Discurso no Senado Federal

REPUDIO A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MOEDA PODRE PARA A COMPRA DA LIGHT.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • REPUDIO A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MOEDA PODRE PARA A COMPRA DA LIGHT.
Aparteantes
Jefferson Peres, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1996 - Página 8128
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MANDADO DE SEGURANÇA, AUTORIZAÇÃO, EMPRESA, PAGAMENTO, PRIVATIZAÇÃO, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), TITULO, GOVERNO, SITUAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, APREENSÃO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), REBAIXAMENTO, PREÇO, NEGOCIAÇÃO, ADQUIRENTE, ANALISE, DESNECESSIDADE, VENDA, EMPRESA, SITUAÇÃO, LUCRO, EFEITO, INVESTIMENTO PUBLICO.
  • NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, LEGISLATIVO, FISCALIZAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o nosso País está na iminência de concluir mais um mau negócio. O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar o mérito do mandado de segurança que autoriza a Internacional Brasil Export S/A a utilizar 100% de títulos desvalorizados do Governo no processo de privatização da Light.

Hoje, não só como representante, nesta Casa, do povo do Estado do Rio de Janeiro, mas também como cidadã, aproveito para manifestar a minha preocupação quanto ao andamento desse processo.

Estou apreensiva com o resultado desse julgamento, porque ele poderá legitimar prática que se vem mostrando desastrosa para a União e, em particular, para o patrimônio do conjunto dos trabalhadores de nosso País: a utilização das chamadas moedas podres no processo de privatização.

No dia 28, o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, manteve liminar que autoriza a empresa a utilizar R$83 milhões em moedas podres recebidas da União, a título de pagamento de obras.

A manutenção da liminar contrariou o argumento do Advogado-Geral da União, Geraldo Magela Quintão, que havia pedido reconsideração da medida.

Hoje, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em mais um capítulo dessa história cheia de interrogações e suspeitas, começará o seu trabalho por julgar um agravo regimental interposto preventivamente pelo Advogado-Geral da União. Já o mérito do mandado de segurança que provocou a decisão será julgado posteriormente.

Eu dizia que, em seu despacho, o Ministro Marco Aurélio Mello não aceitou as alegações do Advogado-Geral da União, segundo as quais o Presidente da República tem competência para estabelecer os critérios de pagamento dos lotes arrematados nos leilões.

O Ministro Marco Aurélio Mello também desconsiderou o argumento de que permitir a uma só empresa pagar os lotes arrematados, integralmente, com esses ativos financeiros representaria um privilégio em relação às suas contas correntes.

Em sua argumentação pela manutenção da liminar, o Ministro Marco Aurélio Mello insistiu que, quando a União pagou em moedas podres um débito pelo qual estava sendo acionada judicialmente pela Internacional, aceitou o uso desses ativos no Programa Nacional de Desestatização, sem fixar qualquer limite.

Este é, em resumo, o debate a que vamos assistir hoje. De um lado, o Governo tenta limitar em 30% a utilização desses papéis desvalorizados; e, de outro, o Supremo autorizando em caráter liminar a utilização de 100% dessas moedas por apenas uma empresa, contrariando os interesses de outras concorrentes.

Assustadas com esse desfecho, essas outras empresas já pensam em discutir a possibilidade de também entrarem na Justiça pleiteando o pagamento da Light nas mesmas condições.

Essa operação de venda corre ainda outro risco: seria o caso de o julgamento do mérito dessas ações ficar para depois do leilão, marcado para o próximo dia 21.

Se o Supremo Tribunal Federal der ganho de causa para o Governo, que limitou o uso das moedas podres em 30% do preço, poderá haver uma desistência generalizada por parte dessas empresas.

Pelo seu lado, o Governo já afirmou que uma derrota sua no Supremo poderia provocar mais um adiamento do leilão da empresa. Desnecessário dizer os prejuízos patrimoniais da Light neste processo.

Mais ainda. Se o Supremo Tribunal Federal permitir o uso de 100% de moedas podres para a compra da Light poderá estar assinando o atestado de morte do Programa Nacional de Desestatização.

É simples.

Quem não vai querer comprar a Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, ou mesmo as empresas de telecomunicações com esses títulos desvalorizados?

Além disso, o que mais preocupa na realidade são questões que não estão sendo levadas em consideração nos tribunais, mas que nos afligem e nos enchem de desconfiança.

Senão, vejamos.

A Light está no programa de desestatização desde 92.

Em princípio, assistimos a um total desinteresse das empresas pela compra da estatal e a uma série de erros do Governo no processo de venda da empresa.

O primeiro deles aconteceu nas consultorias que modelaram a venda e avaliaram a Companhia Vale do Rio Doce.

O preço é muito alto, diziam os analistas. E o Governo se viu obrigado a passar pelo vexame de reduzir o preço final com a aceitação de 30% de moedas podres.

Foi a primeira concessão. Permitir a utilização das tais moedas podres para que o negócio se torne mais atrativo. Mesmo assim o mercado continuou chiando.

Com o preço total da empresa fixado em 3,7 bilhões de reais para adquirir o seu controle - 50% do capital mais uma ação -, o comprador teria que dispor de R$1,6 bilhão em dinheiro vivo, já considerando o pagamento de 30% em moedas podres.

Ninguém tem esse dinheiro, diziam os analistas.

O Governo precisaria aumentar o volume de moedas podres ou então reduzir o preço pela metade para vender a empresa.

Na verdade, ouvimos constantemente, ao longo de todo esse tempo, a choradeira de eventuais compradores, no exercício de um vício do mercado brasileiro acostumado a levar sem pagar.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

A Srª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte ao nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senadora Benedita da Silva, V. Exª tem toda razão ao manifestar a preocupação, que é de todos nós, com o julgamento a ter lugar hoje no plenário do Supremo Tribunal Federal. Creio que já foi, e aí também concordo com V. Exª, um erro do Governo ter recuado da sua decisão inicial de não aceitar títulos, as chamadas moedas podres, no leilão de privatização da Light. Recuou, infelizmente, mas pelo menos teve o bom-senso de limitá-las a 30%. Se o Supremo tomar a decisão, a meu ver esdrúxula - dizem que decisão de Tribunal não se comenta, mas eu discordo; obedece-se, mas se comenta, sim; os tribunais não estão livres de críticas -, de admitir moedas podres até 100%, o Governo terá que suspender esse leilão e desistir até da privatização da Light, porque isso será realmente doar praticamente o patrimônio público. Receba V. Exª as minhas congratulações pelo seu pronunciamento.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª. Sem dúvida nenhuma, contribui e respalda o que estou aqui colocando, porque também me pergunto, Senador: Agora, quando o Supremo Tribunal está prestes a legitimar essa prática, quem está obrigando o Governo a vender a Light? Por que vendê-la, se o que o Governo tem nas mãos agora é uma empresa limpa, saneada e que dá lucro? Por que vendê-la depois de tantos investimentos, de tantos gastos com a sua recuperação e manutenção?

A história dessa empresa é mesmo um exemplo de descaso, e não podemos concordar com esses desmandos. Quem não se lembra? A Light já pertenceu ao capital privado, e até estrangeiro, através de uma concessão de 100 anos, dada nos tempos da República. Essa concessão durou até os tempos do Governo Geisel. Durante todo esse período a empresa parou, nenhum investimento foi feito. A Light, todos sabemos, estava sucateada. Veio então o Governo Federal, pouco antes de todo o acervo da empresa ser revertido de graça para os cofres públicos, e comprou a empresa a preços superfaturados, em um dos maiores escândalos que este País já presenciou. De lá para cá, o que se viu foram investimentos pesados com o dinheiro do contribuinte, dinheiro que fez da Light uma empresa moderna, eficiente e lucrativa, uma empresa que presta serviços exemplares no meu Estado, o Rio de Janeiro, e também em São Paulo. Nenhuma empresa particular teria recursos para bancar os investimentos que foram feitos.

Por que, então, logo agora que essa empresa volta a sair do vermelho, insistem tanto em vendê-la? Vendê-la? Será este mesmo o termo? Acho que V. Exª, Sr. Senador, ao apartear-me, colocou isso, que, se o Governo concordar com essa situação, não será uma venda, será uma doação.

Afinal, agora que a empresa funciona, por que entregá-la a troco de papéis que nada valem?

Essas são perguntas que tiram o sono dos responsáveis, mas parecem não incomodar nossos tecnocratas de plantão.

Todos sabemos que o Estado brasileiro, num ímpeto, invadiu áreas, setores de produção, que tradicionalmente são reservados à iniciativa privada.

Sabemos ainda que, em muitos casos, essas intervenções foram desastrosas e acabaram por aumentar nosso endividamento interno e as despesas com funcionalismo.

Ninguém questiona que o Estado brasileiro tem que voltar a investir em programas sociais, em saúde, educação. Atividades que lhe são afins.

Mas o que não podemos permitir é que, para atender aos interesses de uns poucos, o patrimônio público, construído com o dinheiro sacrificado de todos os brasileiros, seja dilapidado em nome de necessidades governamentais circunstanciais.

Não podemos permitir que empresas nacionais sejam vendidas a preço de banana, simplesmente para demonstrar ao mercado financeiro internacional que o Brasil está em amplo processo de modernização de sua economia.

Digo isso porque, como dona-de-casa, tenho consciência do valor das coisas e sei que ninguém dá nada de graça para ninguém. Muito menos quando o que está em jogo é uma galinha que está rendendo ovos todos os dias.

É inadmissível que, no Governo, nossos economistas não saibam disso, enquanto uma simples dona-de-casa conhece perfeitamente a situação.

Temos que trabalhar aqui, no Senado, para aumentar o poder de fiscalização desta Casa sobre os acordos realizados pelo Governo.

Agora há pouco, tentamos votar projeto do Senador José Eduardo Dutra, que submete a uma autorização do Congresso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. A votação acabou postergada e esse projeto voltou para a Comissão de Serviços de Infra-Estrutura. Não sei nem sequer se houve quorum para a reunião de hoje.

Perdemos mais uma oportunidade de trazer para o Congresso esse debate. Chamo a atenção das Srªs e Srs. Senadores para essa questão. O Senado não pode se abster desse processo. O que está em jogo é o patrimônio do nosso povo. E esse patrimônio não pode ser usado como vitrine de projetos para o privilégio de uns poucos.

Como cidadã, repito, moradora no Estado do Rio de Janeiro e conhecedora de todo esse processo que a Light vem sofrendo, de sucateamento e, depois, de recuperação, não posso admitir, de forma nenhuma, que ela seja entregue ou presenteada a terceiros, caso não tomemos uma decisão.

Portanto, é perfeito, correto e justo que o Senado Federal traga para o debate a questão das privatizações. Não se trata apenas de espírito corporativista, por se encontrar essa empresa prestando relevantes serviços ao Estado do Rio de Janeiro, mas por reconhecimento dos nossos patrimônios, das nossas poucas reservas, sem ter uma visão estatizante. Garantimos que o povo brasileiro e as nossas empresas deverão receber, da nossa parte, o total apoio, não permitindo, de forma nenhuma, que elas sejam, na privatização, entregues, doadas, ou mesmo que as nossas empresas nacionais, em nome da globalização da economia, entrem numa competição, que consideramos altamente desigual, com as empresas estrangeiras.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senadora, eu, por natureza, sou um "privatista". Acredito que devemos privatizar o que pudermos - o Governo é um mau administrador -, exceto nas áreas que são de estrita competência do Governo ou quando este precisar implementar uma área que não interessa à iniciativa privada. Porém, concordo com V. Exª em gênero, número e grau. Não se pode privatizar, se o objetivo é fazer dinheiro, com moeda podre. Isso é uma negociata, porque se compra no mercado por R$0,30 e se entrega para o Governo por R$1,00. Isso não devia estar acontecendo. Se estamos vendendo ativos bons, temos que receber moedas boas. Sei que o argumento do lado de lá é o de que, mais cedo ou mais tarde, o Governo terá que pagar isso. Mas terá que pagar no futuro e estamos vivendo no presente, quando precisamos de recursos para investir nas áreas que estão em estado de calamidade, como educação, saúde e segurança. Por isso, parabenizo V. Exª pelo que traz, hoje, à tribuna e concordo em gênero, número e grau quando se refere à utilização dessas moedas que sabemos ser, na realidade, uma grande arrumação.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço, Senador Ney Suassuna, o aparte de V. Exª, reafirmando que não podemos aceitar moedas podres.

Também não tenho uma idéia estatizante. Quero crer que alguns setores são passíveis de privatização. Mas não podemos, como já fizemos em outras ocasiões, privatizar setores considerados estratégicos, que estão dando lucros e não têm problema.

Há o exemplo da Light, como enfatizei da tribuna, que já esteve até em mãos de empresas estrangeiras, já esteve privatizada. O Governo Federal investiu um montante que jamais qualquer empresa da iniciativa privada teve coragem de investir. E, no momento em que a empresa está saneada e dando lucro, não podemos consentir que ela seja de novo privatizada, tendo moeda podre como pagamento. Isso não é possível, é algo com que não concordamos.

Nesse sentido, agradeço o aparte de V. Exª, que, sem dúvida, veio enriquecer o meu pronunciamento.

Estou atenta até mesmo ao aspecto social da prestação de serviço que a Light tem feito, principalmente no Estado do Rio de Janeiro. Conheço essa história. De fato, pelos serviços prestados a nós, comunidades faveladas, pela Light, eram cobrados preços exorbitantes. Foi feita uma política social que consistia em tarifas diferenciadas para essas comunidades. Há outros aspectos, evidentemente, no que se refere à questão social, que a Light tem enfocado no Estado do Rio de Janeiro, que considero importantes e significativos.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª mais uma intervenção?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço, com prazer, V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Gostaria apenas de complementar o meu pensamento. Podíamos até receber as moedas podres, mas desde que fosse pelo valor de mercado. Dessa maneira, tudo bem, porque é o que está valendo no mercado. Então, seriam R$0,30, e não o valor de face.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Senador Ney Suassuna, só não vou concordar com V. Exª porque quero falar aqui sobre aquela história de que "laranja madura, na beira da estrada, está bichada"... Estamos observando exatamente isso na questão das moedas podres.

Por isso, agradeço a V. Exª o aparte e dou por concluído o meu pronunciamento.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1996 - Página 8128