Discurso no Senado Federal

POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO CONSIDERAVEL DA TAXA DE JUROS PARA OS EMPRESTIMOS AGRICOLAS, ESTABELECENDO UM TETO DE 12% AO ANO PARA OS EMPRESTIMOS AGRICOLAS E 9% PARA O PRONAF - PROGRAMA NACIONAL DE AGRICULTURA FAMILIAR - PARA A PEQUENA PROPRIEDADE.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO CONSIDERAVEL DA TAXA DE JUROS PARA OS EMPRESTIMOS AGRICOLAS, ESTABELECENDO UM TETO DE 12% AO ANO PARA OS EMPRESTIMOS AGRICOLAS E 9% PARA O PRONAF - PROGRAMA NACIONAL DE AGRICULTURA FAMILIAR - PARA A PEQUENA PROPRIEDADE.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Casildo Maldaner, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/1996 - Página 11084
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • POSSIBILIDADE, VINCULAÇÃO, PLANO NACIONAL, CUSTEIO, SAFRA, AGRICULTURA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, EMPRESTIMO, FINANCIAMENTO AGRICOLA, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), PEQUENO PRODUTOR RURAL.
  • ELABORAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, DEFINIÇÃO, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, BANCO ESTADUAL, BANCO DO BRASIL, FINANCIAMENTO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho à tribuna nesta manhã para estabelecer alguns dados de reflexão a respeito de um ponto que considero crucial para o atual período de desenvolvimento do nosso País.

Recebi extra-oficialmente a informação de que, ao anunciar o Plano Nacional de Safra, o Governo deverá apontar para uma decisão extremamente importante quanto à taxa de juros. Ou seja, uma redução considerável da taxa de juros para os empréstimos agrícolas, estabelecendo um teto de 12% para os contratos em geral, 12% ao ano para os empréstimos agrícolas e 9% para o Pronaf - Programa Nacional de Agricultura Familiar - para a pequena propriedade.

Creio que isto se transforma num momento culminante e importante de uma política de redução gradativa da taxa de juros, após o impacto terrível que este País sofreu em abril de 95, quando os juros foram elevados drasticamente para conter o consumo e, de certa forma, segurar a expansão da economia, conseqüentemente, garantindo a estabilização da moeda. Creio que esta pode ser a fase de retomada de uma concepção que é a base do pensamento socialdemocrata. Ou seja, o desenvolvimentismo e o distributivismo, uma concepção de que só há divisão da riqueza se houver também, paralelamente a esse processo de distribuição, crescimento econômico.

É por isso que os socialdemocratas não conseguem conviver pacífica e tranqüilamente com a idéia de uma recessão econômica, porque a recessão é necessariamente antidistributiva, é da natureza do sistema capitalista.

E o fato de se ter hoje uma taxa de juros ainda elevada, apesar de degradativa, é o indicativo claro de que uma fase recessiva ainda ocorre no País.

Esta é uma das contradições do atual programa de estabilização: de um lado a estabilidade da moeda, que por si só garante maior distribuição de renda, e, de outro, uma taxa de juros elevada, para ancorar a estabilização e que por si é também um instrumento de concentração. Esta é uma contradição que tem que ser vencida, que tem que ser superada.

Eu diria que se o Governo, real e efetivamente, caminhar para essas taxas de juros - que extra-oficialmente recebi como informação - de 9% para o Pronaf e de 12% para os empréstimos do setor agrícola, juros anuais, isso poderá ser o indicativo de que estamos no rumo adequado de um programa de estabilização de características socialdemocráticas.

Mas eu não queria tão-somente falar disso. Venho a esta tribuna porque, de fato, me preocupa muito que haja esse tipo de procedimento, sem que todas as medidas paralelas e correspondentes sejam tomadas.

Pertenço a um grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos que está trabalhando em um projeto de regulamentação do sistema financeiro, e, na proposta que está sendo gestada, estamos definindo claramente o papel das instituições financeiras públicas, porque entendo que este País não pode prescindir de instituições financeiras públicas de fomento, pois a tradição das nossas instituições financeiras privadas já é uma cultura de décadas no Brasil; a tradição do nosso sistema financeiro privado não é a de associar-se a políticas de fomento.

De modo, Sr. Presidente, que a sobrevivência das instituições financeiras públicas é estrategicamente fundamental para um processo de desenvolvimento com distribuição de renda. É preciso deixar claro que a base ideológica - não sei se cometo uma impropriedade com esse termo "ideológica" - do conceito ideológico que queremos aí introduzir, em nossa visão do sistema financeiro, é a de que as instituições financeiras públicas têm que ser preservadas. Ora, se o Banco do Brasil faz uma captação de recursos a juros mais altos do que 12%, e se ele empresta a juros de 12%, é preciso haver uma compensação, uma equalização para o Banco do Brasil, porque se isso não acontecer estão quebrando o Banco do Brasil, estão desmontando uma instituição financeira pública.

E mais do que nunca é importante defender que essa equalização de juros seja feita mediante subsídio: subsídio governamental, subsídios públicos aprovados e autorizados pelo Congresso Nacional através da Lei Orçamentária. Não vejo nisso nenhuma impropriedade política, nenhum erro, nenhum desvio, nenhum desacerto do ponto de vista do interesse público. É muito importante, sim, garantir recursos baratos para os produtores e é preciso, sim, que o País pague por isso, porque alimento barato é um bem que servirá a todos, mas principalmente aos mais pobres.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há outros setores da economia acostumados aos subsídios, viciados nos subsídios, e que não o merecem, porque não conseguem garantir produção com preço barato e acessível à população pobre. Recebem subsídios, se locupletam e, ainda, muitas vezes, se valem de reserva de mercado para preços que, em muitos degraus, superam os preços internacionais. Mas, no caso da agricultura, acho absolutamente necessário e importante que tal coisa aconteça.

Por isso, no projeto que estamos elaborando, que estamos construindo num trabalho coletivo, nos debates que tivemos entre os diversos Senadores que estão trabalhando nisso, chegamos à conclusão de que era importante preservar as instituições financeiras públicas, garantindo-lhes, aos bancos estaduais, ao Banco do Brasil, aos bancos de fomento deste País os recursos para essa política de alavancagem do desenvolvimento econômico.

Mas estamos dizendo lá uma coisa muito simples, meridiana, porém rigorosamente imprescindível: primeiro, esses recursos devem constar do Orçamento, autorizados por uma lei orçamentária; segundo, as políticas de fomento só podem ser empreendidas depois de os recursos terem ingressado na instituição financeira. Essa é uma coisa realmente nova no Brasil, porque os bancos estaduais foram usados irresponsavelmente por muitos Governadores como fonte de endividamento, como fonte de emissão de moeda, e, portanto, como um instrumento político danoso, às vezes beneficiando apenas apaniguados ou políticas eleitoreiras momentâneas.

Quando o recurso é transparente, aprovado, orçamentário, definido, claro, são transparentes também os objetivos; as linhas de crédito tornam-se públicas e não objeto da distribuição por interesse político.

Por outro lado, isso significa que os bancos estaduais não irão fechar, não irão quebrar, não terão que ser privatizados. Significa garantir e preservar estes instrumentos: os bancos de desenvolvimento, que, no meu entendimento, são necessários ao País, porque a tradição do sistema financeiro privado, no Brasil, não é a de se colocar a serviço dessas políticas de alavancagem do crescimento econômico.

De modo, Sr. Presidente, que penso serem corretas a linha e a direção que estão sendo tomadas pelo grupo de trabalho, no sentido de definir claramente o papel das empresas, das instituições financeiras públicas, como executoras das políticas estabelecidas legitimamente pelo seu controlador acionário, que são os Governos Estaduais ou o Governo Federal.

Em segundo lugar, que essas instituições não sejam instrumentos de emissão de moeda, de desestabilização, de empobrecimento dos mais pobres, mas que sejam, sim, instrumento de desenvolvimento, de crescimento econômico. E crescimento e expansão significam também apropriação, por parte dos trabalhadores, daqueles que produzem, da riqueza que é produzida por todos.

Sr. Presidente, ao caminhar nessa direção, definindo esses recursos, garantindo-os na lei orçamentária, para as instituições financeiras - e para que não fiquem se transformando em instituições que têm que arcar com custos ou empréstimos de liquidação duvidosa e, depois, colocar isso nos seus balanços como prejuízo e, portanto, caminharem para um total processo de desmoralização - o nosso objetivo é vê-las sadias, fortes, poderosas, intervindo na economia, no sentido socialmente justo e de dimensão econômica dinâmica, expansionista, com vistas ao crescimento.

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muita honra, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador José Fogaça, V. Exª traça um parâmetro e faz uma análise da economia como um todo, nesta manhã. Na verdade, lançou-se o Plano Real no País, que, para ser mantido, é necessário um verdadeiro jogo de xadrez: mexe-se daqui, mexe-se acolá etc. Houve uma reforma monetária e cambial, com a elevação dos custos, dos recursos do dinheiro no País, e alguns setores sofreram demasiadamente, porque, segundo a lei da física de que toda ação corresponde a uma reação, a ação foi a implantação do Plano Real, à qual, evidentemente, houve reações. Um dos setores que mais sofreu, que muito perdeu, empobreceu e descapitalizou-se, sem dúvida alguma, foi o setor de produção de alimentos, ou seja, a agricultura. Esse setor descapitalizou-se, segundo alguns analistas, em mais de 30%, deu prejuízo neste um ano e meio, mais ou menos, porque teve que agregar custos para manter o custeio como, por exemplo, dos insumos e, como disse, não pôde repassar esses custos na ponta final, a fim de manter o próprio Plano, a estabilidade da inflação. Ele teve que agregar mas teve que arcar com isso. E, em conseqüência, baixou a produtividade. No entanto, alguns quebraram, pois não puderam acompanhar isso através do movimento, através de contatos, através da pressão. Pelo que V. Exª anunciou, embora extra-oficialmente, é claro que o Governo se sensibilizou para que se reative novamente esse setor, buscando traçar, aí, juros na base de 1% ao mês, ou 12% ao ano; ou, na agricultura familiar, em torno de 9% ao ano. Isso encorajará novamente os agricultores, reativará esse setor importantíssimo para o País, o que ajudará inclusive na manutenção do próprio Plano. Dos diversos setores do jogo de xadrez da nossa economia, que V. Exª vem analisando, acho que este é importantíssimo. E ele perdeu. Mas, embora com certo atraso, procura-se recuperá-lo, trazer para ele as decisões nacionais, o que é fundamental, sem dúvida alguma, para uma massa de 150 milhões de habitantes e para o mundo. Ao vê-lo fazer essa análise, gostaria de cumprimentar V. Exª.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, nobre Senador Casildo Maldaner, pelo seu aparte. V. Exª é um dos Senadores que mais conhecem a questão da agricultura, que é a sua origem política, sua formação, sua base de apoio político, através da sua vida pública. Gostaria de dizer a V. Exª que toda a política que vem sendo operada e mantida ao longo do Plano Real, sem dúvida alguma, a decisão mais devastadora, de efeitos mais negativos, que causou prejuízos maiores à nossa economia foi aquela decisão de abril de 1995, que estabeleceu uma dose cavalar na elevação da taxa de juros e, a partir daí, estabeleceu-se um processo recessivo que levou a perdas no processo produtivo, principalmente do setor agrícola.

A queda da safra é inegável e, se o Governo tinha estoques, eles foram consumidos. E, na próxima safra, o Governo terá que retomar níveis de produção semelhantes aos obtidos em 1994 ou no início dos anos 70. Se isso não ocorrer, os estoques não serão repostos e, necessariamente, haverá necessidade de importar, o que onera a balança comercial; caso contrário, haverá aumento de preços, o que seria socialmente injusto e não recomendável.

Concordo com V. Exª, pois aquele foi um momento drástico - diria até devastador - para a nossa economia. Apenas não concordo com aqueles que acham que aquilo foi feito por ser um entendimento definitivo da política monetária; que não foi apenas e tão-somente uma barreira, uma muralha que se tentou montar num momento de grande instabilidade do Programa de Estabilização.

Como ninguém até hoje, na história do mundo, disse ou estabeleceu em qualquer livro de economia, qual seria a taxa de juros máxima e mínima que iria conter o processo; como ninguém tinha a idéia de que níveis deveriam ser atingidos, o Governo, realmente, exagerou, preferiu errar por mais do que por menos para, depois, gradativamente, ao longo de um ano, vir reduzindo as taxas de juros, conforme está se configurando, conforme está acontecendo.

O Sr. Roberto Requião - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Roberto Requião - Senador José Fogaça, a sua defesa dos bancos públicos e dos bancos de investimentos soa como música aos meus ouvidos, principalmente no momento em que o Sr. Gustavo Franco propõe a venda do Banco do Brasil. Quero contribuir um pouco para o raciocínio e o trabalho que essa Comissão, da qual V. Exª participa, está realizando.

No Governo do Paraná, inicialmente, chegamos a uma conclusão: grandes financiamentos, de médio e longo prazos, para grandes projetos só seriam possíveis com recursos do Governo Federal. Para isso existiam o BNDES e o Banco do Brasil, que, na minha opinião, como na de V. Exª, devem ser reforçados. O Banco do Estado do Paraná não podia ficar ausente de uma política de fomento. No entanto, se ele entrasse numa política irrefletida de fomento, captando no mercado por um preço X e entregando os recursos por um preço X menos Y, ele iria quebrar. Então, criamos um programa que chamamos de "Panela Cheia". Por lei, suprimos o Fundo de Desenvolvimento do Banco do Estado de forma generosa. Ele passou a captar os recursos dos royalties das zonas alagadas e passou a ter recursos tributários do próprio Estado, via Orçamento. Esse Fundo passou, então, a ser o fator de equilíbrio, um Fundo de Compensação de um programa operado pelo Banco do Estado do Paraná, chamado "Panela Cheia", que financiava médios e pequenos agricultores com equivalência em produto. O produto mais estável no mercado brasileiro e mundial é o milho. Então o empréstimo era imediatamente transformado em milho, e a dívida seria paga com o preço de mercado do milho no dia do pagamento, a não ser que o milho estivesse acima das taxas de mercado, quando, então, se daria preferência a essas taxas. Isso deu segurança absoluta para o agricultor. Se o milho estivesse muito abaixo do preço dos recursos captados pelo Banco do Estado no mercado, o Fundo de Compensação resolvia a questão. Inicialmente, eliminamos os conselhos de investimento, que geralmente servem para financiar os apaniguados, os próximos aos governos ou os próximos aos membros do conselho, uma vez que esses conselhos incorporam figuras da iniciativa privada, presidentes de federações de indústrias e comerciais e órgãos semelhantes. Nós horizontalizamos a possibilidade. Qualquer agricultor do Paraná chegava ao Banco do Estado do Paraná, apresentava o seu projeto, e nós financiávamos insumos, implementos, tratores, com equivalência em milho, sem nenhum juro. Com muito pouco recurso do Estado, nós estabelecemos um subsídio brutal à agricultura e tivemos resultados incríveis. Os críticos do projeto diziam que o Banco do Estado ia quebrar, porque ia passar a emprestar esses recursos sem nenhum lucro e que a sua estrutura seria utilizada dessa forma, num desvio da sua finalidade. Aconteceu o contrário. Os agricultores passaram a entrar num Banco público, o que há muito tempo não faziam no Paraná. Conseguiam o financiamento com equivalência em milho para comprar um trator, uma máquina agrícola, e havia uma condição para os implementos: deviam ser montados no Estado do Paraná, pelo menos, para que o Estado recebesse o ICMS dessa negociação. E o Banco passou a vender os seus outros produtos para esses agricultores: a caderneta de poupança, os seguros. O resultado desse processo, Senador José Fogaça, foi que, em 1993, o Banco do Estado do Paraná foi o Banco que apresentou o maior lucro dentre todos os bancos - públicos, privados, nacionais, internacionais - que operavam no País naquele momento . E apresentou o maior lucro sobre um dado confiável, o maior lucro sobre o patrimônio líquido. Só tivemos uma casa bancária que conseguiu um lucro sobre o patrimônio líquido maior que o Banestado, que foi o Banco Safra, que, quase sem patrimônio líquido, fazendo um bom negócio, apresenta um resultado percentualmente superior ao de um Banco que opera e como operou o Banco do Estado do Paraná. Paralelamente a isso, sempre nessa visão de universalizar os benefícios, de acabar com a intermediação dos famigerados conselhos decisórios, criamos um programa que se chamava "Bom Emprego Industrial", que financiava, também lastreado nesse Fundo, investimentos com a garantia de geração de emprego ou financiava investimentos já existentes para ampliação, estabelecendo a obrigatoriedade da criação de determinado número de empregos, conforme o módulo de empréstimo, que era um módulo para cada atividade, sempre abaixo do mercado. A taxa de correção era 80% do seu valor integral, e o juro era ínfimo, calçado pelo Fundo de Desenvolvimento Econômico. Estávamos gerando empregos que gerariam, automaticamente, um aumento de arrecadação de ICMS com a mobilização do comércio de uma forma geral. Mas havia também o Bom Emprego Fiscal, uma prática muito interessante, porque, na verdade, não era benefício de investimento de qualquer ordem. O Bom Emprego Fiscal era um diferimento no pagamento do ICMS de 80%, por exemplo, para qualquer projeto de novo investimento ou ampliação de investimento para o qual o Estado não estivesse ainda apropriado tecnologicamente. Isso funcionou de uma forma extraordinária e, acima de tudo, evitou os famosos conselhos e mostrou como um Banco público, calçado tributariamente, pode mobilizar recursos fantasticamente superiores aos pequenos favores que um Banco de investimento pode fazer a dois ou três projetos industriais.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Roberto Requião, V. Exª não fez um aparte. V. Exª expôs aqui um belo programa de governo estadual para o setor financeiro. Penso que o grande fundamento do sucesso do seu Governo e da sua proposta de trabalho foi, sem dúvida alguma, partir do princípio de que o Banco estadual não fabrica dinheiro. O Banco estadual lida com recursos ou de mercado ou de orçamento. Fundos que podem crescer, que podem se expandir, mediante uma ativação, uma alavancagem real da economia.

Acredito que esse é o modelo - e V. Exª acaba de expô-lo aqui, numa contribuição notável ao nosso pronunciamento - para o tratamento de uma instituição financeira pública. Os recursos têm que ter fonte precisa, clara. E o objetivo, o destino do dinheiro é público, transparente, justo, sem apaniguados, sem favorecimentos, sem a instrumentação eleitoreira, pela horizontalidade e pela absoluta visibilidade do processo.

Creio, Senador Roberto Requião, que o Paraná teve, não só com V. Exª, mas, devo reconhecer, com outros governadores também, a sorte de ver um tratamento dessa ordem para o seu Banco público. Todavia, infelizmente, não é o tratamento que muitos políticos deram aos bancos estaduais. Quero aqui admitir que, inclusive do nosso Partido, muitas vezes, esse tratamento não foi com essa mesma visão. Embora eu não esteja aqui fazendo nenhuma referência pessoal...

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador José Fogaça, em função do tempo, peço que conclua o seu pronunciamento.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Já vou encerrar, Sr. Presidente. Antes, gostaria de conceder o aparte ao Senador Jefferson Péres, que deverá ser breve.

O Sr. Jefferson Péres - Serei breve, Sr. Presidente. Senador José Fogaça, parabéns pela lucidez e seriedade do seu pronunciamento. V. Exª toca num ponto fundamental que, a meu ver, não tem sido entendido devidamente por grande parte da classe política, principalmente por alguns segmentos da esquerda. Não somos contra, nem eu nem V. Exª, por exemplo, a uma política social ou à concessão de subsídios à agricultura, desde que esses subsídios não sejam falsos, porque de origem inflacionária. O que esses segmentos ainda não entenderam, Senador José Fogaça, é que o saneamento das contas públicas e a estabilidade de preços são condições necessárias, embora não suficientes, absolutamente, para que se adote qualquer política consistente, inclusive social, neste País. Meus parabéns.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Jefferson Péres.

Para encerrar, Sr. Presidente, gostaria de dizer que esta concepção de que o dinheiro livremente ou descontroladamente emitido para financiar a agricultura é um dinheiro sempre bem- vindo não é apenas uma concepção ideológica. Por trás dela há também grossos e pesados interesses específicos de certos setores de classes. Esta forma de mascaramento, de diluição, de invisibilidade da concentração da renda que o processo inflacionário garante, tem sido um instrumento das elites brasileiras.

Primeiro, emitir dinheiro descontroladamente; garantir gordo financiamento barato para os poderosos, para os grandes fazendeiros e para os grandes proprietários. Depois, diluir na desvalorização geral da moeda, dos salários, do povo trabalhador, os custos desse tipo de financiamento. Essa é uma prática que tem de ser condenada e colocada no lixo da História do nosso País.

Foi esse o objetivo, Sr. Presidente, do nosso pronunciamento. Eu gostaria de, evidentemente, não só apoiar mas, desde logo, também apelar ao Governo Federal no sentido de que ele mantenha, pelo menos confirme, esta proposta que está sendo extra-oficialmente anunciada, para garantir aos produtores agrícolas e aos pequenos produtores familiares...

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Peço que seja breve, para que o Senador Casildo Maldaner não perca a oportunidade de falar.

O Sr. Bernardo Cabral - Sei que o Senador Casildo Maldaner entenderá esse meio segundo solicitado. A preocupação do Senador José Fogaça sobre esse assunto não é de agora. Ao longo dos dezenove meses da Assembléia Nacional Constituinte, repetidas e reiteradas vezes, quando reunidos os três - S. Exª, o então Constituinte Antônio Carlos Konder Reis e eu - na elaboração da proposta constitucional, na sistematização do que vinha até nós, a preocupação sempre crescente do Senador José Fogaça, de então e de hoje, era com o problema das contas públicas, dos empréstimos, do saneamento, da moralidade. De modo que se eu não fizesse esse registro, poderia parecer que somente agora V. Exª estaria externando a sua inquietação com essas questões. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

Justamente, por quase vinte anos de vida parlamentar e por ter presenciado e testemunhado, em salas onde V. Exª também tinha assento, de onde vinham os lobbies para o governo emitir dinheiro fácil. Não eram dos pobres, não eram dos pequenos agricultores, não eram dos mais sofridos. E por saber de onde vêm, quem ganha com a inflação, com a emissão irresponsável de moeda, é que sempre procuramos agir nessa direção. Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/1996 - Página 11084