Discurso no Senado Federal

O PODER DOS BANCOS NO BRASIL. PAPEL INEFICIENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIARIOS - CVM. URGENCIA DA REGULAMENTAÇÃO INFRA- CONSTITUCIONAL DO SISTEMA BANCARIO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • O PODER DOS BANCOS NO BRASIL. PAPEL INEFICIENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIARIOS - CVM. URGENCIA DA REGULAMENTAÇÃO INFRA- CONSTITUCIONAL DO SISTEMA BANCARIO.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1996 - Página 10344
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • SIMILARIDADE, INTERVENÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), AMBITO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, PROBLEMA, FISCALIZAÇÃO, SEGURANÇA, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, CONTADOR, AUDITOR, COMISSÃO DE VALORES MOBILIARIOS, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), INEFICACIA, LEGISLAÇÃO.
  • NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INFORMAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, COMENTARIO, OBSERVAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os bancos não deveriam ter o poder que têm. Mas, no mundo todo, têm poder demais, porque, pelo volume de dinheiro de que dispõem, podem contratar os melhores advogados, os melhores articulistas da imprensa, fazendo uma boa imagem. Eles sempre se dão bem. É ruim com eles, mas pior, nesse nosso sistema, seria viver sem eles. Se um grande banco quebrasse, teríamos um efeito dominó, como ocorreu na Venezuela, onde 15% do PIB desapareceu. No Brasil, isso daria algo superior a R$100 bilhões.

Entretanto, temos que ter uma vontade política firme para estabelecer limites que determinem até onde pode ir o Proer. A experiência comprovada serve para desmontar a tese de que o Proer referencia uma intervenção isolada de ajuda governamental única no mundo. Isso não é verdadeiro.

No Japão, foram feitos investimentos gigantescos no setor imobiliário. Os bancos foram comprando imóveis; de repente, os preços dos imóveis vieram abaixo, e o governo japonês foi obrigado a injetar mais de US$100 bilhões para salvar o sistema financeiro. Nos Estados Unidos, quando o banco é pequeno, eles deixam quebrar. Se for banco grande, o governo interfere. Lá existe o princípio do too big to fall. Na França e na Alemanha, também não foi diferente. O que aconteceu é que temos algo como um castelo de cartas.

Qual a cadeia que comanda a segurança do sistema bancário? Como é fiscalizado esse sistema bancário? Em primeiro lugar, vem o contador do banco, que obedece às normas do Conselho Federal de Contabilidade e também a algumas normas da nossa legislação. Em seguida, os auditores externos, obrigatórios por lei, que dizem aos acionistas minoritários e ao Governo como vai o banco, se o serviço está sendo bem feito, se realmente o banco está na linha. Depois, vem a CVM-Comissão de Valores Mobiliários, a quem compete fiscalizar as 6.000 instituições bancárias, mas que dispõe apenas de 24 fiscais para fazê-lo. Caso não sejam verificadas ocorrências anormais, a CVM volta a cada 450 dias úteis para proceder à fiscalização rotineira da instituição. É quase impossível que não escapem furos. Então o que se faz? Quem estiver pagando dividendos não é suspeito e, como tal, não é fiscalizado. Ou seja, se o banco estiver cometendo uma desonestidade, mas estiver pagando dividendos, na prática, está fora da fiscalização da CVM. Pelo menos era assim no caso do Banco Nacional. Isso torna a fiscalização tão inexistente que o Senador Roberto Requião, quando do depoimento do Presidente, pediu a extinção da CVM. Claro que a CVM tem outras obrigações e não poderia ser extinta dessa forma.

Na cúpula do sistema, como órgão normativo e fiscalizador, está o Banco Central, que tem a obrigação de fiscalizar as 6.000 instituições financeiras, a partir de um trabalho de pouco mais de 120 fiscais em atividade. Assim, o que ocorria, até o presente momento, era uma espécie de acordo de cavalheiros, onde cada estamento confiava no outro. Os auditores independentes acreditavam no que dizia o contador, a CVM acreditava no que dizia o auditor externo, o Bacen acreditava no que dizia a CVM e ninguém checava. Da mesma forma, ninguém estava fazendo o seu trabalho dentro dos padrões de segurança e eficácia demandados, mesmo porque não havia condições materiais capazes de dar o suporte necessário e, além do mais, a legislação provava-se insuficiente e inadequada.

No caso do Nacional, foram dez anos seguidos em que mais do que o capital do banco sumiu sem que ninguém se desse conta. No Econômico, aconteceu algo similar. E eu diria que não foram só esses bancos, há outros mais. É até difícil encontrar um banco que não tenha maquiado o seu balanço; uns mais, outros menos; uns levando à área de perigo, outros ainda dentro da área de segurança.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Ney Suassuna, não há dúvida de que o Proer é passível de críticas. Também é indubitável que o Banco Central falhou gravemente na fiscalização do sistema bancário. Entretanto, admitido isso, vale salientar que a maioria das críticas feitas à intervenção do Governo nesses bancos é uma crítica feita por tremenda ignorância ou por má-fé. Como V. Exª já realçou, é uma tremenda inverdade dizer que o dinheiro foi dado para ajudar banqueiros. As contas e bens dos banqueiros, dos controladores e dos administradores ficam indisponíveis e podem responder pelo passivo do banco. Em segundo lugar, em um país que não tinha seguro de depósito, evidentemente que os grandes prejudicados com a quebra de bancos seriam os depositantes, inclusive os humildes depositantes que viram parte de suas economias se perder. Em terceiro lugar, como V. Exª também mencionou, o Governo interveio aqui, como intervém em todos os países civilizados, para evitar a chamada crise sistêmica, o efeito dominó, a quebra sucessiva de bancos. O exemplo da Venezuela é o mais próximo, mas não é, de forma alguma, isolado. Isso provoca um custo tremendo para o País, para o depositante e para a economia como um todo. Na Venezuela houve, realmente, uma queda de 15% no Produto Interno Bruto. Então, repetir-se à exaustão que o Proer existe para ajudar banqueiros e que o Governo deveria deixar os bancos quebrarem é uma tremenda irresponsabilidade, que nos faz lembrar aquela velha tese de Joseph Goebels de que uma mentira repetida muitas vezes acaba se tornando verdade. Parabéns a V. Exª pela sua posição, que procura colocar os pontos nos is.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, nobre Senador Jefferson Péres.

O dinheiro do Proer que está sendo utilizado não vem do Orçamento do Governo. Ele traz alguns reflexos, não resta dúvida, mas são reflexos pequenos, e o dinheiro é do próprio sistema.

O Sr. Jefferson Péres - No final, se o ativo dos bancos não cobrir, haverá algum prejuízo. Mas só então, no final.

O SR. NEY SUASSUNA - É isso mesmo, Senador.

No caso do Nacional, foram dez anos seguidos em que mais do que o capital do banco sumiu, sem que ninguém se desse conta, como ocorreu também no Banco Econômico.

Mas uma parcela de culpa cabe a nós, parlamentares, porque não tivemos o cuidado de dar o arcabouço legal necessário e eficiente para que o Governo e as autoridades realmente pudessem trabalhar. O principal erro do Legislativo foi negligenciar a legislação infraconstitucional. De 1988 até hoje, transcorridos quase oito anos do encerramento dos trabalhos da Constituinte, ainda não regulamentamos o art. 192. Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado estamos, agora, apresentando uma versão dessa regulamentação, para que possamos sanar essa dificuldade.

Urge agilizar a regulação infraconstitucional e, juntos com o Banco Central e a CVM, corrigirmos esse estado de coisas. Do sistema bancário, 24% são bancos estatais, bancos estaduais que necessitam também entrar numa linha do Proer, porque representam 25% do sistema. Mas não é só por isso: as seis ou sete mil agências que estão pelos grotões do Brasil são desses bancos estaduais. Por isso precisamos cuidar deles.

O problema é que existem ex-Governadores que deveriam estar na cadeia, porque assaltaram bancos estaduais, mas, lamentavelmente, o sistema não foi ágil para fazer essa constatação. Alguns bancos tiveram quebra de bilhões e bilhões de reais.

Subjacente a esses, está o setor privado, os bancos universais, que sumiram também com uma fábula de dinheiro, sendo que grande parte está no exterior. Nesse caso também a Justiça se mostra lenta; ainda não existe ninguém na cadeia, o que nos deixa muito triste. Foram cerca de R$21 bilhões injetados no sistema, que resolveriam, se fossem do Orçamento Público, problemas grandiosos de estradas, saúde, educação. Mas esse dinheiro, como bem disse o Senador Jefferson Péres e reafirmo aqui, é do sistema de depósito compulsório, que tem reflexo no orçamento sim, mas são muito insignificantes comparados com essa soma de dinheiro.

Fomos à Alemanha - dois Senadores e três Deputados Federais - verificar como e por que o sistema alemão, que teve problemas, deixou de tê-los. Lá existem três tipos de bancos: os universais, os estatais e os cooperativos, que são fiscalizados por uma agência especial, cuja ação é desvinculada do Bundesbank, que, por sua vez, é independente do governo. Para cumprir a função de guardião da moeda, faz-se imprescindível a independência do Banco Central, modelo que acredito poderíamos copiar no Brasil.

O Banco Central deve ser independente e não deve ter sequer o atrelamento da fiscalização, que, embora seja um vaso comunicante, constitui-se em atividade independente. Pesquisa recente na Alemanha revelou que o Deutsche Bundesbank é a instituição mais respeitada desse país. Depois vem a Igreja e, em quinto lugar, o Governo. Porque o banco não tem nenhum dos arranhões, conseqüência inevitável das intervenções, que o nosso Banco Central tem hoje. Ele cuida simplesmente da moeda.

A segunda coisa que verificamos, e que estamos tentando, através desse projeto, introduzir no Brasil, é que os bancos universais, privados, criaram um fundo que garante inteiramente os depósitos. Não como no Brasil que só vai até R$20 mil, mas inteiramente. Seria: para cada R$1.000,00 depositados, 0,3% iriam para o fundo. E não mais aconteceria o que ocorre hoje no Brasil, em que o banco contrata o seu auditor independente.

Ora, que independência tem um auditor que é contratado pelo banco? A única coisa que temos a fazer talvez seja exigir que o auditor não seja contratado pelo banco e, sim, por esse fundo de garantia de depósito. Cada um passa a ter medo que o outro faça qualquer coisa errada, porque vai doer no bolso do banqueiro, e dessa forma passa a haver fiscalização.

É assim na Alemanha, e vamos tentar fazer isso também no Brasil, com esse projeto.

Acima desses fundos e dessa auditoria, paga por esse fundo, é que vem o fiscalizador geral, que é do governo, mas não é do Banco Central nem ligado a ele. Além disso, a Justiça alemã consegue agir com rapidez. No Brasil, estamos tentando, nessa nova regulamentação, provocar o Ministério da Fazenda, para que tenhamos no sistema essas válvulas de garantias para os depositantes e para o próprio sistema.

Quando foi editada a primeira Medida Provisória do Proer, seis Senadores, entre eles este orador, fomos ao Ministro Pedro Malan e dissemos que não poderia ficar o controlador isento de punição - até a época era; teria que haver garantia de depósito - o que não existia; teria que haver responsabilidade do contador e da auditoria; e queríamos acompanhar, passo a passo, o que está acontecendo no Proer, não queremos nada obscuro; por último, não queríamos prejuízo para o contribuinte brasileiro.

Um grande parte, 80% disso, já ocorreu: foi a segunda medida provisória, que criou, inclusive, a punição para o controlador, etc.

O resultado dessa iniciativa ficou evidente na edição da segunda versão da medida provisória, agora prevendo penalizações para o controlador, que passa a responder com seus bens pessoais, o que antes não acontecia. Igualmente são responsabilizados o contador e o auditor. Mas ainda precisa ser criada, se é que vamos atender à área pública, a regulamentação para o caso dos bancos públicos, até porque bancos importantes, como a própria Caixa Econômica, precisam e já estão ingressando no Proer. O Banco Econômico tem 42 mil contratos na área imobiliária, e a CEF tem que receber isso. Tem dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, no caso do Banco Econômico, mais de R$700 milhões que a Caixa precisa ressarcir. E ela teve que entrar para o Proer. As regras atuais para isso não são claras tampouco fáceis. Além do mais - como disse - há bancos que querem se privatizar, como é o caso do Banerj.

Por todo o exposto, a propósito dos Bancos, reafirmo a minha convicção de que, a exemplo do provérbio popular, "ruim com eles, pior sem eles", do contrário teríamos a bancarrota de outros setores e o desemprego maior do que já temos. Contudo, não podemos facilitar, conferindo regalias e privilégios aos banqueiros. Não podemos permitir que moeda podre seja comprada a R$0,30 e contabilizada a R$0,83, como se está verificando atualmente na garantia do Proer. Nós estamos solicitando que o Ministério torne esta medida mais real e que a contabilidade dessas moedas podres seja lançada pelo valor de contabilidade da compra do dia.

É absolutamente inarredável a necessidade de salvaguardas capazes de proteger o contribuinte quanto aos eventuais prejuízos das operações.

Na Alemanha, um grande banco faliu em 1970. Houve ajuda governamental e até hoje não foi encerrada a história da operação de salvamento, uma vez que havia empréstimos de longo prazo. No Brasil, não temos empréstimos com prazos de trinta, quarenta e até cinqüenta anos, para resgate, como na Alemanha.

Por esta razão, ainda se arrasta o fechamento desta, não é o caso do Brasil, que, pelo sistema inflacionário, temos nos bancos empréstimos de curtíssimo prazo.

Precisamos criar essa infralegislação e regulamentar o art. 192. Acabei de conversar com o Presidente da Comissão. Na próxima semana, vamos fazer a nossa primeira reunião, porque urge a regulamentação para um setor que é uma permanente instabilidade para a nossa economia.

Temos que fazer valer as regras para que o povo acredite que a lei não existe só para os pequenos; a lei existe para todos, inclusive, para os banqueiros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1996 - Página 10344