Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DE ABANDONO E DESPREZO EM QUE SE ENCONTRAM OS FUNCIONARIOS PUBLICOS DO PAIS.

Autor
José Bonifácio (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: José Bonifácio Gomes de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • SITUAÇÃO DE ABANDONO E DESPREZO EM QUE SE ENCONTRAM OS FUNCIONARIOS PUBLICOS DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/1996 - Página 11924
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, POLITICA SALARIAL, FORMAÇÃO PROFISSIONAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, CAPACIDADE, DIGNIDADE, SERVIDOR, AMEAÇA, REDUÇÃO, SALARIO, DEMISSÃO, ALTERAÇÃO, NORMAS, APOSENTADORIA.

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na história recente do Brasil, uma classe de pessoas foi guindada ao papel de personagem principal dos desmandos que acontecem, causa primeira dos enormes gastos governamentais e, como tal, alvo preferido de governantes, de grande parte da imprensa e até da própria população, que facilmente se deixa influenciar pelas aparências. Essa é a classe dos servidores públicos.

No desastrado e inconseqüente Governo Collor, julgava-se que a máquina administrativa do Estado se encontrava totalmente emperrada e, para colocá-la em funcionamento a contento, muitos órgãos foram extintos, sem nenhum planejamento, muitos servidores foram dispensados ou colocados em disponibilidade, sem qualquer critério devidamente fundamentado. As conseqüências disso, bem o sabemos, foram desastrosas tanto para o País, como para os servidores: alguns setores vitais, como o da ciência e da tecnologia, foram simplesmente desmantelados, sem que se medissem as conseqüências do ato e sem que se levasse em conta o montante de recursos que estava sendo desperdiçado. Com os servidores, não houve qualquer comiseração, qualquer consideração com a situação individual e familiar de cada um.

No Governo atual, mudou a forma de investida contra o servidor - veio ela camuflada sob o manto de uma necessária reforma administrativa -, mas a idéia mestra de ter nele o inimigo público número um continuou.

A conseqüência disso é que, hoje, o funcionário público está acuado, com medo de perder o emprego, inseguro quanto ao seu futuro. Além dessas ameaças, o seu salário é baixo, e ele ainda carrega a pecha de ser incompetente, preguiçoso, quando não marajá ou corrupto. Nessas condições, não pode, de forma alguma, trabalhar bem.

Para solucionar o problema, o caminho escolhido pelo Governo foi o do terrorismo: quer acabar com a estabilidade, reduzir salários, dificultar a aposentadoria, demitir.

Quando se fala em demitir servidores, em extinguir órgãos da administração pública, reduzir o tamanho da máquina pública, todos aplaudem. Não se considera que uma boa máquina administrativa, servidores competentes e dedicados ao trabalho são essenciais ao bom funcionamento do Estado.

Entre nós, propala-se aos quatro ventos, e todos aceitam como verdade, que há servidores em excesso. Entretanto, os hospitais funcionam mal, por falta de médicos, de enfermeiros, de pessoal administrativo; o número de fiscais da Receita Federal, do Ibama, do Trabalho e da Previdência Social é insuficiente e totalmente aquém das necessidades; o montante de policiais decresce, enquanto a população aumenta e a criminalidade se sofistica; na rede pública de ensino, muitos alunos estão sem aula por falta de professores.

Apesar disso, quer-se fazer ver que a solução para o serviço público passa pela demissão de servidores. Será que, acontecendo isso, os problemas da saúde, da educação, da segurança serão, num passe de mágica, solucionados? Só mesmo ludibriado por um ilusionista para se acreditar nisso.

O que há no Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é excesso de servidores; o que há é má distribuição: enquanto em alguns setores pode haver excesso, em outros, falta pessoal. Esse, porém, é um erro que a Administração poderia facilmente resolver por meio de remanejamento. Basta querer.

O servidor é mostrado como pessoa que ganha altos salários. No entanto, de acordo com dados recentemente publicados pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE, em outubro de 1995, final do ano passado, apenas 0,3% (zero vírgula três por cento) dos servidores civis do Executivo ganhavam remuneração superior a R$6.500,00 (seis mil e quinhentos reais). Essa é uma distorção - reconheço - que, no entanto, atinge apenas cerca de 1.700 (mil e setecentos) funcionários. Por que não falar do outro extremo, em que 11,8% dos servidores (onze vírgula oito por cento), o que dá 66.600 (sessenta e seis mil e seiscentos servidores), ganham remuneração total inferior a R$500,00 (quinhentos reais)? Ou por que não falar daqueles 3% (três por cento) de servidores que precisam mensalmente receber uma complementação salarial porque o seu vencimento básico é inferior a um salário mínimo? Grande parcela dos servidores públicos no Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem salário relativamente baixo. Setenta e sete vírgula sete por cento (77,7%) deles recebem remuneração total inferior a R$1.500,00 aí incluídos, naturalmente, aqueles 11,8% que recebem menos de R$500,00 por mês.

Atualmente, há verdadeira obsessão no Governo pela redução do número de servidores, seja pela demissão pura e simples, seja pela demissão voluntária. Se formos, entretanto, verificar os dados oficiais divulgados pelo MARE, veremos que, entre 1989 e 1995 o montante de servidores vem-se reduzindo ano a ano, já tendo, nesse período, passado de 712.740 para 567.689, significativa redução de 20,3% em apenas 6 anos. Nas empresas estatais e nas sociedades de economia mista, o decréscimo foi igualmente significativo: entre 1989 e 1994, a redução de pessoal foi de 18,8%, passando de 775.868 funcionários para 629.771.

Considerando-se o panorama geral do serviço público federal, há no Brasil cerca de 939 mil funcionários, incluindo civis e militares. Para uma população de 151 milhões de habitantes, isso dá uma relação de um servidor público federal para 160 habitantes. Para termos um parâmetro de comparação, nos Estados Unidos há 2.939.422 servidores federais para uma população de 248.709.873 habitantes, o que dá uma relação de um servidor para cada 84 americanos. Será que os nossos servidores são melhores e mais eficientes do que os de lá? Será que lá há funcionário de mais? Ou será que aqui é que há funcionários de menos?

Ter um corpo de funcionários eficiente e produtivo não é nenhum privilégio ou uma situação apenas desejável. Não é, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Esta é uma necessidade de qualquer nação, a qual não será conseguida com o destrato dos funcionários ou com a sua desmoralização perante o País ou, ainda, com a negação de um salário justo, como tem acontecido entre nós.

Por que não providenciar mecanismos adequados de formação, de treinamento ou de reciclagem dos servidores, em vez de falar de sua incompetência ou do seu despreparo? Por que não proporcionar-lhes um ambiente agradável de trabalho, para que possam ser eficientes, em vez de dificultar a sua aposentadoria, de ameaçá-los com corte de salários e de vantagens que existem para compensar a pouca remuneração recebida? Por que não tomar providências concretas para que as distorções sejam corrigidas, em vez de ficar apregoando aos quatro ventos que alguns poucos privilegiados recebem polpudos salários? Por que não corrigir anualmente o seu salário, como ocorre com todos os outros trabalhadores, em vez de impor-lhes arrochos e sacrifícios que não são exigidos de outros setores da Nação?

Se o serviço público vai mal, se não há continuidade administrativa, a culpa não é dos funcionários, mas do próprio Governo, que não sabe conduzir de forma correta uma política consistente de Administração Pública, que trabalha abertamente contra a uniformidade de conduta na Administração, ao promover constantes trocas de chefia, simplesmente para acomodar interesses, e que confia essas mesmas chefias a pessoas estranhas ao serviço público, descumprindo um preceito constitucional que manda dar preferência ao pessoal da própria carreira.

Não nego, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que haja problemas no serviço público brasileiro.

Sei que os há e são problemas graves que precisam ser criteriosamente resolvidos. Por outro lado, se o País ainda funciona é porque há um número grande de servidores que são competentes e que se dedicam ao trabalho com afinco e disposição, independentemente de governo. Não se pode, porém, deixar que esses se percam e se desmotivem. Da solução que se dar a esse problema dependerá o sucesso ou fracasso do Governo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/1996 - Página 11924