Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL SOBRE O CUSTO PARA O GOVERNO DO PROCESSO DE VOTAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA. SUPRESSÃO DE ARTIGOS DE LEIS VITAIS PARA O ERGUIMENTO FINANCEIRO DO BANCO DO BRASIL, PATROCINADA PELA BANCADA RURALISTA NO CONGRESSO NACIONAL. RAZÕES PARA A REALIZAÇÃO DO AJUSTE FISCAL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. BANCOS. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL SOBRE O CUSTO PARA O GOVERNO DO PROCESSO DE VOTAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA. SUPRESSÃO DE ARTIGOS DE LEIS VITAIS PARA O ERGUIMENTO FINANCEIRO DO BANCO DO BRASIL, PATROCINADA PELA BANCADA RURALISTA NO CONGRESSO NACIONAL. RAZÕES PARA A REALIZAÇÃO DO AJUSTE FISCAL.
Aparteantes
Jefferson Peres, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1996 - Página 8903
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. BANCOS. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPUTAÇÃO, GOVERNO, RESPONSABILIDADE, PROBLEMA, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • PROTESTO, INFLUENCIA, BANCADA, DEFESA, INTERESSE, AGRICULTURA, CONGRESSO NACIONAL, RETIRADA, DISPOSITIVOS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REFORÇO, BANCO DO BRASIL.
  • DEFESA, RELEVANCIA, AJUSTE FISCAL, REDUÇÃO, JUROS, CORREÇÃO, POLITICA CAMBIAL, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO, RESPEITO, ESTADO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, no último fim de semana, o Jornal do Brasil publicou reportagem que me pareceu interessante a respeito do que seriam os custos para o Governo na grande empreitada de aprovação da reforma da Previdência.

A meu ver, os números que o jornal apresenta são enfocados por uma lente de aumento. De certa forma, há um claro sentido de superdimensionar a importância dos problemas que o Governo enfrentou. Mesmo assim, devo dizer que o trabalho é sério e bem-intencionado, ou seja, é tarefa da imprensa, sim, chamar a atenção para esse tipo de deformação política que, muitas vezes, provoca sérios desvios na atuação parlamentar.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero crer que se tentou fragilizar o Governo por intermédio dessa matéria, mas não me parece que o Governo seja o grande foco original de responsabilidade de tudo que ali é aventado, de tudo que ali é registrado e noticiado. Muito mais do que um libelo em defesa do ajuste fiscal, do equilíbrio das contas pública, vi ali grave acusação - grave acusação - contra o Congresso Nacional.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a reportagem fala sobre a Bancada ruralista, que conseguiu, via pressões político-parlamentares, que o Governo retirasse da Medida Provisória nº 1.410, de cuja Comissão sou o Presidente, e o Deputado Lima Netto é o Relator, e que visa fortalecer o Banco do Brasil, quatro artigos absolutamente vitais para o fortalecimento e o reerguimento financeiro, a superação dos déficits do Banco do Brasil.

Sob o argumento de que a inadimplência também existe em relação a bancos privados, tentou-se sustentar a tese de que aqueles quatro artigos eram favoráveis aos bancos privados. Evidentemente isso é falacioso e, ao mesmo tempo, no meu modo de entender, inverdadeiro.

Na verdade, a prática demonstra que as dívidas com bancos privados são pagas, porque, caso contrário, as cobranças são feitas por via judicial e, evidentemente, os devedores não querem ficar submetidos às restrições de uma cobrança judicial.

No entanto, Sr. Presidente, quando se trata do Banco do Brasil, todas as categorias sociais e econômicas brasileiras dão-se o direito de não pagar a conta: é o usineiro do Nordeste, é o agricultor do Sul, é o industrial do Sudeste etc. Se a conta é com o Banco do Brasil, não precisa ser paga, porque ações político-parlamentares haverão de superar o problema. E, no caso, essa dívida vencida e não paga remonta à ordem de R$7 bilhões. Portanto, a história é a seguinte: dívida com o Banco do Brasil é dívida perdoável, não pagável; é divida que se pode jogar para as calendas. Quem sabe, surgirá, aqui ou ali, oportunidade para uma barganha parlamentar segundo a qual se possa obter vantagens privadas com o dinheiro público.

Ora, Sr. Presidente, eu não sou o defensor do estatismo. Há muito tempo que abandonei a concepção de que o Estado deveria ser o gestor absoluto e o controlador dos recursos que circulam no sistema financeiro. Embora já tenha abraçado uma ideologia que assim via as coisas alguns anos atrás, não sou um ser a-histórico. Vivo a história, mudo com ela e procuro mudá-la também. Portanto, sou um ser humano normal. E todo ser humano normal é, necessariamente, um ser histórico: faz a história, tenta mudá-la e também muda com ela numa correlação dinâmica, sociológica, permanente.

Portanto, eu mudei, e não sou um defensor de que os bancos estaduais, de que o Banco do Brasil e outros bancos estatais sejam detentores do monopólio de emprestar recursos para o financiamento da economia. Não. No entanto, ao mesmo tempo, estou entre aqueles que repudiam essa espécie de ação surda e organizada que existe na sociedade brasileira em relação ao Banco do Brasil.

Se um cidadão tem um empréstimo no Bradesco, ele trata de pagá-lo. Se ele tem um empréstimo vencido no Itaú, ele trata de pagá-lo. E se não paga lhe é cobrado judicialmente, as suas garantias são rigorosas e ele é obrigado a dá-las em substituição ao pagamento. Agora, quando se trata de dívida com o Banco do Brasil, esta é sempre postergável, porque sempre haverá um caminho político, sempre haverá um caminho parlamentar, sempre haverá uma barganha, sempre haverá uma espécie de refém político a ser colocado numa ação de seqüestro. Pode ser um Projeto de Emenda Constitucional, pode ser um projeto de lei importante para o Governo.

Sr. Presidente, como Presidente da Comissão que encaminha a Medida Provisória nº 1.410 e que, na verdade, observa apenas do ponto de vista crítico e eqüidistante a questão, não fazendo aí um parti pris governista, de forma alguma, não me parece seja uma atitude correta, neste momento, ferirmos de morte o Banco do Brasil. É preciso, sim, dar-lhe os instrumentos. É preciso, sim, fornecer-lhe elementos ativos, dinâmicos, de execução e cobrança das dívidas. É preciso, sim, derrotar essa cultura clientelista de que ao Banco do Brasil nada é preciso pagar.

E o Presidente da República que me perdoe. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, no meu modo de ver, e o próprio Ministério da Fazenda erraram. Eu sei que é difícil estar sentado na cadeira de Ministro da Fazenda e na de Presidente da República e receber as pressões que receberam. Eu sei que é difícil lidar com essas bancadas extrapartidárias que se utilizam dos instrumentos menores para exercer pressão política.

Mas, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não creio que se ajuda ao chamado ajuste fiscal a reorganização transparente do Banco do Brasil e do sistema financeiro, a atitude que levou à reedição de uma medida provisória sem quatro artigos que foram suprimidos por vontade da Bancada ruralista. Costuma-se falar na expressão "ajuste fiscal" como se ela fosse apenas uma mera e simples emanação verbal. Ajuste fiscal, para os técnicos, é uma coisa extremamente simples, simplíssima. É uma operação de vontade política. É um ato meramente volitivo: quer-se, faz-se, obtém-se o resultado. No entanto, é preciso ter claro: ajuste fiscal é a mãe de todas as guerras. O ajuste fiscal é a mãe de todas as guerras em defesa do povo brasileiro. Sem ajuste fiscal, sem equilíbrio real das contas públicas não haverá políticas sociais amplas, não haverá políticas públicas, corretas, adequadas, para a proteção dos mais pobres, dos mais oprimidos deste País.

As classes dominantes, as oligarquias brasileiras são inimigas do ajuste fiscal; elas são as primeiras a tentar arrancar do setor público vantagens, privilégios, recursos públicos para benefício privado. E depois, do outro lado, as forças de esquerda, legítimas e autenticamente comprometidas com as mudanças sociais, muitas vezes associadas a um populismo demagógico inconseqüente, ficam cobrando do Governo políticas públicas e políticas sociais.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, com o que aconteceu no processo de reforma da Previdência, na semana passada, nós estamos diante da mãe de todas as guerras. O ajuste fiscal, que é preciso fazer neste País, é maior talvez do que foi o empreendimento democrático do povo brasileiro para a derrubada da ditadura militar, pois esta caiu por si, pelo seu próprio processo de esvaziamento institucional e político. Mas o ajuste fiscal não cairá por si, será obra de uma construção e de uma engenharia política delicada, longa, ardilosa e competentemente construída pelas forças que sejam comprometidas com a visão conseqüente deste País.

Sr. Presidente e Srs. Senadores, é por isso que trago, como Presidente da Comissão Mista, que encaminha a Medida Provisória de Fortalecimento do Banco do Brasil, o meu protesto a essa situação.

Mas não quero falar especificamente desse problema. Quero dizer que está na hora de respeitar o Estado brasileiro, de transformar o ajuste fiscal na mãe de todas as guerras, em nome da necessidade de baixar juros; da necessidade de corrigir a política cambial; da necessidade de atender às políticas públicas e sociais que estão sendo reclamadas pelos desprotegidos.

Porque baixar juros, corrigir política de câmbio e tentar fazer política social sem o ajuste fiscal significa transferir para a inflação uma redistribuição perversa e concentradora da renda. É mentira! É absoluta mentira fazer política social com inflação, porque a inflação redistribui a renda em favor dos poderosos. Política social com 20 anos de inflação só leva à concentração de renda do capital e à defasagem e perda dos salários.

O ajuste fiscal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a mãe de todas as guerras; faço desta trincheira, como Presidente da Comissão Mista, uma das batalhas que devam ser travadas em defesa do ajuste fiscal.

O Sr. Jefferson Péres - Senador José Fogaça, permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Pedro Simon - Senador José Fogaça, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Pedro Simon, concederei o aparte ao Senador Jefferson Péres, que havia feito a solicitação anteriormente; em seguida, ouvirei V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres - Senador José Fogaça, V. Exª me dá uma grande alegria, porque é um dos poucos parlamentares que assomam à tribuna para defender o interesse público, e não interesses regionalistas ou corporativos, por mais legítimos que sejam. Alguém já disse que a inflação é um fenômeno execrado em seu efeito de elevação de preços, mas adorado em suas causas, porque é a expansão dos gastos públicos para atender a toda sorte de interesses, muitas vezes, espúrios. Não há cura indolor para a inflação. A inflação, arrancada pela raiz...

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Só não vi, Senador Jefferson Péres, a saúde melhorar com gastos inflacionários; só não vi a educação melhorar com gastos inflacionários; só não vi as políticas sociais públicas de atendimento aos desamparados melhorarem com gastos inflacionários.

O Sr. Jefferson Péres - Todo mundo sobe à tribuna, Senador, para pedir mais verba para os seus Estados, mais subsídios, mais perdão de dívida, redução dos juros, elevação da taxa cambial; pedem tudo aquilo que levaria o País, novamente, à explosão inflacionária e à solução de coisa nenhuma. Porque, se se perdem esses dois anos de Real, de efetivo combate à inflação, e o País retoma uma inflação de 40%, tranqüilamente, iremos para a hiperinflação. E não vai se resolver, como V. Exª disse, problema social algum neste País numa economia sob hiperinflação. É preciso que o Presidente da República tenha, realmente, uma postura de estadista. Sua Excelência vai mostrar, agora, se é estadista ou não, Senador, para resistir a todas essas pressões e fazer o que precisa ser feito - o ajuste fiscal -, para só então realizar uma política de efetivo combate à dívida social neste País.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Pedro Simon, com muita honra, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Senador José Fogaça, considero muito importante e oportuno o seu pronunciamento. Concordo com V. Exª quando diz, lendo a matéria publicada no jornal, que, à margem de se saber ou de não se saber o que o Governo fez, na chamada compra de votos nas votações, a culpa é do Congresso. Se não houvesse congressista à disposição, o Governo poderia não fazer nada. A atitude de um parlamentar de se deixar dobrar, de pressionar, de coagir, de fazer valer vantagens, para conseguir uma votação desse ou daquele lado, constitui-se num escândalo sem justificativa. Vou além de V. Exª: digo que também não imaginava que, no Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, iria acontecer isso. Não que eu tire a culpa do Congresso; a culpa é do Congresso. Na verdade, um parlamentar, deputado ou senador da República que não vota de acordo com a sua consciência, mas porque nomeou alguém, porque conseguiu uma vantagem, ou ruralista, ou para Minas Gerais, ou seja lá o que for...

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - (Faz soar a campainha.)

O Sr. Pedro Simon - Existe algum problema, Sr. Presidente?

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - Apenas alertei V. Exª para o fato de que o tempo do orador está esgotado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Para encerrar, Sr. Presidente, fazendo também coro com a opinião expressa pelo Senador Pedro Simon, digo que a matéria do Jornal do Brasil tenta inculpar tão-somente o Governo.

Tentando inverter o pólo dessas acusações, mostro que o Congresso é parte disso, o que não elimina a responsabilidade do Governo. O Governo disse "sim", mas o Congresso usa de instrumentos, muitas vezes mesquinhos, politicamente condenáveis. Quero dizer que sou o primeiro a ir falar com o Ministro da Fazenda, com o Dr. Pedro Parente, quantas horas forem necessárias, para defender o interesse da agricultura brasileira, que precisa, sim, de subsídio. Defendo que o subsídio seja dado à agricultura pela via da aprovação transparente no Orçamento. Mas jamais nesse estilo de barganha, de troca mesquinha de interesses, de pressões políticas, por meio do baixo clero do Congresso Nacional. Isso eu repudio.

Sr. Presidente, essa é mais uma trincheira naquilo que considero, neste momento, a mãe de todas as guerras, que é a luta por um verdadeiro, honesto, equilibrado e socialmente justo ajuste fiscal no Estado brasileiro.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1996 - Página 8903