Discurso no Senado Federal

REPERCUSSÃO NA IMPRENSA DE PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA QUE REDUZ A IDADE PENAL PARA DOZE ANOS, NO CAPITULO DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES DO CODIGO PENAL.

Autor
José Bonifácio (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: José Bonifácio Gomes de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. CODIGO PENAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • REPERCUSSÃO NA IMPRENSA DE PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA QUE REDUZ A IDADE PENAL PARA DOZE ANOS, NO CAPITULO DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES DO CODIGO PENAL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10045
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. CODIGO PENAL. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, POLEMICA, IMPRENSA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, PRESUNÇÃO, CRIME, MOTIVO, INICIO, EDUCAÇÃO, LIBERDADE, SEXO, INFERIORIDADE, IDADE.
  • CRITICA, MOVIMENTAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA.
  • CRITICA, CONGRESSISTA, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, SEGURO-DESEMPREGO, BENEFICIO, TRABALHADOR.

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, dias atrás, apresentei um projeto de lei ao Senado Federal, dando uma completa mudança no capítulo referente aos Crimes contra os Costumes do Código Penal brasileiro, precipuamente, reduzindo a idade da violência presumida, que norteia os crimes sexuais, baixando-a de quatorze para doze anos. E fui-me embora para o Tocantins.

Quando já me encontrava no Maranhão, na Cidade de Imperatriz, comecei a ser assediado pela imprensa do Rio Grande do Sul, de São Paulo, de Recife e, por coincidência, menos pela do meu Estado. Foi uma polêmica tão violenta que acreditei ter tocado fogo num barril de pólvora. Sei que o tema é polêmico, mas a minha intenção não foi, de forma alguma, aproveitar-me de um instante, de uma sentença do Supremo Tribunal Federal, em um caso semelhante.

Homem provindo da região Norte, desprovida de muito progresso, mas cheia de grandes contrastes sociais, região que vive os efeitos dos avanços tecnológicos repassados por intermédio da televisão que hoje adentra em quase todos os lares brasileiros.

Já tive amigos presos por muitos anos, muitos meses, por terem sido enganados ou até seduzidos por jovens menores de 14 anos. No ano passado, enfrentamos uma luta ferrenha para retirar da cadeia um pai de família, condenado a mais de quatro anos, em virtude do instituto da violência presumida. A testemunha de acusação mostrou a vida de uma jovem, menor de 14 anos, já talentosa em assuntos sexuais e que levou à cadeia, talvez, o seu décimo ou décimo-primeiro companheiro, porque ele foi apanhado em flagrante; amargou muito tempo no xadrez. 

Essa sentença, talvez numa atitude progressista do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, foi revisada por uma ação de revisão criminal, e o cidadão foi absolvido. Mas essa absolvição chegou depois de quase oito meses de cadeia, por crime hediondo, que não lhe dava sequer as benesses de passar um final de semana com a sua família.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, tenho tido conhecimento de outras sentenças corajosas; tenho tido conhecimento de posições de magistrados do Distrito Federal sobre a violência presumida. Vejo com muito prazer, inclusive, uma dissertação de violência presumida, de autoria do Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor da Universidade de Brasília, Luiz Vicente Cernicchiaro, de quem tive a honra também de ser aluno, há 20 anos. Segundo ele "a história rompe as incoerências. A vida prática foi trazendo para os Tribunais situações que, amoldadas ao texto legislativo, conduziriam à injustiça revoltante".

Vejam bem, Srs. Senadores que o Presidente sancionou a lei, há poucos dias, que aumenta, e muito, a pena dos crimes hediondos. A pena pelo crime de estupro passa a ser de quinze anos de reclusão.

Como podemos considerar um crime hediondo um relacionamento sexual de um cidadão com uma moça, relacionamento esse consentido e, às vezes, até induzido, simplesmente porque a lei arcaica faz a presunção da violência pela idade.

Teríamos, talvez, a dor na consciência de ver cidadãos brasileiros condenados a mais anos de reclusão por uma relação sexual do que se tivessem assassinado duas ou três pessoas, ou até mesmo praticado o massacre de Eldorado dos Carajás. Duvido que os responsáveis por aquele episódio ou por qualquer outro semelhante ocorrido no País sofram pena de quinze anos, enquanto um cidadão poderia, pela incompetência, talvez da lei, ou então por uma lei arcaica, feita há mais de cinqüenta anos, cumprir uma pena tão longa por uma relação sexual.

Luiz Vicente Cernicchiaro diz ainda:

      "Pois bem, alguém que houvesse mantido relação de uma hora para outra era surpreendido com denúncias e tantas vezes condenado nas sanções do art. 213 ou art. 214. O argumento central era a idade da jovem. Ela, contudo, consentira, colocara-se num ambiente de oferecimento, tinha ciência do significado de sua conduta, todavia. E aqui o absurdo paulatinamente impugnado de atribuir violência ao agente, ou seja, era punido como que houvesse constrangido a moça mediante violência ou grave ameaça.

      Absoluto descompasso entre a vida e o direito. A vigorosa reação ao formalismo inaceitável inaugurou o entendimento de que a violência ser relativa. Ou seja, mantinha-se a integridade do texto, entretanto, em princípio, precisaria retratar a realidade. Sem dúvida, ameniza-se o tratamento. Não se faz a simples aplicação do artigo de lei limitada ao sentido literal. Essa linha interpretativa é conhecida como presunção relativa da violência.

      A Constituição da República, ao definir o princípio da reserva legal, exprime-o, sem dúvida, no sentido moderno. Nessa concepção pelo menos deve ser interpretado. Não basta a mera relação cronológica entre o fato e a definição do crime. É imperativo definir a conduta praticada, e a conduta acontece ou não acontece. O legislador não pode definir suposta conduta e atribuir-lhe sanção. Seria, em última análise, punir por ação não praticada, total negativa da reserva legal.

      Mesmo em se tratando de vítima menor de 14 anos, faz-se imprescindível se houve ou não a mencionada violência, evidente violência efetiva ocorrente no plano físico."

A nossa lei, hoje, faz a presunção. Sem que tenha havido violência, ela considera que houve a violência, e o cidadão vai para a cadeia, talvez por muitos e muitos anos, muito mais anos do que se tivesse tirado a vida de um ser humano.

O Jornal de Brasília, dias atrás, trouxe a seguinte manchete: "Senador pretende liberar sexo com menor de 14 anos". Não sei se intencionalmente, mas essa manchete não é verdadeira. O Senador José Bonifácio nunca pretendeu liberar sexo com menor de 14 anos. Se um cidadão induz uma maior de 12 anos a um relacionamento sexual, ele está cometendo crime de sedução, cuja pena drástica de reclusão foi aumentada agora. Se o cidadão induz uma maior de 12 anos a praticar com ele atos libidinosos, ele vai ser condenado à pena de reclusão, pena também drástica. Qualquer ato de um cidadão que induz uma pessoa a praticar qualquer comportamento sexual está previsto na lei e com suas penas majoradas. O que não se pode conceber é que o cidadão vá para a cadeia, sofra penas drásticas como se houvera cometido um crime hediondo, por manter uma relação sem prática de violência com uma pessoa que o quis e que talvez o tenha conquistado - só nesse caso ele não será punido. Uma violência presumida, que está só na lei, que não existe no espírito jurídico do nosso País ou de outros países do exterior.

O que se pretende é evitar que um pai de família, uma pessoa honesta que, num determinado momento, talvez até enganado, pratique uma relação sexual sofra uma pena maior do que sofreria se tivesse matado a própria pessoa com a qual manteve o relacionamento sexual.

Sei que o tema é polêmico. Tenho visto e ouvido muitas manifestações a favor e muitas contra. E nós Parlamentares não podemos ser omissos. Devemos discutir também - e estaremos discutindo com propriedade - os temas polêmicos do nosso País.

Ouvi com muita atenção o pronunciamento do Senador Jefferson Péres, quando S. Exª dizia que o movimento dos sem-terra do nosso País não está visando à aquisição de terras. É um movimento que está tentando talvez retornar ao princípio saudosista de 1960 e tomar o poder por vias impróprias. Dou razão a S. Exª. Sempre acreditei que o movimento dos sem-terra poderia ser um movimento com terra desde que suas lideranças tivessem boas intenções e se sentassem com o Governo para fazer um cronograma que viesse concretizar a reforma agrária. Mas não! E eu me pergunto: invasão não é crime? Não existem vários crimes previstos na lei agrária, na lei fundiária? Usurpação, turbação não são crimes? Acho até que invasão é o mais grave deles. Todavia, no Brasil, invasão deixou de ser crime. Invadir terra não é mais crime. Todo mundo invade. Até matar gente deixou de ser crime. Duvido que esse tragédia ocorrida numa fazenda que vitimou três funcionários vá ter grandes repercussões criminais. Não! Só vale muito quando morre sem-terra.

E o movimento dos sem-terra está fazendo o quê? O movimento esquerdista deste País perdeu já por duas vezes chances de assumir o poder. Eu estava me lembrando de quando Salvador Allende mandou todos invadirem terras. Todos conhecem os resultados. Será que o movimento dos sem-terra deste País não seria já um organismo intimamente ligado às esquerdas, que, caso chegassem ao poder, mandariam invadir todas as terras do nosso País? Será que, em virtude das derrotas eleitorais democráticas, esse movimento está sendo fomentado para trazer, por meio de invasões, do campo para as cidades uma revolução para a tomada do poder que não foi conseguido pelo voto? Será que as nossas autoridades não estão se abstendo de reagir legalmente contra esses absurdos?

São perguntas para reflexão. O nosso País vai viver agora só de Real? Ou será que esse Real está levando o nosso País para uma vida de fantasia?

A estabilidade monetária não é tudo. Não podemos chegar à condição de o povo brasileiro viver aspirando por uma época inflacionária quando ele tinha melhores condições de viver. Não podemos ter saudade da inflação. Isto eu falei há três dias no Ministério do Planejamento: o Real não é tudo e não pode levar o País a uma vida de ficção.

É preciso que o Governo olhe, antes de tudo, para o problema dos sem-terra, para os grandes problemas sociais. É preciso que se invista na produção, para que este País tenha um rumo. O nosso caminho não é só a estabilidade da economia.

Mas já estou diversificando o meu pronunciamento. Volto agora ao tema anterior. Quero trazer à discussão dos meus pares, dos nobres Senadores um projeto muito polêmico, tão polêmico quanto o apresentado pelo ilustre Senador Nelson Carneiro quando começou a trabalhar em favor do divórcio.

Lembro-me - eu era ainda criança - quantas condenações de religiosos, da Igreja, das várias seitas, ele sofreu. Naquele tempo, se se acabasse o mundo, com certeza Nelson Carneiro estaria no inferno, condenado por todos os grupos religiosos do nosso País por defender a lei do divórcio, que já teve, inclusive, muitos avanços.

É preciso que o Parlamento comece a se voltar para os graves problemas nacionais. Sou muito novo na Casa, mas vejo que aqui, dentro deste céu que se chama Senado, que é, inclusive, até azul, e que é o sonho de muitos brasileiros, esquece-se o que acontece em Eldorado, em Imperatriz, no Pará, no Norte, nos grandes centros, a criminalidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Talvez estas luzes ofusquem a inteligência dos nossos Parlamentares, que se voltam mais para si mesmo do que para o povo. E eu não gostaria de passar em branco aqui. Não vou ficar muito tempo, pois serei candidato a prefeito da minha cidade, para voltar às atividades de luta, de construção. Mas quero deixar para as cabeças pensantes do nosso País, principalmente as que se encontram neste Parlamento, pelo menos um pedido: que se voltem mais para os graves problemas brasileiros. E que o pessoal de apoio ao Governo, do qual também faço parte, seja muito mais de apoio ao nosso País.

Daqui assisti, estarrecido, à concretização do adiamento da votação da lei do seguro-desemprego. O placar eletrônico registrou quarenta e poucos votos a quinze. Votei a favor do seguro-desemprego, baixar de cinco para três anos e tudo. O trabalhador brasileiro já vive tão aviltado, tão apertado, tão cercado por todos os lados. E aqui eu vi aquele resultado, no placar eletrônico, que eu nunca esperei.

Se nós trabalhamos com tanta rapidez para jogar bilhões de reais nas mãos do Banespa, nas mãos de São Paulo, por que razão protelar um benefício destinado ao trabalhador massacrado deste País? Por que protelar? Eu não sei.

Vou sair em breve, mas quero deixar ao Senado, ao povo do meu País, estes questionamentos, e incitar os Srs. Senadores, conclamá-los a começar a olhar mais para o nosso povo, para o nosso País, que tanto precisa de nós.

Muito obrigado. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10045