Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO TRIBUNAL NACIONAL PARA O JULGAMENTO DA CHACINA DE ELDORADO DOS CARAJAS. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO TRIBUNAL NACIONAL PARA O JULGAMENTO DA CHACINA DE ELDORADO DOS CARAJAS. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/1996 - Página 9024
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, JULGAMENTO, AMBITO NACIONAL, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), DEFESA, COMBATE, IMPUNIDADE, REALIZAÇÃO, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, PAIS.
  • CRITICA, DISCRIMINAÇÃO, RECEPÇÃO, REPRESENTANTE, SEM-TERRA, SENADO, MOTIVO, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, AUDITORIO, CONGRESSO NACIONAL.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, PARTICIPAÇÃO, ENCONTRO, JULGAMENTO, HOMICIDIO, SEM-TERRA, ESTADO DO PARA (PA).

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a oportunidade de participar hoje do Tribunal Nacional para Julgamento da Chacina de Eldorado dos Carajás. Foi, para mim, um momento de reflexão sobre a situação dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-emprego, dos analfabetos deste País.

O Grito da Terra Brasil 1996, que está contando com a participação efetiva da Contag, da CUT, da Fetag, do STRS, busca pura e simplesmente chamar a atenção desta Nação para a necessidade de uma reforma agrária consciente.

O primeiro aspecto que destaco em relação a essa manifestação do Tribunal Nacional para o Julgamento da Chacina é o fato de que temos condições de acabar com a violência no campo e na cidade. Para isso, deve-se, primeiro, investir na agricultura familiar.

Olhando para aquelas pessoas - crianças, idosos, homens e mulheres - que vieram ao Senado Federal, convenci-me de que estavam participando de uma peregrinação, de uma campanha para trabalhar, para produzir, para matar a fome dos 165 milhões de brasileiros; de uma campanha para garantir emprego, meta prioritária do Governo Federal. Apesar disso, passaram por vexames, enfrentaram dificuldades para ter acesso ao auditório Petrônio Portella. O Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores, José Eduardo Dutra, solicitou oficialmente à Primeira Secretaria da Mesa que lhes cedesse o local, mas, mesmo assim, foi-lhes negado o uso do auditório. E pasmem, Srs. Senadores, foi-lhes negado mesmo sem a assinatura do nosso 1º Secretário, que comunicou sua decisão por telefone à Assessoria, já que não estava presente na Casa. S. Exª não passou a informação para o Segundo Secretário, e este, por sua vez, não pôde tomar as providências necessárias.

Todos que me conhecem sabem que não trago nenhum radicalismo, mas não podemos dar um tratamento diferenciado àqueles que constituem verdadeiramente a Nação brasileira. Os empresários estiveram nesta Casa e foram tratados por todos, partidos de Oposição ou não, com respeito e dignidade. Esse mesmo tratamento deveria ter sido dado aos trabalhadores rurais que aqui vieram. O acesso desses trabalhadores ao Auditório não poderia ter sido dificultado. Tivemos que ir à Presidência do Senado para, só então, sermos atendidos nessa nossa pretensão. A alegação foi de que se tratava de uma questão partidária.

Hoje, o meu discurso seria outro: eu abordaria o tema Habitat II. Mas me vi obrigada a vir à tribuna especialmente para falar sobre aquele assunto, pois o considero muito importante. Não é mais possível termos dois pesos e duas medidas.

Entidades como a Contag, a CUT, a Fetag, a STRS mobilizaram-se e trouxeram quase duas mil pessoas a este Senado, nesta manhã. Receberam, por parte de alguns Deputados Federais e Senadores, a mesma atenção dedicada aos empresários na semana passada.

É preciso acabar com a impunidade neste País. Não podemos, de forma alguma, aceitar o massacre de Eldorado dos Carajás. Tive a oportunidade de ver mais tranqüilamente a verdade dos fatos em uma fita de vídeo, que me parece foi cedida pela TV Globo. Segundo foi dito na ocasião, os trabalhadores rurais estavam armados da cabeça aos pés para enfrentar o Poder Público, quando obstruíram aquela estrada. Observei no vídeo que os trabalhadores rurais portavam seus instrumentos, símbolos da sua luta, mas não estavam armados como disseram. Foram eles os agredidos - quem olhar com atenção o vídeo verá -, porque os outros tinham armas de fogo.

É estarrecedor quando verificamos que todas as argumentações foram reunidas em defesa daqueles que verdadeiramente têm responsabilidade na chacina, direta ou indiretamente. Não se pode atribuir a todo o Brasil a responsabilidade pelo massacre; deve-se indicar, isto sim, a responsabilidade daqueles que, de imediato e regionalmente, tinham nas mãos todo o poder para evitar aquele momento e não conseguiram fazê-lo. Por quê? Porque faltou o diálogo, faltou a compreensão, faltou sobretudo o reconhecimento da contribuição que os trabalhadores rurais têm dado.

Também pude observar que não existia e não existe nas pessoas que aqui vieram, nesta manhã, para o Tribunal Nacional nem ódio, nem rancor: apenas um grito veemente de reforma agrária já. Fiquei olhando as armas que foram usadas contra os trabalhadores e as que esses trabalhadores rurais estão usando. Ora, vejam só! Palavras de ordem, essas são a sua maior arma: "Reforma agrária já!", "Mais empregos!", "Mais educação!", "Mais saúde!", "Mais felicidade para o povo brasileiro!". Foi o que vimos.

E o que foi que esse tribunal popular condenou? Ele condenou, sobretudo, o atual modelo de desenvolvimento para o País, porque o que está sendo aplicado é um modelo de desenvolvimento que promove a exclusão social. É um modelo concentrador de riquezas; não faz a distribuição, porque não tem verdadeiramente o compromisso de associar o desenvolvimento necessário ao desenvolvimento social, que é o modelo que apoiamos.

O Tribunal também condenou o Governo do Estado do Pará. Por que o condenou? Condenou-o pela atitude de reunir-se com os fazendeiros e ali saber que verdadeiramente estavam articulando uma repressão contra os trabalhadores rurais. Condenou-o também pela responsabilidade de mandar para lá aqueles policiais - tivemos a oportunidade de ver - que se tornaram, pura e simplesmente, os assassinos, porque mataram friamente - o vídeo está lá para todos verem - aqueles trabalhadores. Sim, diversos trabalhadores foram assassinados a sangue-frio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Tribunal Nacional para Julgamento da Chacina de Eldorado dos Carajás também condenou o latifúndio, porque os latifundiários, como bem disse uma das testemunhas de acusação, não envolvem apenas essa questão da violência que mata diretamente, com armas de fogo, mas também a do analfabetismo, tão violenta quanto a primeira; a da falta de saúde e o trabalho escravo, que muitos trabalhadores têm sobre suas costas. Eles trabalham dia e noite e não têm retorno.

Essas pessoas fizeram-me lembrar meus pais: eles eram trabalhadores rurais em Minas Gerais, mas foram parar no Rio de Janeiro, porque, em Minas, trabalhavam dia e noite sem nada receber, já que estavam sempre devendo ao fazendeiro. Eles trabalhavam lá, tinham que comprar comida lá e estavam sempre devendo. Tiveram, assim, que fugir dessa fazenda e foram para o Rio de Janeiro. Lá, o que fizeram? O que lavradores podem fazer ao chegar nas grandes cidades: minha mãe foi ser lavadeira, o meu pai foi trabalhar numa pedreira, e abriram uma birosquinha - esse tipo de comércio é tradicional, é secular no Brasil.

Vemos hoje, em 1996, que não avançamos, quando assistimos a movimentos como esse, que é sobretudo corajoso, porque insiste em acontecer, mesmo não conseguindo, de forma alguma, sensibilizar as pessoas, pois estamos preocupados apenas com a nossa imagem no exterior - evidentemente uma imagem que exclui os trabalhadores rurais.

Se o nosso Presidente da República está passando maus momentos, em virtude das manifestações ocorridas na França, é porque não se fez uma reforma agrária neste País, é porque existe injustiça neste País, e não é por conta dos trabalhadores rurais, porque eles não foram responsáveis por aquele conflito a que nos referimos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, naquela manifestação, eu soube também que uma das testemunhas de acusação presentes na ocasião disse ter ouvido outra pessoa dizer que, além de apanhar, e apanhar muito, teve que ficar gritando o nome do MST.

Ora, o Movimento dos Sem-Terra é um movimento pacífico, tenho absoluta certeza de que é um movimento pacífico. E se há, em algum momento, o acirramento, é por conta do abandono. Não se pode violentar as pessoas como fizeram lá e vimos no vídeo. Elas foram violentadas!

Eles lançaram um manifesto - peço a sua publicação na íntegra - em que dizem que 418 vozes foram caladas nessa peregrinação dos sem-terra no País. Quatrocentos e dezoito vozes foram caladas! O Grito da Terra Brasil é exatamente para gritar forte e bem alto, para sacudir as estruturas pela paz no campo. Ouçam bem: pela paz no campo. É reforma agrária já! É paz no campo, é saúde, é educação! Não podemos mais continuar convivendo com essa violência. Eles diziam, no seu manifesto, que a omissão das autoridades, dos Governos Federal e estaduais, tem contribuído de maneira gritante para esse quadro.

Temos razões de sobra para fazer a reforma agrária neste País. Não se pode esperar que haja derramamento de sangue para se fazer algo. Isso até me faz voltar milênios, à minha Bíblia Sagrada, que diz: "Sem derramamento de sangue não há remissão". Mas estamos no tempo da graça; Jesus Cristo veio para que tivéssemos vida, e vida em abundância. Na Bíblia também está escrito: "Trabalharás dia e noite, para não ser pesado ao seu irmão" e "deves cultivar a terra, porque dela sairá o fruto para o teu sustento."

Portanto, não se trata de uma questão de partidos nem de ideologia, seja de esquerda ou de direita, mas de uma questão de direitos humanos do cidadão, do ser humano! Não podemos conviver com essa impossibilidade de fazer uma reforma agrária consciente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devo ocupar a tribuna, ainda esta semana, para fazer um pronunciamento a respeito da Conferência de Habitat II. Mas hoje, ao participar daquele Tribunal Nacional, não pude deixar de vir a esta tribuna para, daqui, fazer voz, já que não posso ser vez, dos trabalhadores rurais, que querem fazer deste País um campo da paz, onde a reforma agrária alimente o povo brasileiro e o ajude, com dignidade, a apreender e a absorver o conhecimento.

Observando a presença de estudantes nas galerias. Aproveito para dizer que estamos combatendo o analfabetismo no País; devemos garantir uma educação de qualidade, promovendo também esse instrumento de paz, para que todos os brasileiros possam se sentir cidadãos.

Sr. Presidente, peço que conste na íntegra o pronunciamento que faço com relação ao Tribunal Nacional para Julgamento da Chacina de Eldorado dos Carajás - PA.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/1996 - Página 9024