Discurso no Senado Federal

REPUDIO A INVASÃO DE TERRENO DESTINADO A AMPLIAÇÃO DO DISTRITO INDUSTRIAL DE MANAUS - AM. RADICALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. NECESSIDADE DE AGILIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA SEM DESORDEM E DENTRO DA LEI.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REPUDIO A INVASÃO DE TERRENO DESTINADO A AMPLIAÇÃO DO DISTRITO INDUSTRIAL DE MANAUS - AM. RADICALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. NECESSIDADE DE AGILIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA SEM DESORDEM E DENTRO DA LEI.
Aparteantes
Bernardo Cabral, José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10607
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REPUDIO, INVASÃO, AREA INDUSTRIAL, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • CRITICA, NATUREZA POLITICA, IDEOLOGIA, MANIFESTAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA.
  • NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, MANUTENÇÃO, ORDEM, LEGALIDADE.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não passa um dia neste Senado sem que os oradores se ocupem do grave problema da violência no campo.

Agora, parece que esse problema transbordou para as cidades. Recebo fax informando que uma reserva do distrito industrial de Manaus, destinada à ampliação daquele distrito industrial, acaba de ser invadida. Nos últimos dias, como num movimento orquestrado, dezenas de pessoas ali se instalaram e continuam a se instalar, desmatando o lugar, que é uma área florestada, e erguendo barracos.

Trata-se de uma área pública, Sr. Presidente, com destinação específica e da maior importância, como já disse: a expansão do distrito industrial da cidade. Se essa invasão se consumar, se os invasores de lá não forem retirados e houver a proliferação de intrusos, o crescimento industrial de Manaus ficará prejudicado, Senador Bernardo Cabral.

O Conselho da Suframa acaba de aprovar dezenas de projetos que implicarão vultosos investimentos na instalação de novas fábricas em Manaus. O êxito dessa invasão, repito, pode inviabilizar o crescimento industrial de Manaus, com graves conseqüências para a economia do meu Estado.

Espero que as autoridades estaduais - o problema é especificamente do Governo estadual - tomem as providências necessárias agora, antes que seja tarde, para que a área seja desocupada e preservada para o fim a que está destinada, até porque não se trata apenas de uma simples área de terra. A instalação ali de um favelão, como se prenuncia, contribuirá muito, também, para afugentar possíveis investidores, que, obviamente, não quererão erguer suas fábricas nas proximidades de uma área degradada e com baixíssima qualidade de vida.

Não sei se o movimento é comandado pelo Movimento dos Sem-Terra. Não ouvi notícia nesse sentido. Mas, com toda certeza, nele foi inspirado. O noticiário do rádio e da televisão, nos últimos dias, dando conta de que as invasões se processam impunemente, mostrando as ocupações de prédios públicos e até mesmo a prisão de autoridades em cárcere privado, como aconteceu no Incra, na Bahia, tudo isso terá servido de estímulo para os invasores de Manaus. A garantia da impunidade é grandemente incentivadora desse movimento, Sr. Presidente.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte com muito prazer, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - É altamente oportuno, Senador Jefferson Péres, V. Exª abordar esse tema, porque o problema de invasão, de retenção das autoridades nos seus respectivos gabinetes não mais acontecem apenas em Brasília e nas capitais das principais cidades. Em nosso Estado, no Município de Humaitá, fizeram o nosso representante do Incra refém, numa manifestação dos chamados sem-terra. Ontem, ouvi o Ministro Raul Jungmann, numa exposição que fez à Executiva do meu Partido, o PFL, dizer, com todas as letras, o que V. Exª acaba de confirmar; ou seja, que a impunidade começa a alcançar níveis incompatíveis com a impossibilidade de se colocar um freio no que poderá vir a acontecer. A meu juízo, o problema dos sem-terra deixa de ser apenas pela reivindicação de um pouco de terra para trabalhar, para se transformar num rastilho de pólvora que não sabemos onde terminará. Observe-se que, ainda agora, na chamada greve nacional, partilhada e patrocinada pelas centrais sindicais, está havendo uma caminhada dos sem-terra até Brasília, inclusive com a notícia pelas rádios de que serão bloqueadas as estradas. De modo que eu queria apenas trazer essa achega para dizer da oportunidade e da proficiência com que V. Exª aborda o tema. Muito obrigado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral, pelo seu aparte.

Ainda há pouco, fora da tribuna, eu conversava com V. Exª e com o Senador Pedro Simon e concordávamos com a suspeita de que, no Movimento dos Sem-Terra, devem estar infiltrados de vários "cabos anselmos". Anselmo, para quem não se lembra, foi aquele agente escolhido pelos órgãos de segurança, na Associação dos Cabos e Sargentos, para radicalizar o movimento, exacerbá-lo e levar as Forças Armadas à reação que todos conhecemos, de 1964.

O Movimento dos Sem-Terra hoje deve ser liderado por radicais de extrema esquerda que ainda sonham com o movimento revolucionário, com a reedição do movimento fidelista, em Cuba - movimento, hoje, fora de contexto. Aliás, deve haver muitos "cabos anselmos" tentando a radicalização.

V. Exª mencionou a marcha sobre Brasília dos sem-terra. Não sei se V. Exª leu o Correio Braziliense de hoje. Veja um trecho da matéria, assinada pelo jornalista Celso Franco:

      É a primeira vez que os sem-terra participam de uma greve geral. Mas não podem falar. "Olha aí, não pode dar entrevista. Se quiser entrevista, fala com um dos coordenadores", avisa um deles, com uma prancheta na mão e muito autoritarismo na voz. Outro diz que dar entrevista "está fora das normas". Um terceiro, de nome Darlan, sugere conversa com uma sem-terra "politizada", segundo ele.

      A vigilância dos coordenadores é opressiva, onipresente. Não se pode puxar conversa com ninguém que logo aparece um deles e adverte: "Não pode dar entrevista". A proibição, argumentam, foi uma decisão coletiva.

Sr. Presidente, nota-se o grau de organização e, como diz o jornalista, de autoritarismo do movimento. Por outro lado, os líderes desse movimento, alguns com formação universitária, sabem perfeitamente que a reforma agrária nem sempre pode ser feita da forma que o Governo quer. Não depende apenas da chamada vontade política, vivemos um estado de direito.

Vejam V. Exªs outra notícia do Correio Braziliense:

      Anulações.

      O Supremo Tribunal Federal - STF - anulou ontem mais um decreto do Presidente Fernando Henrique Cardoso de desapropriação de terras para reforma agrária. O beneficiário, dessa vez, foi o pecuarista Manoel Pereira Isidoro, que resgatou a posse da Fazenda Água Santa, de mais de mil hectares, situada no Município de Paranaíba, Mato Grosso do Sul.

      Considerada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra -, a área já estava demarcada para assentamento de trabalhadores sem terra.

      Com base no laudo do Incra, Fernando Henrique desapropriou a fazenda em março de 1995. Por oito votos a dois, o STF entendeu que o proprietário não foi notificado por escrito da inspeção que o Incra faria em novembro de 1994.

      A análise técnica comprovou que a área não tinha exploração mínima prevista em lei, nem cumpria função social.

      Nos últimos 12 meses, o STF anulou pelo menos 20 decretos semelhantes e mais de 40 outras ações de proprietários tramitam com o mesmo objetivo.

Que se há de fazer? Culpar o Supremo Tribunal Federal? Vivemos um estado de direito. Existem leis, existe o Poder Judiciário. Fazer o quê? Revogar o Código Civil? Dissolver o Supremo Tribunal Federal?

O Sr. José Roberto Arruda - Senador Jefferson Péres, eu gostaria de merecer um aparte de V. Exª.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Pois, não, Senador.

O Sr. José Roberto Arruda - Gostaria apenas de registrar, com relação a esse assunto que é tão importante para o País, que, depois de mais de 20 anos de cassação de direitos políticos pelo poder autoritário - o que ocorreu com alguns dos Srs. Senadores que aqui estão hoje, em pleno exercício democrático, como é o caso, por exemplo, do Senador Bernardo Cabral -, o Brasil, finalmente, conquistou o estado democrático. Aí assumiu o Ministério da Reforma Agrária um dos brasileiros que mais haviam lutado contra o autoritarismo, um brasileiro que, em 1974, havia sido eleito Senador em Recife, com o slogan que passou para a história deste País: "Sem medo e sem ódio". Esse pernambucano, esse brasileiro assume o Ministério da Reforma Agrária e diz, no seu primeiro pronunciamento: "Não serei Ministro das invasões"! Com a autoridade de líder democrático que tinha, ele anunciava ao País que queria fazer uma reforma agrária na paz e na ordem. Hoje, essas palavras do Senador Marcos Freire, de saudosa memória, nunca foram tão oportunas, porque esse movimento ultrapassa as barreiras da legitimidade política, invade a consciência da Nação brasileira e procura estabelecer o conflito, que não faz parte da cultura da nossa sociedade. Todos desejamos uma política agrária mais justa e menos desigual, mas nenhum de nós deseja os conflitos que estão sendo instaurados no País de forma também autoritária por aqueles que comandam esse movimento. Muito obrigado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador José Roberto Arruda, pelo seu aparte.

Nesse momento, está à frente do Ministério da Reforma Agrária outro homem de origem esquerdista, do antigo Partido Comunista Brasileiro, também insuspeito; um homem que, em toda a sua vida, defendeu a reforma agrária e que está dando passos importantes nesse sentido.

De forma, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que o Governo hoje anunciou, por intermédio do Ministro Raul Jungmann, que não fará mais desapropriação de áreas invadidas. Penso que faz muito bem. O processo de reforma agrária deve ser acelerado, sim, mas o princípio da autoridade tem de ser mantido, e a desordem tem de ser contida.

Não podemos admitir a reedição do que aconteceu no Chile ao tempo de Salvador Allende, e no Brasil em 1964, quando vi o Congresso Nacional invadido por turbas que empunhavam faixas com os dizeres: "Reforma agrária: na lei ou na marra".

A reforma agrária terá que ser feita, sim, na lei; na marra, nunca, Sr. Presidente! Caso contrário, vai acontecer aquilo que todos sabemos e que espero em Deus não aconteça.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10607