Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O ARTIGO DO FILOSOFO JOSE ARTHUR GIANOTTI, INTITULADO F.H. E SUA CUPINCHADA, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, EDIÇÃO DE HOJE, REFERENTE A ESTABILIDADE DO REAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE O ARTIGO DO FILOSOFO JOSE ARTHUR GIANOTTI, INTITULADO F.H. E SUA CUPINCHADA, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, EDIÇÃO DE HOJE, REFERENTE A ESTABILIDADE DO REAL.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1996 - Página 8177
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE ARTHUR GIANOTTI, CIENTISTA, INTELECTUAL, ANALISE, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, NECESSIDADE, RESPOSTA, RESGATE, DIVIDA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, GARANTIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisor do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer uma reflexão sobre um artigo do amigo próximo, cientista político, filósofo e Presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, José Arthur Giannotti - refiro-me ao amigo próximo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. (O Senador Pedro Simon diz que Giannotti é o segundo amigo, sendo Sérgio Motta o primeiro.)

De quando em quando, Arthur Giannotti ou dá entrevistas ou escreve artigos como o publicado de hoje, com o seguinte título: "FH e sua cupinchada". Aqui, Giannotti e os intelectuais de esquerda que ainda apóiam o Governo Fernando Henrique trazem uma reflexão a respeito do quão têm sido cobrados. Será que isso é coerente depois do que foram esses primeiros dezessete meses do Governo?

Gostaria de registrar a reflexão de José Arthur Giannotti:

      Posto que não estou credenciado para falar em nome dos outros, convém me ater a meu próprio caso. Quando apoiei, desde a primeira hora, a candidatura de FH não passei a endemoninhar Lula, pelo qual tive e ainda mantenho a maior respeito o do qual continuo a esperar que cumpra as enormes e importantíssimas tarefas políticas que ele tem pela frente. Simplesmente acreditei, como continuo a acreditar, que, naquele momento, uma aliança pela direita era o caminho mais viável para sair da política de soma zero, na qual estávamos metidos por mais de uma década.

Há algo que gostaria de sublinhar:

      Nunca subestimei o preço que deveria ser pago por essa solução e sempre esperei que o governo de FH pudesse ziguezaguear entre uma política restritiva de estabilização da moeda e outra expansionista, orientada para o desenvolvimento e pagamento de nossa intolerável dívida social. E se de fato neste primeiro tempo predominou a primeira, os últimos acontecimentos que puseram em pauta a questão social obrigam o governo a pensar mais seriamente nos meios de acelerar as reformas. E não sejamos tolos, a vontade política de um governo se conforma igualmente pelas pressões que recebe. Sob este aspecto, ou FH responde ao desafio que lhe está sendo imposto pela opinião pública ou seu governo despenca ladeira abaixo.

Esta é a advertência de seu amigo próximo, José Arthur Giannotti.

Ora, é preciso ressaltar que conseguir a estabilidade da moeda não significa, necessariamente, adotar uma política contrária aos interesses daqueles que até hoje estiveram marginalizados dos direitos à cidadania. Pode-se, perfeitamente, pensar numa política que, ao mesmo tempo, esteja preocupada com a diminuição da inflação, com a estabilização da moeda e não seja caracterizada pela recessão, pelo desemprego, pela marginalização crescente. É importante observar o que diz um dos mais próximos amigos do Presidente Fernando Henrique e que o apóia. Ele registra que, de janeiro de 1995 a maio de 1996, o pêndulo pende para atender aos reclamos dos mais conservadores, daqueles que fizeram a aliança à direita.

Na verdade, tais pessoas se sentem no poder, sentem-se como se estivessem dando as cartas, sentem-se como se fossem os definidores da política econômica. Devo registrar que há um déficit extraordinariamente grande. O próprio José Arthur Giannotti menciona que o atual Governo está faltando ao cumprimento de um desafio importante no resgate da dívida social.

Diz, ainda, Giannotti:

      Na medida em que somos intelectuais, nosso compromisso maior, usando uma expressão antiga, é com a verdade. Isto nos distingue dos políticos... Se os intelectuais fazem e devem fazer política, seria um suicídio profissional deixar-se cegar pela lógica do poder, quando nos cabe analisar o primeiro ano do Governo de Fernando Henrique.

Mais adiante, ressalta:

      Não que se alimentem ilusões a respeito do caráter perverso do capitalismo, de sua imoralidade radical, mas não vejo no horizonte outra política viável a não ser aquela em que o Estado pequeno, forte e lábil venha compensar os desequilíbrios provocados pelas situações de mercado.

Quais são os instrumentos de política econômica que até agora o Governo Fernando Henrique adotou para compensar os extraordinários desequilíbrios provocados pelas situações de mercado?

Diz Giannotti na sua conclusão:

      Não cabe estudar as alternativas institucionais e políticas para os problemas da inserção da nova ordem mundial, da crise do sistema financeiro, da falência da agricultura etc., para que nós intelectuais possamos ter credibilidade científica? Aos apressados que nos acusam, aproveitando-se da onda antigovernista que varre a mídia, convém pedir cautela e que estabeleçam conosco um diálogo para entender melhor as transformações por que está passando o País. Não me consta que as ciências sociais brasileiras estejam passando por uma grande fase de florescimento.

Ora, Sr. Presidente, será preciso grande fase de florescimento para se detectar a necessidade de maior rapidez na realização da reforma agrária? Aí está o grito da terra, manifestado pelos representantes da Contag, da CUT, do Movimento dos Sem-Terra e dos partidos políticos, a apontar mais uma vez a necessidade da reforma agrária. Aí estão os fatos, como os de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás, a indicar a necessidade de maior pressa no diagnóstico e na ação por parte do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Sr. Presidente, propostas como a instituição de um Programa de Garantia de Renda Mínima já foram testadas e os diagnósticos feitos pela Srª Sônia Mirian Draibe, na Unicamp, estão a indicar os aspectos positivos da implementação de proposta nesse sentido.

Concedo o aparte, com muita honra, ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, li também esse artigo do Professor José Arthur Giannotti, de quem sou grande admirador. Trata-se de um artigo muito profundo. Podemos concordar com o articulista como podemos divergir dele, mas somos obrigado a reconhecer a seriedade, a franqueza e a honestidade do seu pronunciamento. Considero importante sua afirmativa de que, entre as lamentações da esquerda e o entendimento pela direita, considera que só havia saída no entendimento pela direita. Giannotti disse - e V. Exª salientou - que, na primeira etapa das transformações, houve o Real, mas que agora está na hora de se olhar para o social. Penso que esta advertência que ele faz ao Presidente da República é muito importante, principalmente por ter sido feita por ele. Essa é uma afirmativa da maior seriedade. Não há como deixar de reconhecer que o Brasil avançou dois grandes passos. Um deles foi dado no sentido da consolidação da democracia. Hoje temos uma democracia sólida. O outro passo é representado pelo Plano Real, que trouxe a estabilidade econômica ao País, que acabou com a inflação maluca de aproximadamente 40% ao mês. Hoje podemos respirar. Não há como deixar de reconhecer que pessoas que vivem com salários baixos, há um ano, estão se alimentando melhor. O poder aquisitivo deles para a compra do feijão, do arroz, da carne e, como diz o Presidente da República, do frango, realmente aumentou. Mas falta um terceiro passo: atacar as causas do protesto social, que tem como um dos motivos o desemprego, que é tremendamente alto. As dificuldades que estão sendo enfrentadas pelo Governo são infinitamente grandes. O Giannotti não diz no seu artigo o que será feito. Ele diz que votou no Presidente, pensando que a saída deveria ser pela direita. Eu também votei em Fernando Henrique Cardoso. Não tenho a competência do Gianotti, embora seja tradicionalmente mais político que ele. Já me referi aqui, mais de uma vez, a um artigo muito importante do jornalista, escritor, um dos homens mais extraordinários do Rio Grande do Sul, Luís Fernando Veríssimo, publicado antes das eleições. Nesse artigo, ele elogiava os dois candidatos e fazia sua escolha por Lula. E dizia: "Feliz do Brasil que tem dois candidatos como Fernando Henrique Cardoso e Lula", que iam fazer uma disputa infinitamente melhor do que a de cinco anos atrás. Veríssimo diz, nesse seu artigo, não ter dúvida que Lula ou Fernando Henrique Cardoso, o que for eleito, vai trair o grupo dominante da sua campanha. Se Lula for eleito, o grupo mais radical, xiíta, vai se desiludir dele, pois Lula vai ter que fazer concessões. E citava a Erundina que, quando prefeita, teve que fazer concessões. O mesmo vai acontecer com Fernando Henrique Cardoso. Ele vai trair a socialdemocracia, o grupo que o cerca, pois vai ter que governar com a direita. Vai governar com o PFL, com políticos que têm muito mais tradição de governo do que ele, muito mais história, muito mais tarimba, que dominam praticamente todos os cargos, estão aí ao longo do tempo. Não é nem a legenda PFL, mas a máquina burocrática ao longo do tempo. Para governar, ele vai ter que fazê-lo com essa gente. O ilustre escritor amigo falava, em tese, aquilo que Fernando Henrique ia fazer. Hoje sei que ele está fazendo um governo como diz o Gianotti. No entanto, quando votei no Fernando Henrique, eu discordava do Veríssimo. Com todo o carinho e respeito que tenho pelo Lula, eu achava que o destino tinha nos colocado uma pessoa que poderia fazer mais pelas reformas do que o Lula, porque o Lula estava marcado, pelo fato de estar ligado aos trabalhadores, de ser do PT, enfim, o que ele quisesse fazer, a grande imprensa e os empresários iam colocar uma série de obstáculos. Eu achava que Fernando Henrique ia enfrentar menos obstáculos. Com sua competência, Fernando Henrique ia conseguir fazer muito mais do que o Lula. Tivemos vários conversas, ele, como Ministro da Fazenda, Itamar Franco, como Presidente da República, e eu, como Líder do Governo. Dos debates que tivemos - e Fernando Henrique, como Ministro da Fazenda, veio ao Senado, várias vezes, discutir o Plano Real -, podemos constatar que a sua preocupação com o social era clara. Ele sempre falava que o nosso maior inimigo era a inflação. Precisávamos, pois, terminar com ela. Lembro-me que quando se colocou na mesa de discussão do Palácio do Planalto o problema da Vale do Rio Doce, o Presidente da República disse que era contra e ninguém disse nada. Ou todos eram contra ou quem não era contra não falou nada. Eu quero dizer, em primeiro lugar, que não imaginava que Fernando Henrique ia governar com a direita, marcadamente, como diz Gianotti.

Em segundo lugar, acreditava que Luís Fernando Veríssimo estava errado e que Fernando Henrique, no seu governo, não ia deixar de lado a socialdemocracia, agarrando-se à direita.

Em terceiro lugar, achava que Fernando Henrique era o homem exato para a hora exata. Nobre Senador Eduardo Suplicy, quando José Arthur Giannotti, amigo de Fernando Henrique, diz que "ou o Presidente responde ao desafio que lhe está sendo imposto pela opinião pública ou seu governo despenca ladeira abaixo", isso é sério. Mas, tudo o que eu quis dizer pode ser sintetizado no seguinte: dizem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso queria colocar novamente em votação o projeto do deputado do PT, mas foi impedido pela sua base. Dizem que Fernando Henrique quer votar o projeto que estabelece o rito sumário para a reforma agrária por meio de medida provisória. O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal pergunta - já que está se fazendo tanta coisa por medida provisória - por que não se faz o mesmo com o projeto que estabelece o rito sumário para a reforma agrária? A imprensa tem publicado que o Presidente da República não faz isso por medo de sua base, da bancada ruralista. Hoje está nos jornais que o Presidente da República ia tomar providências enérgicas com relação ao menor trabalhador na agricultura, nos canaviais - depois daquela reportagem dramática, cruel, sobre os menores trabalhadores -, mas que não vai fazer nada por causa dos usineiros do açúcar, que fazem parte de sua base. Será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vai ter condições, nesta segunda etapa do seu governo, de olhar para o social, como quer o Sr. Giannotti?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Pedro Simon, percebo que V. Exª teve esperanças quando fez sua opção por Fernando Henrique Cardoso, assim como o cientista e filósofo José Arthur Giannotti, na expectativa de que pudesse o Presidente Fernando Henrique contribuir para o resgate da justiça, para a realização de justiça. Faz-se necessário - por isso escolhi registrar este artigo - que o Presidente escute estas ponderações, que ele responda ao desafio, até pela gravidade dos fatos que estão acontecendo - massacre de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás, aumento da violência nas grandes cidades brasileiras. Na Grande São Paulo, no Grande Rio, nas grandes cidades do País, o fenômeno social está explosivo e requerendo, claro, o desafio do pensar de cientistas sociais, mas também ação. E essa ação depende muito da vontade política. Se o Presidente tem na sua base de apoio mais conservadora uma grande barreira, como aquela que levou o Senado Federal a não aprovar o projeto do Deputado Hélio Bicudo na forma como havido sido apresentado, que passava para a Justiça Civil o julgamento dos crimes cometidos por policiais da Polícia Militar, então é preciso que haja uma sacudida. É preciso que o Presidente Fernando Henrique perceba e venha, quem sabe, a refletir sobre o que disse um de seus mais próximos amigos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1996 - Página 8177