Discurso no Senado Federal

MANIFESTAÇÃO SOBRE O CONFRONTO ENTRE OS SEM-TERRA E A POLICIA, NO ESTADO DO PARA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • MANIFESTAÇÃO SOBRE O CONFRONTO ENTRE OS SEM-TERRA E A POLICIA, NO ESTADO DO PARA.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1996 - Página 7162
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, ANALISE, CONFLITO, TRABALHADOR RURAL, POLICIA MILITAR, ESTADO DO PARA (PA), URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, APURAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, MORTE, SEM-TERRA, ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Para comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de me manifestar com relação ao episódio do Pará. O momento requer de todos nós reflexão, compreensão, solidariedade e compromisso.

A história de todos os povos tem sido de um grande clamor, clamor por terra, por liberdade, por dignidade. Temos visto em alguns países cenários muito parecidos, como na Bolívia, em Cuba, no México, no Peru. Ainda que tenham havido alguns retrocessos depois, foi importante concluírem que a reforma agrária era necessária e assim a fizeram.

No nosso País os avanços sociais são lentos, muito lentos, e os tecnológicos são rápidos e nós não estamos conseguindo realmente integrar esses avanços. Segundo dados do IBGE, 44% das terras agricultáveis estão nas mãos de 1% da população. Isso significa cinqüenta mil latifundiários. Mas informa também o IBGE que três milhões de agricultores ocupam pouco mais de 2% das chamadas terras produtivas.

O Governo Federal e o INCRA alegam que teriam beneficiado cinqüenta e duas mil famílias. Mas isso é muito pouco! Principalmente quando sabemos que apenas com R$4 bilhões o Governo poderá assentar quatrocentas mil famílias.

Se não olharmos com a devida atenção para esse episódio do Pará teremos que conviver constantemente com grandes conflitos. Este é o momento de refletir a respeito.

Nicarágua, El Salvador e Guatemala tiveram luta armada para tratar dessa questão. O que estamos procurando, em nosso País, é evitar que aconteçam conflitos dessa natureza. Porque o diálogo tem que prevalecer para que haja o entendimento, a fim de que seja cumprido o direito de ocupação dessa terra sem derramamento de sangue, de sangue inocente, de sangue de trabalhadores.

O Pará, com 1.246.000 km² quadrados, tem terra para todo mundo. Basta haver vontade política. Não haveria, de forma alguma, necessidade de conflitos, seja no Pará ou em qualquer outro lugar. Diante do episódio de Eldorado dos Carajás, fizemos pronunciamentos contundentes, mas não basta, precisamos também de ações contundentes.

De 1964 até hoje, convivemos com o assassinato de 1.900 líderes, alguns executados, algemados, espancados, desacordados, como foi o caso desse jovem no Pará. Mas nós não podemos apenas ficar na fase de denúncias, temos que tomar algumas providências porque a impunidade é que tem contribuído também para que situações como essas se perpertuem. Estamos assistindo aos massacres, como Carandiru, Candelária, Corumbiara, Vigário Geral e ficamos apenas no discurso fácil, muitas das vezes em uma retórica leviana, arrumando um culpado e fazendo uso político da situação.

O Governo Federal tem um pacote de medidas, e estou botando fé que os entendimentos com os sem-terra, marcados para o dia 29, sejam coroados de êxito. Espero, também, que o Presidente possa cumprir a sua promessa de campanha e o seu compromisso social. Tenho certeza de que encontrará apoio político para a reforma agrária no Partido dos Trabalhadores e no Congresso Nacional. A pesquisa feita pela Abra revelou que 90% da população quer a reforma agrária. Sua Excelência possui todas as condições necessárias para fazê-la.

Concluindo, Sr. Presidente, apenas para nossa reflexão, quero aqui citar o poema Funeral de um lavrador, de João Cabral de Mello Netto:

"Esta cova em que estás em palmos medida

É a conta menor que tiraste em vida.

É de bom tamanho, nem larga nem funda,

É a parte que te cabe deste latifúndio.

Não é cova grande, é cova medida,

É a terra que querias ver dividida.

É uma cova grande prá teu corpo defunto,

Mas estarás mais ancho que estavas no mundo.

É uma cova grande prá teu defunto parco,

Porém mais que no mundo te sentirás largo

É uma cova grande prá sua carne pouca,

Mas a terra dada não se abre a boca.

É a conta menor que tiraste em vida,

É a parte que te cabe neste latifúndio.

É a terra que querias ver dividida."

Que isso possa servir de reflexão para este nosso momento de apoio à reforma agrária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1996 - Página 7162