, comemorado internacionalmente como o dia do trabalho, rendo minhas homenagens à memoria de todos os brasileiros trabalhadores rurais, mortos na luta por terra e liberdade. Rendo minhas homenagens à resistência heróica de trabalhadores que lutaram contra a injustiça, a fome, o desemprego e a miséria. Homens e mulheres que morreram na esperança do direito à vida e ao trabalho. A esses guerreiros forjados na luta pela sobrevivência, heróis e mártires exemplos para gerações futuras o meu mais solidário abraço.

Era o que tinha a dizer!

Muito Obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1996 - Página 7480