Discurso no Senado Federal

ANULAÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA CONDENAÇÃO DE ESTUPRADOR, IMPOSTA PELA JUSTIÇA DE MINAS GERAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • ANULAÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA CONDENAÇÃO DE ESTUPRADOR, IMPOSTA PELA JUSTIÇA DE MINAS GERAIS.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1996 - Página 8707
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, DECISÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INEXISTENCIA, ESTUPRO, CRIANÇA, SITUAÇÃO, CONSENTIMENTO, ADOLESCENTE.
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, BANCADA, MULHER, CONGRESSISTA, CONTESTAÇÃO, ILEGALIDADE, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MOTIVO, FALTA, FORMAÇÃO, IDENTIDADE, CRIANÇA, RISCOS, JURISPRUDENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de manifestar-me com relação a uma tomada de decisão polêmica para a história do Supremo Tribunal Federal.

Sabemos que ele anulou a sentença imposta pela Justiça de Minas Gerais ao encanador Márcio Luís de Carvalho, condenado a seis anos de prisão por estuprar uma menina de doze anos.

Os Ministros que votaram favoravelmente à concessão do habeas corpus entenderam que a menina foi forçada a manter relações sexuais. No entanto tivemos o desprazer de ouvir o Relator do Processo, Ministro Marco Aurélio de Mello, que considerou o quadro estarrecedor, uma vez que todas as evidências demonstram que - segundo ele - a menina levava uma vida promíscua. E diz:

      "A presunção de violência, prevista no art. 224 do Código Penal, segue a realidade, até porque não há como deixar de reconhecer a modificação de costumes de maneira assustadoramente vertiginosa nas últimas décadas.

      Nos nossos dias, não há crianças, mas moças de doze anos."

O que significa ser criança verdadeiramente? Para nós, segundo o advogado Hélio Bicudo, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, ser criança significa não ter condições de tomar decisões racionais e com validade jurídica.

Isso é assegurado tanto pelo Estatuto quanto pelo Código Penal. Mas o Ministro Marco Aurélio de Mello não levou em conta as leis brasileiras de proteção à infância e à juventude. S. Exª usou de sua autoridade de juiz para afirmar, sem qualquer base científica, que não existem mais "meninas" aos doze anos, e, sim, "moças". Parece-me que esta decisão equivocada do Ministro do Supremo Tribunal Federal está na contramão da história, está na contramão até mesmo das recentes decisões da maior autoridade política brasileira, que é o Presidente Fernando Henrique Cardoso. É do conhecimento geral da Nação que o Presidente divulgou há dias o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos de que se tem notícia no País.

O Sr. Edison Lobão - V. Exª me concede um aparte, nobre Senadora?

O SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Edison Lobão - Senadora Benedita da Silva, quero cumprimentar V. Exª pela defesa que faz dos interesses da criança em nosso País. Estou inteiramente inscrito nessa linha. Sempre defendi a criança brasileira, o menor. Fui Governador e exerci uma política intensa nesse sentido, mas não posso deixar de dizer uma palavra em defesa da Suprema Corte brasileira, que é conhecida como uma das melhores do mundo pelos seus julgados seguros, firmes e pela competência de seus Ministros e até pelo número de julgados ano a ano. O Ministro Marco Aurélio, que é um moço Ministro, é dos mais qualificados que já passaram pela Suprema Corte de Justiça deste País. Portanto, ao tempo em que V. Exª defende a criança, pratica um ato de injustiça com nosso Ministro Marco Aurélio e com os demais Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O SRª. BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, mas é essa a concepção que temos nas nossas relações humanas. V. Exª coloca que é um defensor dos direitos da criança e do adolescente, também o sou; coloca que, como Governador, também defendeu esses interesses e que, na verdade, temos no Tribunal um homem de letras que conhece perfeitamente os direitos, mas isso não o isentou evidentemente da responsabilidade que tem na interpretação da lei ao definir uma criança como uma moça. E é inadmissível que se cale diante dessa aberração.

Cabe, nessa atitude dos Ministros, dizer que S. Exªs estão de uma certa forma ferindo as leis, porque elas dizem, até mesmo as providências tomadas pelo Presidente da República no que diz respeito aos direitos humanos, ele coloca:

      "Limitar a incidência da violência doméstica contra as crianças e adolescentes.

      Uma campanha nacional de combate à exploração sexual infanto-juvenil.

      Alteração da legislação no tocante à tipificação de crime de exploração sexual infanto-juvenil com penalização para o explorador e o usuário.

      Apoiar os projetos de lei que alterem o Código Penal nos crimes de estupro e atentado violento à mulher e à criança.

      Reformular as normas de combate à violência e discriminação contra as mulheres e, em particular, apoiar verdadeiramente todo e qualquer projeto que trate o estupro como crime contra a pessoa, e não mais como crime contra os costumes."

Nós, da Bancada feminina no Congresso Nacional, nos manifestamos. E sabe qual foi a nossa argumentação? É que essas são contrárias à lei penal vigente, que pressupõe violência em atos sexuais praticados com meninas menores de quatorze anos. Portanto, o Juiz errou! Essa decisão é contrária aos arts. 213 e 224 do Código Penal que, embora seja de 1940, está em pleno vigor. Esses são os únicos artigos que tratam de crimes de violência sexual contra a mulher que não qualificam a vítima.

Uma menina de 12 anos de idade, mesmo com o corpo de mulher, não apresenta amadurecimento psíquico para deixar de ser vítima de tal violência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a resolução cria sem dúvida alguma precedentes para os demais casos semelhantes que assolam o País e reforçam a impunidade dos crimes sexuais praticados contra as meninas.

Fica aqui uma indagação sobre o valor do "sim" de uma menina de 12 anos. É um "sim" maduro, consciente? Até mesmo os psicólogos que trabalham com essas meninas, que cedo estão sendo prostituídas, dizem que, sem dúvida alguma, não há o amadurecimento de alguém nessa idade. Um juiz não pode levar em conta o dito "sim" dessa menina, atribuindo à mesma a responsabilidade no ato do estupro.

Aos 12 anos, a identidade das meninas não está formada. Elas podem apenas, pelo poder de transar com um adulto, dizer "sim". Mas elas podem mudar de idéia, como temos constatado em várias intervenções feitas e em CPIs de que participei, que tratavam da prostituição infanto-juvenil. Essa menina que diz "sim" no momento de um ato sexual pode, ao mesmo tempo, deixar de fazê-lo, quando a ela são oferecidos um jogo ou uma boneca.

Temos que interpretar a lei com esse sentimento.

Esta decisão desconhece a realidade dos fatos, de um Brasil que quer combater a exploração sexual.

Estamos promovendo campanhas nacionais contra essa exploração de menores, e o Brasil, em relação à violência sexual, tem sido colocado dentre os mais violentos. É inadmissível para mim como mãe, para os Srs. Senadores como pais, que uma sentença dessa tornasse responsável uma menina, e não um adulto na sua plena consciência.

Esta decisão dos três Ministros do STF, tomada à revelia das discussões que se travam hoje no País e dos caminhos que temos procurado para combater a exploração sexual dos meninos e das meninas e também das mulheres, cria uma perigosa jurisprudência. Entendo, Sr. Presidente, que, com esta decisão, os homens terão amparo legal para satisfazer suas taras sexuais com crianças de 12 anos, bastando apenas que elas digam sim.

Não pude deixar de ocupar a tribuna desta Casa hoje para protestar, veementemente, contra essa resolução daqueles Ministros. Não pude aceitar passivamente uma decisão dessa natureza, porque espero que isso não se torne uma coisa natural, normal.

Não é possível que o Senado Federal não se contraponha a uma atitude dessas. Por maior conhecimento de leis que possa ter um homem, se ele não for capaz agir com sensibilidade, não bastará o que ele proclama, porque são letras mortas e que não tocam, evidentemente, os direitos humanos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1996 - Página 8707