Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DECLARAÇÕES DO SR. LUIZ ANTONIO MEDEIROS, DA FORÇA SINDICAL, PUBLICADAS NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE HOJE, ACERCA DA GREVE MARCADA PARA O PROXIMO DIA 21. ANALISE SOBRE AS OLIGARQUIAS BRASILEIRAS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DECLARAÇÕES DO SR. LUIZ ANTONIO MEDEIROS, DA FORÇA SINDICAL, PUBLICADAS NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE DE HOJE, ACERCA DA GREVE MARCADA PARA O PROXIMO DIA 21. ANALISE SOBRE AS OLIGARQUIAS BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1996 - Página 10056
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, GREVE, OBJETIVO, OPOSIÇÃO, TRABALHADOR, EMPRESARIO, DESEMPREGO, MOTIVO, PROBLEMA, INFRAESTRUTURA, ECONOMIA, BRASIL, SOLUÇÃO, LONGO PRAZO.
  • OPOSIÇÃO, UTILIZAÇÃO, GREVE, LOBBY, POLITICA, GOVERNO, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, CLASSE SOCIAL, OLIGOPOLIO, HISTORIA, BRASIL, OBJETIVO, FAVORECIMENTO, CONTROLE, ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, INADIMPLENCIA, BANCO DO BRASIL.
  • APREENSÃO, FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL, GREVE, REFERENCIA, REIVINDICAÇÃO, REDUÇÃO, JUROS, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, EFEITO, DEFICIT, CRISE, ECONOMIA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, li hoje, pela manhã, no jornal Correio Braziliense, uma entrevista importante do Líder da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros, e algumas das suas afirmações a respeito da greve proposta para o dia 21.

Tenho a impressão de que esse fato político, de grande importância, merece uma reflexão e uma análise. Porque, em primeiro lugar, é preciso reconhecer que esse é um direito sagrado e inalienável da classe trabalhadora, ou seja, o direito de greve é um direito pelo qual todos nós lutamos muito no Brasil. E muitos de nós temos a memória de hematomas no corpo por causa dessa luta.

Quero, porém, Sr. Presidente, fazer aqui uma reflexão, uma ponderação, porque não consigo entender o objetivo da greve. Quando se faz uma greve é preciso ter um objetivo explícito, claramente perceptível, imediato e, evidentemente, conjuntural.

É muito problemático supor que uma greve vá produzir vitória quanto a reivindicações que são estruturais, de longo prazo e que exigem programas de condução e aplicação de recursos ao longo de muito tempo.

Essa greve, segundo suponho e interpreto, deve ser para reivindicações conjunturais, imediatas e de pronto interesse da classe trabalhadora em geral. Todavia, de tudo que tenho lido a respeito, a única explicitação, a única formalização declarada de um objetivo é quando os dirigentes sindicais - a quem respeito muito, tendo por alguns deles uma simpatia pessoal muito grande - dizem que essa é uma greve geral contra o desemprego.

Ora, sabemos que pode haver eventualmente no Brasil um desemprego conjuntural. Mas é evidente que a questão do desemprego, como um todo e globalmente considerada, é estrutural e exige um programa de longa maturação, de longo alcance no tempo. Não que por isso não se devesse fazer a greve. A escolha das suas formas de luta, quem a faz é a própria classe trabalhadora.

Fico eu pensando, no momento em que vejo que a Fiesp, que estava solidária, que queria discutir com as centrais e até participar da programação, de repente recuou. Diz Luiz Antônio de Medeiros, no Correio Braziliense, que, embora a Fiesp tenha recuado, ou seja, não vai estar presente oficial e formalmente, associações comerciais do interior de São Paulo estarão presentes. Portanto, não é uma greve de trabalhadores; não é uma reivindicação explícita e exclusiva da classe trabalhadora, da sofrida e explorada classe trabalhadora deste País. É uma greve geral.

Mais adiante, o líder Luiz Antônio de Medeiros, numa declaração proferida no Rio de Janeiro, diz que essa é uma greve de trabalhadores e de empresários, embora o líder Vicentinho esteja permanentemente interessado em dar a entender, dar a parecer ou fazer as pessoas acreditarem que essa é uma greve cujo nascimento nada tem a ver com os poderosos empresários que representam a maioria do PIB deste País e que estão localizados em São Paulo.

Pergunto isso, Sr. Presidente, porque temo - não estou acusando nem o Medeiros nem o Vicentinho disto - que essa greve esteja sendo subutilizada por essa classe, por esse setor do País, para fazer valer os seus interesses e as suas reivindicações.

As oligarquias no Brasil - recentemente li um livro sobre a vida do Visconde de Mauá e permanentemente isso me vem à memória -, já ao tempo de D. Pedro II, voltaram a estatizar o Banco do Brasil, que tinha se transformado numa instituição financeira privada, porque tinham o interesse claro, inequívoco, de usar largamente o dinheiro público, com baixos juros, se abastecer de um manancial inesgotável do dinheiro do povo brasileiro, e depois dirimir, dissipar, dissimular tudo isso, através da emissão de moeda.

Socializam-se as perdas, que servem para o financiamento dessas oligarquias, de uma maneira extremamente cruel, perversa, porque, sobretudo, é perfeitamente imperceptível e dissimulada. Todo recurso que as elites abocanham do Estado transforma-se em moeda desvalorizada. Essa mesma elite inventou os mecanismos para repor o valor da sua moeda. O que ela faz é deprimir e abaixar, cada vez mais, o poder aquisitivo, as condições sociais e econômicas dos setores assalariados, principalmente os setores de baixa renda no Brasil.

Esse jogo está no livro do Prof. Caldeira, com muita clareza, com muita limpidez. Por isso o Visconde de Mauá foi derrotado na História do Brasil. Porque as oligarquias, no Brasil, não abrem mão do controle da máquina do Estado em seu permanente favor.

Recentemente, vimos isto: por uma barganha de votos na reforma da Previdência eliminaram-se quatro artigos da medida provisória que tenta fortalecer o Banco do Brasil, porque consideravam que esses artigos davam um instrumento muito poderoso de ação, muito eficaz, de cobrança de seus créditos junto a essa oligarquia. A Banco estatal não se paga. Para que pagar ao Banco do Estado, se depois o governo vem e cobre? É a melhor coisa do mundo.

Recordo de, há alguns anos, ter participado de uma reunião, quando foi fundado o Banco Meridional. Eu era Deputado Federal nesta Casa, corria o ano de 1983, e vivíamos sob a ditadura militar. O Banco Meridional foi criado com fundos públicos, com recursos do Governo Federal, que fez uma espécie de Proer transferindo os controles para o próprio Banco, mas, evidentemente, garantindo os depósitos e permitindo que o Banco continuasse. A única diferença com o Proer atual é que o Banco Meridional passou a ser um Banco estatal.

Lembro-me de que, numa reunião de que participei, havia um grupo de pequenos e médios empresários reivindicando níveis mais altos de resgate nos seus depósitos, nas suas aplicações, porque o que estava sendo garantido era pouco. E aí veio um economista fazer uma exposição para explicar por que e como era possível fazer isso, ou seja, aumentar o nível dos depósitos que iriam ser liberados para essas empresas. Disse ele que ali foi feito um acordo, e que a dívida seria paga em tanto tempo. A outra dívida tinha sido transferida para o Banco do Brasil, portanto, com ela não teriam mais que se preocupar. Ou seja, transferida para o Banco Brasil significa que ninguém mais precisaria pagá-la.

Quem leu o livro sobre a vida e a luta do Visconde de Mauá descobre perfeitamente que essa é a história das elites, a história das nossas oligarquias econômicas. Transfere a dívida para o Banco do Brasil porque lá não precisa pagar.

Lembro-me de que, em um texto apresentado pelos funcionários do Banco Meridional, em defesa da não-privatização do banco, da sua saúde financeira, os próprios funcionários diziam que o Banco está muito bem, porque não atende mais a nenhum programa público, programa de governo, de cessão de créditos, de cessão de recursos para os setores organizados da produção nacional. Só por isso o Banco Meridional está bem, porque não executa políticas públicas de fomento. Ele empresta e opera como qualquer outro banco privado o faz no Brasil, emprestando e cobrando dentro do mercado. E é realmente um banco em condições excelentes, ou, pelo menos, isso é o que foi garantido pela competência de seus funcionários e diretores ao longo desses anos.

Mas a minha grande dúvida a respeito da greve é se tanto o Luiz Antônio de Medeiros quanto o Vicentinho não temem que essas parcelas tradicionalmente encampadoras e privatizadoras do Estado em favor de si próprias não serão as grandes beneficiadas de uma greve como essa. Todos sabem que essa política de juros que aí está e essa política cambial visam dois pontos equilibrados e contrapostos. A política de juros tenta conter o consumismo e dar a esse consumo um ritmo igual ao que possa ter o aumento do parque produtivo. O grande erro das esquerdas, inclusive das esquerdas revolucionárias - eu me lembro que essa era uma discussão intensa na Nicarágua dos anos 80; meus filhos viveram lá, porque a mãe deles trabalhava para o governo revolucionário - a grande discussão nos grupos que dirigiam o país era expandir, liberar consumo, porque o consumo gera maior necessidade de produção, e mais produção significa maior riqueza e atendimento do consumo e, portanto, menos inflação.

No entanto, ao liberar o consumo, o Governo Revolucionário da Nicarágua não teve alternativa: ou abria as importações para poder garantir o abastecimento interno, ou, então, enfrentava a escassez de produtos, filas enormes para atender à população. Foi o que vi naqueles memoráveis e, possivelmente, entristecedores anos que lá vivemos.

Na verdade, há um problema de velocidade. A velocidade da produção ou da ampliação do parque produtivo e a velocidade do potencial de consumo são diferentes, e foi esse o drama do Plano Cruzado. Havia uma liberação de consumo que era muito mais rápida, muito mais fulminante do que a possibilidade de ampliar o parque produtivo nacional. E aí a saída para o Governo José Sarney foi abrir o País às importações e, em setembro, as reservas monetárias brasileiras estavam reduzidas a US$2 bilhões. Se não houvesse ali um corte súbito e abrupto, como houve em novembro, o País iria à bancarrota.

Portanto, essa é uma questão gravíssima, delicada, complexa, mas tem que ser tratada com maturidade e com consciência. O aumento do consumo tem que se dar de forma tão gradual quanto se dá a expansão da capacidade do potencial produtivo do País. Geralmente, isso é uma diferença de dois meses para dois anos. Enquanto em dois meses explode o potencial de consumo, é preciso de dois a três anos para se instalar um parque produtivo como necessita, hoje, a demanda da população brasileira.

É óbvio, está claro para mim que os empresários brasileiros querem uma rebaixa nas taxas de juros, uma mudança na política de câmbio, para, evidentemente, aumentarem o consumo e faturarem mais. Tenho a impressão de que essa é a guerra que está por trás da greve geral do dia 21. Não digo - e até repudio se alguém o disser - que Medeiros e Vicentinho estejam servindo a isso. Preocupa-me muito o fato de os empresários, se não dão apoio explícito, serem tão simpáticos, serem tão consentâneos, tão coadunados com o espírito, com a idéia que está por trás dessa greve geral.

Normalmente, Sr. Presidente, essa política desejada pelos empresários brasileiros, ou por alguns empresários brasileiros, leva o Banco Central a rodar a guitarra e a emitir moeda para garantir o financiamento dessa expansão do consumo. E esse foi o grande desastre do México, porque esse foi o erro praticado pelo México. Como ele manteve o consumo em níveis elevados, os juros relativamente baixos, precisou abrir as comportas da importação, porque, se não houvesse importações maciças no México, haveria desabastecimento, filas, crise política, e o programa fracassaria. No ano de 1984, os mexicanos tinham um déficit na sua balança comercial superior a US$20 bilhões. Quase que a derrocada do México leva consigo os demais países da América Latina que estão empreendendo programas sacrificiais, duros, difíceis de estabilização.

Normalmente, Sr. Presidente, eu teria, em relação a essa greve, uma manifestação declarada e aberta de apoio, mas fico com um ponto de interrogação. A única coisa que não me agrada na posição das centrais sindicais é que, como o problema do desemprego não será resolvido, como não vai mudar a política salarial, temo que também alguns sindicatos e centrais estejam fazendo disso um instrumento meramente de oposicionismo, um instrumento de guerra política contra o Governo.

Apenas duas coisas eu não desejava: que os empresários obtivessem o "Velho Mundo", contra o qual Visconde de Mauá se bateu no Brasil e Dom Pedro II apadrinhou tão generosamente, com a distribuição farta de recursos públicos para depois socializar a despesa com o povo; nem que a greve fosse utilizada como um instrumento político, principalmente para um Governo democrático. Para um Governo que respeita as leis e a Constituição, que assegura o direito dos trabalhadores, não me parece ser válido utilizar a greve como instrumento político.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - Nobre Senador José Fogaça, V. Exª já foi alertado para o fato de que seu tempo já se esgotou.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Eu iria encerrar, Sr. Presidente, não fosse o pedido de aparte.

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim) - O Senador Edison Lobão é o próximo inscrito e S. Exª tem viagem marcada.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - O Senador José Eduardo Dutra tem um privilégio que não tenho: S. Exª é Líder e pode usar da palavra a qualquer momento.

Portanto, encerro aqui, Sr. Presidente, deixando esse ponto de interrogação, essa manifestação de perplexidade e dúvida e, sobretudo, dizendo que, se for preciso, todos nós devemos levantar a voz contra essa tentativa de utilizar uma luta dos trabalhadores em favor das elites, em favor das minorias.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1996 - Página 10056