Discurso no Congresso Nacional

COMEMORA OS 10 ANOS DE REATAMENTO DAS RELAÇÕES ENTRE A REPUBLICA DE CUBA E A REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.:
  • COMEMORA OS 10 ANOS DE REATAMENTO DAS RELAÇÕES ENTRE A REPUBLICA DE CUBA E A REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN de 27/06/1996 - Página 8120
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, REATIVAÇÃO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.
  • NECESSIDADE, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, PAIS, MUNDO, SITUAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, CRITICA, EMBARGOS, COMERCIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CUBA, PREJUIZO, INTEGRAÇÃO, AMERICA LATINA.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Sr. Ramon Sanchez Parodi, Embaixador de Cuba; Srs. Parlamentares; Srs. Diplomatas presentes, comemoramos, hoje, o 10º aniversário do reatamento das relações diplomáticas entre a República de Cuba e a República Federativa do Brasil. E o fazemos com satisfação, tendo como horizonte a certeza de que as relações entre povos e nações são o caminho adequado a percorrer para a construção de um mundo de paz verdadeira.

Movem-me alguns princípios básicos que, ao longo do processo civilizatório, se foram firmando como colunas de sustentação de um relacionamento correto entre as nações. Refiro-me à autodeterminação dos povos, à liberdade de escolha dos caminhos, ao respeito às tendências e decisões nacionais e ao princípio da não-intervenção.

Estou convencido de que a expectativa hoje em voga - a da globalização -, leva na sua essência um perigoso elemento de desagregação das nacionalidades e de poder concentrado do capital. A questão econômica é apenas um dos aspectos da vida humana e da preocupação política. A globalização econômica é importante, mas deve se estruturar de forma policêntrica e complementada com premissas voltadas para o cultivo de valores singulares de cada país, ou se tornará força de dominação de hegemonia deletéria ao conjunto do desenvolvimento. Globalização monopolizada é desprezível, e inaceitável o autoritarismo pela unilateralidade da visão, de interesses e de ação.

Dentro desse espírito, foi correta a opção do Brasil quando reativou, há 10 anos, as relações diplomáticas com a República de Cuba, e justifica-se plenamente a comemoração no Congresso Nacional do 10º aniversário do evento.

Maior razão ainda quando, no contexto de um mundo supostamente globalizado, persistem atitudes intransigentes unidirecionais e estéreis, que visam a impossibilitar, a inviabilizar a caminhada do povo cubano. Intransigentes porque não admitem as alternativas criadas pela história desse povo; unidirecionais porque consideram apenas os próprios interesses; e estéreis porque seus resultados não se traduziram nem se traduzem em mudanças para melhor, mas tão-somente em mais privações e dificuldades para o povo cubano.

Menciono, especificamente, o problema do embargo econômico imposto à Ilha há 34 anos, em nome de uma falaciosa defesa dos princípios da democracia e do pluripartidarismo, dos quais os Estados Unidos se autoproclamam guardiões mundiais.

Esses 34 anos não realizaram outra façanha a não ser a de construir uma história de equívocos, patenteando estreiteza de visão e uma incompreensível zanga ou incontrolável ímpeto de desafronta, o que certamente não pode ser apanágio de democratas.

A política dos Estados Unidos anterior ao ano de 1959 produziu a revolução na Ilha, caracterizando o fracasso da opção neocolonialista. A política atual, em 34 anos, apenas foi mudando os enfoques, sem resultados concretos, exceto a conseqüência de forçar o Governo cubano a encaixar-se na órbita da então União Soviética e a isolar-se em relação à América Latina.

O Governo Eisenhower, de 1959 a 1961, recusou-se a receber Fidel Castro quando este, após o triunfo da Revolução, se dirigiu a Washington em missão de boa vontade. Preferiu incentivar a contra-revolução, por meio de campanhas difamatórias, tentativas de invasão, atos de sabotagem, embargo econômico e operações camufladas conduzidas pela Agência Central de Inteligência - CIA.

Kennedy, de 1961 a 1963, no contexto de sua perspectiva de nova fronteira, elaborou a doutrina da contra-insurreição como alternativa. Testemunhos de seus biógrafos Sorensen e Schlesinger dão conta de que o seu governo, quando o assassinato lhe cortou a vida, estava estudando mudanças corretivas quanto ao relacionamento com Cuba.

A Administração Johnson, de 1963 a 1969, concentrou grande parte do potencial militar dos Estados Unidos na Guerra do Vietnam, enquanto Cuba consolidou internamente a Revolução e conquistou a solidariedade internacional, não apenas dos países socialistas, mas também de outros países desenvolvidos e do Terceiro Mundo.

Durante o Governo Richard Nixon, de 1969 a 1974, e especialmente no período do Presidente Ford, de 1974 a 1976, importantes passos foram dados na compreensão de que a política de isolamento de Cuba era prejudicial aos interesses norte-americanos. Vale lembrar que, nessa ocasião, foi assinado acordo bilateral sobre seqüestro de aviões; estabeleceram-se contatos comerciais e desportivos; e, em agosto de 1975, Washington suspendeu a proibição de exportar para Cuba produtos de filiais de empresas norte-americanas. Esses avanços, ainda na Administração Ford, foram, no entanto, cancelados por força de desentendimentos envolvendo a política externa de Cuba em relação a Angola e Puerto Rico.

Por questões semelhantes, o processo de aproximação foi interrompido na época do Governo Carter, de 1977 a 1981.

No Governo de Ronald Reagan, de 1981 a 1989, sem descartar uma possível ação militar contra Cuba, foi dada ênfase à guerra ideológica e sustentou esse governo uma frente de ataque sistemático, alimentando ações de obstrução à negociação da dívida externa de Cuba com os países capitalistas desenvolvidos, restrição de viagens de cidadãos norte-americanos a Cuba, negativa de visto de entrada aos funcionários cubanos, expulsão de funcionários cubanos junto à Organização das Nações Unidas, restrição de sua área de movimento e tentativa de vincular a Ilha ao tráfico internacional de drogas. Acrescente-se a esses fatos a criação da Rádio José Martí e sua entrada no ar em maio de 1985, bem como as medidas anunciadas no discurso presidencial de 1986, visando a tornar mais rigoroso o cumprimento do bloqueio.

A administração republicana do Presidente Bush, de 1989 a 1993, depois do bom termo para os interesses americanos das negociações quadrilaterais sobre o Sudoeste africano, que implicaram, entre outros eventos, a retirada das tropas cubanas de Angola e a independência da Namíbia, não avançou rumo à negociação de outros temas da divergência entre os dois países.

Em 1992, o Governo Bush tomou também a iniciativa de conceber e implantar a Emenda Torricelli, aprovada em 23 de outubro desse ano, proibindo que empresas subsidiárias norte-americanas estabelecidas em outros países vendessem seus produtos a Cuba e penalizando os navios que comercializassem com a Ilha.

Após os acontecimentos que atingiram as forças populares do Panamá e da Nicarágua e o desmoronamento da experiência socialista histórica, os Estados Unidos vêm se projetando como potência hegemônica no âmbito de nova ordem mundial unipolar, particularmente após a Guerra do Golfo. Nesta nova etapa, vêm dando prioridade como argumento, para não desistir de sua atitude agressiva contra Cuba, a questões referentes à política interna de Cuba: abertura para a democracia, defesa dos direitos humanos, eleições. Esperam conseguir mudar pacificamente o regime econômico, político e social cubano mediante a implantação da democracia que eles entendem como a verdadeira, paralelamente à entronização da mágica economia de mercado.

Mais recentemente, em março deste ano, todos fomos surpreendidos por mais uma obra-prima de ridícula intolerância: a aprovação da Lei Helms-Burton, que prevê punição econômica aos países que mantiverem intercâmbio comercial com Cuba.

"A extensão punitiva com o fim de alcançar os Estados não envolvidos no conflito Washington-Havana - como bem escreveu o Correio Braziliense em 11 de março de 1996 - é, sem dúvida, afrontosa aos princípios da soberania e da igualdade jurídica das nações". Esse princípio, como ainda afirma o jornal, "introduz elemento de instabilidade nas relações internacionais", relações que se alicerçam na "previsibilidade e na legitimidade dos princípios jurídicos".

Os embargos previstos por essa lei representam, concretamente, o alargamento do campo da jurisdição norte-americana para outros países, em um claro desrespeito e violação das normas internacionais de livre comércio.

O repúdio a esse disparate do autoritarismo conseguiu até mesmo o inédito fato de a Organização dos Estados Americanos, pelo voto de 23 chanceleres, inclusive o do Canadá, posicionar-se contra tal empreendimento, o que demonstra a profunda consciência do desacerto dessa norma e a certeza de que a hora é de consolidação da democracia entre os povos.

Essa lei, Sr. Presidente, Sr. Embaixador Ramón Sanchez Parodi, Srªs e Srs. Senadores, reforça um embargo que há muito perdeu sentido e eficiência. O bloqueio, como já tive oportunidade de dizer neste Parlamento, atinge, aflige, desconcerta, esmaga o povo cubano e as conquistas que esse mesmo povo, com sua força, seu sangue, sua energia e entusiasmo construiu. O povo cubano erradicou o analfabetismo; reduziu a taxa de mortalidade infantil aos índices mais baixos do Planeta, e proporcionou moradia, saneamento básico, alimento, emprego e segurança para todos.

No que tange ao regime, tão execrado pelos arautos da nova e "livre" ordem mundial, pelos fetichistas idólatras do mercado, pelos lobistas da integração global, quanto maior a pressão, maior seu encastelamento, maior sua criatividade.

Na verdade, é um bloqueio inútil, anacrônico e incompetente. Em 34 anos, não conseguiu seu intento, apesar de ter causado à Ilha um prejuízo hoje estimado em R$40 bilhões.

É fruto, na verdade, de uma visão maniqueísta do mundo, em que de um lado está o bem, do outro o mal. Cuba, no caso, representa o mal, porque ousa ser singular, ousa manter sua história, sua identidade, seu espírito de luta, sua postura.

Hoje, "democrático" é o país que escancara suas portas ao mercado, que se desvincula de opções ideológicas e não opõe obstáculos à ideologia sorrateira do mercado sem fronteiras. "Democrático" é o país que privilegia o capital internacional, transnacional, impessoal, veloz e descompromissado em relação a qualquer projeto de povo ou de nação. A esse capital nada importa, no âmbito das ações concretas, as agressões ao meio ambiente, a prostituição infantil, o abandono das crianças na rua, as multidões dos sem-teto, sem-saneamento, sem-terra, sem-saúde, sem-educação, sem-roupa e sem-mesa. Interessa-lhe, sim, a ausência de fronteiras e de regras na casa dos outros. Não lhe interessam as coletividades e as culturas, interessa-lhe poder agir em consonância com seus interesses e descompromissos.

Nessa tentativa de dominação e de exclusão, perde a América Latina, cujo processo de integração se vem realizando de maneira, em grande parte, dependente dos Estados Unidos. Não resta dúvida que o próprio modelo neoliberal e transnacional da economia da América Latina produz um complexo conjunto de contradições que, potencialmente, poderão gerar conflitos favoráveis a mudanças no atual andamento da integração tais como uma menor subordinação em relação aos Estados Unidos e conseqüências mais favoráveis aos interesses da realidade social da região, inclusive Cuba.

O hemisfério ocidental, América Latina e Canadá, converte-se para Cuba, em poucos anos, de região marginal, em importante fornecedor de bens e serviços e fonte de turistas e de inversões. Em 1989, o hemisfério ocidental constituía menos de 6% do comércio exterior cubano. Em 1993, essa representação elevou-se para 20%. Entre 1990 e 1993, as Américas duplicaram seu peso como destino das exportações cubanas, com um incremento de 7% para 14%, enquanto que as exportações dessas áreas para Cuba cresceram de 7% para 47% .

Sr. Presidente, Sr. Embaixador, diplomatas e Parlamentares, propício este momento para avaliar em profundidade as questões aqui apresentadas. Estou certo de que o Brasil possui bastante segurança e maturidade para desempenhar decisivo papel no equacionamento do problema da reinserção total de Cuba no conjunto da comunidade mundial.

Não é mais possível aceitar a infantil posição de quem mata os moradores do prédio pelo simples fato de que o síndico não é do seu agrado.

Que se consolidem e aprofundem os laços do Brasil com Cuba e com todos os países do mundo. Afinal, não será com a religião do mercado e a submissão, mas com um projeto de Pátria, Nação e Soberania que nosso Brasil se afirmará no futuro como um dos muitos pólos de um modelo de globalização que levará em conta o processo civilizatório e as características específicas de cada país do mundo.

Obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 27/06/1996 - Página 8120