Discurso no Senado Federal

PUBLICAÇÃO DO RELATORIO DA ONU SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. REPORTAGEM ERRONEA PUBLICADA PELO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE O CONTEUDO DO RELATORIO DA ONU.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PUBLICAÇÃO DO RELATORIO DA ONU SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. REPORTAGEM ERRONEA PUBLICADA PELO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE O CONTEUDO DO RELATORIO DA ONU.
Aparteantes
Lauro Campos, Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1996 - Página 10619
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, INEXATIDÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SITUAÇÃO, BRASIL, DIVULGAÇÃO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INDICE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PAIS.
  • RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ANALISE, CORRELAÇÃO, INFLAÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PERDA, SALARIO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana todos os jornais do País publicaram importantes matérias relativamente à divulgação de um relatório da Organização das Nações Unidas no Brasil. Esse relatório é da maior importância, porque é feito com critérios rigorosamente científicos, com base em dados rigorosamente verdadeiros, a partir de uma análise e um levantamento sociológicos e econômicos absolutamente impecáveis, com cuidados extremos quanto à checagem, à aferição e à verificação dos dados; e é da maior importância não só porque é parte de um programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, não só porque é um trabalho financiado pela ONU, mas também porque há, por trás dele, um background, um conjunto de figuras, de pessoas da maior competência e da maior qualidade. Não é por outra razão que, no mundo inteiro, se respeita muito esse trabalho publicado pela ONU, que é o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil 1996, edição deste ano.

Recebi este trabalho em meu gabinete, e como o fato é momentoso, é importante, dediquei-me a lê-lo de forma acurada, criteriosa, analítica, como se consultam esses trabalhos, essas obras, que são consultadas de forma referencial, não por uma leitura linear, mas, muitas vezes, por uma leitura que precisa comparar dados, retroceder páginas e fazer avaliações consistentes.

Confesso, Sr. Presidente, que estava um pouco preocupado com essa questão. Eu havia lido em um dos jornais do País, nominadamente a Folha de S. Paulo, uma matéria destacada cujo texto dizia o seguinte: O Governo Fernando Henrique Cardoso não tem o que comemorar. O jornal Folha de S. Paulo disse isso aberta, declarada e inequivocamente. Está publicado, de maneira expressa e textual, desta forma: O Governo Fernando Henrique Cardoso não tem o que comemorar, porque o índice de desenvolvimento humano do Brasil, em 1996, é menor do que o índice de desenvolvimento humano do Brasil em 1995. Esta foi a notícia destacada, traduzida na manchete por esse respeitável e importante jornal do Brasil.

Sr. Presidente, quero dizer a V. Exª que um dos aspectos que mais me fez perder tempo na leitura desse relatório foi tentar achar onde a Folha de S. Paulo tinha encontrado ou localizado aqueles dados que deram margem ou sustentação fática àquela matéria. Como este é um documento de quase 200 páginas, é um documento de muitos gráficos, e como eu gostaria de fazer uma avaliação direta e pessoal minha, perdi uma madrugada inteira para tentar localizar - e não localizei.

Achei, então, Sr. Presidente, que, possivelmente, a Organização das Nações Unidas tivesse publicado um outro trabalho, paralelo, com outras informações que aqui não estavam. Na manhã seguinte, movido talvez pela mesma ansiedade que toma aquelas pessoas que sofrem da doença terrível da curiosidade intelectual, movido por esta ansiedade liguei para o escritório que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento tem em Brasília e fui gentil e inteiramente atendido nas minhas solicitações, ou seja, todos os dados que eu havia solicitado me vieram através de fax imediatamente.

Diante dessas informações, constatei que de fato há um relatório publicado em 1995, cuja capa diz: Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 1995. E há um outro relatório, publicado no ano seguinte, ano em que estamos, que também na sua capa diz: Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil 1996.

No entanto, aquilo que qualquer um constata, e que foi evidenciado por aqueles que queriam informar, é que esse trabalho é de longa maturação, é calcado numa complexa análise, num complexo entrecruzamento conceitual e de dados, e que, portanto, seria absolutamente impossível, do ponto de vista prático, que já se tivesse, sobre o Brasil de 1996, um dado definido sobre desenvolvimento humano.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, este é o tipo de trabalho que normalmente se faz sobre um ano-base localizado há 4 ou 5 anos. Ou seja, quando aparece uma publicação cuja capa é de 1996, a realidade que está sendo retratada, a fotografia que há dentro é de 1991. 

A reportagem da Folha de S. Paulo dizia assim - recordo-me perfeitamente, porque essa questão me deixou extremamente curioso, desejoso de obter uma contrapartida dessas informações, uma vez que elas não batem, de modo algum, com as análises recentemente feitas no Brasil: "o Governo Fernando Henrique Cardoso não tem nada o que comemorar. O Índice de Desenvolvimento Humano de 95 era maior que o de 96. Em 1995, o Brasil tinha um Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, de 0,804, que caiu para menos de 0,800, em 1996 - exatamente 0,797".

Sr. Presidente, Srs. Senadores, nesse caso, não creio que se trate de manipulação. Seria preciso ouvir mais de dez testemunhas, no mínimo, para me convencer de que a Folha de S.Paulo estaria tentando manipular, forjar conceitos, dados e idéias.

Ninguém, de sã consciência, pode acreditar nisso, porque damos a esse jornal a maior confiança pública, o maior crédito como uma fonte legítima, correta de informações, como tem demonstrado ao longo de sua história como periódico brasileiro.

Sr. Presidente, talvez se a repórter que assinou a matéria tivesse se dado ao simples - talvez um pouco mais -, ao diligente trabalho de verificar que a Organização das Nações Unidas publicou, em 1995, dados internacionais referentes ao ano base de 1992 - ano em que nem sequer o Presidente Fernando Henrique Cardoso tinha ainda papel ou responsabilidade de Ministro; era o Governo Collor - verificaria que, à época, o nível de desenvolvimento era de 0,804.

De fato, em 1992, o Brasil conseguiu atingir esse índice. Então, vou repetir: em 1992, segundo o fax enviado pela ONU ao meu Gabinete, o Brasil tinha um desenvolvimento humano de 0,804.

Esse relatório foi publicado em 1995, mas com base no ano de 1992. A matéria divulgada pela imprensa refere-se ao ano base de 1991, quando o Brasil apresentava 0,797 como índice de desenvolvimento humano.

Portanto, mesmo para aquele período do Governo Collor, a informação já está errada, porque, na passagem de 1991 para 1992, houve um crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil: de 0,797, em 1991, para 0,805, no ano base de 1992.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, fico me perguntando por que não dar a informação tal como ela é! Isso não é incompetência, desatenção, porque um jornal como esse possui em seus quadros profissionais da mais alta qualificação. Talvez os melhores salários do País pertençam a esse jornal, justamente porque se tratam de pessoas da maior competência e qualidade. Portanto, desatenção e incompetência são eliminadas.

Por outro lado, não é desonestidade, porque a Folha de S. Paulo tem tradição de defesa da transparência, da limpidez e da honestidade. A única explicação que encontro para tentar entender o ocorrido é que, mesmo sendo honesto e competente, o conteúdo político, muitas vezes, pode toldar a visão e impedir que os dados verdadeiros apareçam aos olhos.

É possível que eu esteja de tal modo tomado de um sentimento de oposicionismo político que não consiga ler a matéria, que não consiga traduzi-la. Essa, para mim, é a única explicação. Aliás, uma explicação que não afeta nem a honorabilidade do jornal, nem a sua qualidade e competência técnica, mas, notadamente, há um veio, uma busca nessa direção que leva a esse tipo de erro. Ou então estou enganado e, talvez, seja apenas mais um erro, retificado com o mesmo destaque, e não apenas na coluninha de correio do leitor ou na página destinada às pequenas erratas, pequenos reparos. Devem ter reproduzido a matéria sob a forma e sob o conteúdo que lhe cabe.

O Sr. Waldeck Ornelas - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Pois não, Senador Waldeck Ornelas.

O Sr. Waldeck Ornelas - Nobre Senador José Fogaça, quero aduzir à importante comunicação que V. Exª faz nesta hora a observação de que as Nações Unidas não produzem diretamente estatísticas. Os órgãos da ONU utilizam estatísticas produzidas nos diversos países do mundo e, nesses trabalhos, trata apenas de fazer os comparativos. Na verdade, ela estabelece uma metodologia e uniformiza essas informações para o mundo todo. Faltou, sem dúvida alguma, a quem veiculou a informação com esse conteúdo ou com a conotação a que V. Exª se refere a dedicação e o cuidado que V. Exª teve e que tem sempre nas suas manifestações nesta Casa. Efetivamente, o trabalho se refere à década passada. Mostra o retrato, a situação do País num determinado momento e de maneira nenhuma isso envolve o período de Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, nobre Senador Waldeck Ornelas.

Quero crer que estamos aqui tão-somente fazendo aquilo que nos cabe, no momento em que a informação, a liberdade de imprensa e a expressão da verdade são pontos tão importantes, tão defensáveis; são bens tão preciosos, tão intocáveis no Brasil que por eles temos de dar tudo o que temos. A vida do Parlamento é alimentada, é nutrida e é mantida pela liberdade de imprensa. Não conheço nenhum país do mundo onde se tenha uma imprensa livre, com um parlamento fechado. E também não conheço nenhum lugar do mundo onde se tenha um parlamento expressivo, poderoso, respeitado, e uma imprensa calada. Não existe em nenhum lugar. Onde há imprensa livre há parlamento forte, e onde há parlamento forte há imprensa livre.

Essa é uma das conseqüências do debate que se travou recentemente em torno da questão da imprensa, da sua capacidade de crítica, da busca da verdade e de o quanto se deve garantir ao jornalista o direito de livremente ir em busca da verdade e de só ser responsabilizado a posteriori por possíveis erros que tenha cometido. Não há nenhum crime, razão pela qual não quero aqui afirmar que se trata de um crime de imprensa. Absolutamente! Há um erro, e não posso processar ninguém por isso. Apenas estou fazendo o que me cabe: tentando repor a verdade das informações que obtive.

O Sr. Lauro Campos - Senador José Fogaça, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PRESIDENTE (José Agripino) - Senador José Fogaça, comunico que o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Peço licença a V. Exª, Sr. Presidente, para conceder o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Primeiramente, louvo a preocupação e o esmero de V. Exª na observação dos dados. Realmente, o índice a que V. Exª se refere apresenta uma diferença de oito milésimos - de 0,805 para 0,797. Da maneira pela qual a notícia foi elaborada, supõe-se de fato que houve redução nesses indicadores. Se redução tivesse havido, ela seria tão insignificante, principalmente em se tratando de um índice tão complexo, que não deveria ser objeto de uma manchete que leva à ilusão de que existe grande discrepância, quando na realidade trata-se apenas de oito centésimos de diferença. De certa forma, isso serviu para, entre outros aspectos, mostrar como é fácil para a imprensa fornecer uma imagem não real dos fatos e também para mostrar - repito - o esmero e a preocupação de V. Exª ao compulsar os dados. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Lauro Campos.

Continuando a leitura, chamou-me a atenção aquilo que é talvez o que há de mais importante no relatório, o que há de mais central, de mais nevrálgico em toda a análise que apresenta sobre a questão do desenvolvimento humano. Na página 74 do relatório da ONU, diz o PNUD, com clareza meridiana:

      "A experiência recente mostra que os países com melhor desempenho econômico e maiores taxas de crescimento foram aqueles com taxa de inflação mais baixas.

      O efeito negativo da inflação sobre o desenvolvimento humano não se restringe, no entanto, a esse impacto adverso sobre o ritmo do crescimento da economia e o nível de emprego, mas decorre também de suas conseqüências do ponto de vista da distribuição da renda".

O estudo mais detalhado, mais consistente, mais acurado, mais profícuo levado a efeito por esse órgão, no seu trabalho analítico - não é apenas de compilação, de levantamento, mas de análise dos dados - mostra que as bolhas de inflação no Brasil estão diretamente associadas a um grave aumento da concentração da renda. O dado mostra com uma clareza límpida e indiscutível que no Brasil cada vez que houve um grave recrudescimento do processo inflacionário, por um desequilíbrio econômico momentâneo, por uma crise mais acentuada, aumentou também o nível de concentração de renda; e esse aumento de concentração de renda deu-se sobre achatamento salarial. Ou seja: segundo a ONU, na experiência brasileira, o inimigo número um dos salários e dos trabalhadores é a inflação - essa inflação, que tantos estão pedindo que volte, que tantos estão pedindo que retorne, para que possa haver mais investimentos públicos, mais empregos e juros mais baixos.

A bolha inflacionária de uma determinada etapa faz acontecer no imediato momento histórico seguinte uma semelhante e quase igual bolha de concentração de renda e de empobrecimento dos salários. Esses dados estão no gráfico 4.4 - referem-se a 1995 e estão publicados na página 74 do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil.

Mais adiante, diz claramente que esse processo de redistribuição negativa, ou seja, esse processo de maior concentração da riqueza com os ricos e maior pobreza dos pobres não se dá só entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres. Segundo o relatório, entre os 50% mais pobres do País essas diferenças também se agravam. Talvez isso explique também por que boa parte de uma certa classe média brasileira não vê com maus olhos a inflação. Fica muito claro...

O SR. PRESIDENTE (José Agripino) - Senador José Fogaça, sem querer ser impertinente, com todo o respeito a V. Exª pelo pronunciamento importantíssimo, informo que V. Exª já excedeu o seu tempo em setes minutos.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Concluindo, Sr. Presidente, chamo a atenção, com toda a ênfase e todo o destaque, para a afirmação que se refere à questão dos salários dos setores de baixa renda. Segundo o relatório, o impacto assimétrico das perdas causadas pela incidência regressiva do imposto inflacionário levou a um aumento maior da cesta de consumo dos mais pobres em relação ao aumento verificado na cesta de consumo de outros setores de renda da sociedade. A baixa capacidade de obter instrumentos de indexação e de defesa dos seus salários, a baixa capacidade de poder atualizar-se monetariamente faz com que esses setores mais pobres sejam os que também perdem mais. Ou seja, a concentração de renda é tão perversa no processo inflacionário, que ela não só tira dos pobres para dar para os ricos, mas tira também dos mais pobres para dar aos menos pobres. É de uma perversidade incalculável a inflação! É incalculável, para mim; é inimaginável para todas aquelas pessoas que não pertencem a essa imensa esfera de baixa renda em níveis radicais de pobreza no Brasil. Mas é possível que, de uma forma ou de outra, com o tempo - e é preciso tempo para as coisas amadurecerem -, o Brasil entenda os caminhos que deve tomar e, mais do que isso, deve sustentar.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1996 - Página 10619