Discurso no Senado Federal

PERPLEXIDADE DE S.EXA. COM A PESQUISA PUBLICADA PELO JORNAL DE BRASILIA, EDIÇÃO DE ONTEM, NA COLUNA PLANO GERAL, CONSTATANDO QUE BRASILIA CUSTOU, DESDE SUA FUNDAÇÃO 155 BILHÕES, CLASSIFICANDO-A COMO UMA 'USINA DE DESPERDICIO'.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • PERPLEXIDADE DE S.EXA. COM A PESQUISA PUBLICADA PELO JORNAL DE BRASILIA, EDIÇÃO DE ONTEM, NA COLUNA PLANO GERAL, CONSTATANDO QUE BRASILIA CUSTOU, DESDE SUA FUNDAÇÃO 155 BILHÕES, CLASSIFICANDO-A COMO UMA 'USINA DE DESPERDICIO'.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1996 - Página 7155
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • CRITICA, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF), RELAÇÃO, DESPESA, CUSTO OPERACIONAL, CONSTRUÇÃO, CAPITAL FEDERAL.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é improvável que outra cidade, em qualquer época, tenha sido alvo de tantas críticas e impropérios como Brasília. Sem exagero, pode-se dizer que Brasília começou a ser criticada antes mesmo de existir. Basta consultar os Anais desta Casa ao tempo em que sua construção apenas iniciava-se.

Havia as queixas dos que sentiam seu status quo atingido pela transferência da Capital. E havia os que buscavam apontar zonas de suspeição no processo de construção da nova Capital para tentar atingir o Governo JK e daí extrair dividendos políticos.

O tempo foi gradualmente reduzindo essas queixas e críticas à sua real dimensão, e Brasília foi-se impondo, aos poucos, como Capital do País e fator de integração nacional, como sonharam os seus construtores.

Hoje a cidade integra o patrimônio artístico e cultural da Humanidade, assim classificada pela UNESCO. E confere à máquina administrativa dos três Poderes e ao corpo diplomático internacional aqui acreditado as condições de operacionalidade incomparavelmente superiores às vigentes na antiga Capital, o Rio de Janeiro.

Não há como negar o conforto e a funcionalidade que a cidade proporciona aos que nela habitam e trabalham.

Não obstante, as críticas não cessaram. Há os que debitam à cidade responsabilidade por atos lesivos praticados por homens públicos, como se a ela coubesse a primazia de inaugurar a prática de corrupção na História do Brasil - quiçá do mundo. Demonstram assim não conhecer nem a História do Brasil, nem tampouco a da Humanidade.

Nós, brasilienses, costumamos dizer que a corrupção aqui viaja pela ponte aérea. Vem de fora. Em regra, é isso mesmo. Basta ver que na recente CPI do Orçamento, que expôs as vísceras do Poder Legislativo, não havia um único político de Brasília entre os punidos por corrupção.

Faço este preâmbulo, Sr. Presidente, para registrar minha perplexidade em relação a mais uma investida contra nossa capital. Informa o Jornal de Brasília, coluna "Plano Geral", edição do último dia 24, que pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, sob a responsabilidade do Professor Ib Teixeira, constata que Brasília custou, desde sua fundação, R$155 bilhões - mais do que a dívida externa - e classifica a cidade como uma "usina do desperdício".

A pesquisa é interessantíssima, sobretudo porque não esclarece que critérios foram utilizados para chegar-se a este número. Há dados absolutamente aleatórios, como, por exemplo, este: desde sua fundação até hoje, diz a pesquisa, Brasília gastou, em obras civis, R$35 bilhões. Muito bem: e daí? Nem todas essas obras civis - a maioria, aliás - são públicas. Não dá, pois, para misturar as coisas.

Como enfiar no mesmo saco o custo de construção de um bem público - a sede de um tribunal, por exemplo, que atenderá a interesses de toda a Federação e será custeado com dinheiro do Erário, e um edifício residencial da Encol, que atenderá a interesses apenas da cidade, será custeado com dinheiro privado, gerará empregos diretos e indiretos e farta receita de impostos?

Como simplesmente afirmar que "desde sua fundação até hoje, Brasília gastou R$35 bilhões em obras civis"? E São Paulo, por exemplo, quanto gastou em obras equivalentes nestes últimos 36 anos? E o Rio? Certamente, bem mais, tanto em obras públicas como privadas.

A pesquisa, como se vê, é um primor de profundidade. Não menciona, por exemplo, quanto Brasília gerou em receita para a União. Esta é uma das cidades que mais paga imposto de renda per capita no País. Quanto desse imposto retorna à cidade? E os serviços prestados como sede dos três Poderes e hospedeira do corpo diplomático?

O alvo central da pesquisa, fica-se sabendo logo a seguir, quando se afirma que: "Com esses dados em mãos, deputados que defendem o fim da autonomia do DF podem fazer miséria." Trata-se, pois, de mais uma ofensiva contra a cidade, felizmente menos arguta e menos consistente que outras produzidas no passado.

Brasília, pelo que se vê, já teve adversários mais inteligentes.

Ao afirmar que a cidade é uma "usina de desperdício", a pesquisa, intencionalmente ou não, confunde a Capital, instância geográfica, com o Estado que a sedia. Sabemos que o Estado brasileiro, desde sua origem, tem o mau hábito de gastar mais do que arrecada.

No curso do tempo, gerou-se esse monstrengo, que o Governo Fernando Henrique tenta reformar. Fosse a capital no Rio de Janeiro, Salvador ou Curitiba, a situação não seria diferente.

Não se trata de imperativo de geografia. Não são os ares do cerrado que inspiraram os responsáveis pela despesa pública a mantê-la acima das possibilidades do Tesouro. Esse desvio de ótica é antigo e tem raízes no Paço de Lisboa, na cultura patrimonialista gerada por nossa origem lusitana e cultivada laboriosamente ao longo dos séculos.

Como dizia Nélson Rodrigues, subdesenvolvimento não se improvisa. É fruto de longa e paciente construção.

A quebra dessa mentalidade é o grande desafio do presente processo de reformas. Brasília não é ré desse delito. É, antes, como todos os demais brasileiros, sua vítima.

O mínimo que posso dizer dessa pesquisa, cujas formulações básicas o Jornal de Brasília acaba de publicar, é que não honra as tradições de inteligência e saber que cercam os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas. Lamentamos o desperdício de tempo e de mão-de-obra.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1996 - Página 7155