Discurso no Senado Federal

NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL O GLOBO, DE HOJE, SOBRE A COMPRA PELA CAIXA ECONOMICA FEDERAL DA CARTEIRA IMOBILIARIA DO BANCO BAMERINDUS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL O GLOBO, DE HOJE, SOBRE A COMPRA PELA CAIXA ECONOMICA FEDERAL DA CARTEIRA IMOBILIARIA DO BANCO BAMERINDUS.
Aparteantes
Levy Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 19/07/1996 - Página 12717
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, AQUISIÇÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), CARTEIRA IMOBILIARIA, BANCO PARTICULAR, ESTADO DO PARANA (PR), ANALISE, CRISE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ADAPTAÇÃO, ESTABILIDADE, MOEDA, CRITICA, FALTA, LEGISLAÇÃO, POSSIBILIDADE, SENADO, FISCALIZAÇÃO.
  • URGENCIA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ELABORAÇÃO, LEI COMPLEMENTAR, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, REGISTRO, PROPOSTA, GRUPO DE TRABALHO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, RESPONSABILIDADE, RELATORIO, ORADOR.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, o jornal O Globo publica, em sua primeira página, notícia referente à compra pela Caixa Econômica Federal da Carteira Imobiliária do Bamerindus.

Diz o jornal: "Decisão é considerada uma vitória do Senador José Eduardo Andrade Vieira".

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o Senador José Eduardo Vieira, como nosso colega nesta Casa, demonstrou, ao longo do tempo, enorme lealdade e correção de conduta. Todas as informações que temos permanentemente dão conta da sua postura íntegra não só como administrador privado, mas como administrador público nos cargos que desempenhou. Faço esse registro, no entanto, com bastante preocupação.

Creio que estamos vivendo um momento de grave instabilidade do sistema financeiro nacional, de dificuldades notórias de um determinado grupo de instituições financeiras. Ao Senado, neste momento, faltam instrumentos eficazes de acompanhamento e fiscalização de todo esse conjunto de problemas que estão eclodindo a partir da estabilização da moeda.

É importante registrar, Sr. Presidente, que a Constituição, no art. 192, desde 1988, determina específica e claramente que o Congresso Nacional deve votar uma lei, ou leis, de caráter de lei complementar para regular o sistema financeiro nacional.

Há pouco presenciamos a crise que gerou o Proer, programa de reestruturação financeira: a crise do Banco Econômico e a do Banco Nacional. O Senado, constitucionalmente, é a Casa que tem a competência e a responsabilidade de acompanhar, fiscalizar e apontar irregularidades do sistema financeiro perante o Banco Central e o Ministério da Fazenda.

No entanto, ao longo desse processo vivido, experimentado por esta Casa, a cada reunião da Comissão de Assuntos Econômicos há uma situação que se evidencia de imediato: a falta de uma legislação que instrumentalize uma ação fiscalizadora efetiva do Senado Federal, um acompanhamento criterioso e aprofundado, quase íntimo, dessas situações de dificuldade, dessas crises que marcam o sistema financeiro.

Quando se fala das instituições bancárias do País, é muito importante registrar que não estamos falando de algo de menor importância. O abalo do sistema financeiro tem repercussões gravíssimas, dolorosas do ponto de vista coletivo e insuportáveis, principalmente para a faixa mais pobre da população. A desordem, a instabilidade de um sistema financeiro, a eclosão de uma crise pode representar um aprofundamento da pobreza e da miséria em grau e em uma proporção dramática, até hoje não conhecida pelo Brasil.

Na década de 80, um país muito próximo, aqui na América do Sul, o Chile, viveu esta situação. A crise dos bancos naquele país levou a uma queda de 20% do Produto Interno Bruto. Quando terminou a crise dos bancos, os chilenos estavam todos 20% mais pobres. É como se, praticamente, o trabalho de quase uma década de toda uma população tivesse se esfumaçado no ar, tivesse desaparecido instantaneamente.

Aquelas pessoas que subestimam, que depreciam a importância e a gravidade de uma crise financeira estão, no mínimo, a meu ver, sendo irresponsáveis.

Sr. Presidente, nós temos que reconhecer, neste momento, que o País vive uma situação atípica: há uma transição de moeda. Saímos de uma situação de não-moeda para uma situação em que o País tem a sua moeda com valor, com estabilidade. A sua moeda, que pode ser usada como unidade de conta, o que há muito tempo não fazíamos; que pode ser usada como reserva de valor, o que há muito tempo não conhecíamos, mas isto acarreta uma necessidade de rearrumação, de reestruturação do sistema financeiro, que se acostumou, ao longo de décadas, viver do lucro inflacionário.

O caso do Bamerindus nos leva, aqui, no Senado, à responsabilidade de acompanhar essa questão, de fiscalizar o processo, de identificar os problemas, porque, perante o País, somos nós, os Senadores, quem tem a responsabilidade de aferir a correção, a seriedade com que essas negociações são levadas a efeito.

No entanto, quando nós Senadores queremos agir, quando a Comissão de Assuntos Econômicos quer agir, se depara com o fato de que a legislação é precária, a legislação é insuficiente, a legislação não nos instrumentaliza, não nos fornece os elementos de ação necessários. E batemos numa grossa parede de vidro que não nos deixa avançar, não nos permite aprofundar nesse processo de fiscalização e de identificação dos problemas, numa acurada observância daquilo que é a base da Constituição brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, a partir deste fato, chamar a atenção para a necessidade de o Congresso Nacional, imediatamente, debruçar-se sobre a tarefa de produzir uma lei complementar do sistema financeiro. No mesmo momento em que esta notícia sai nos jornais, relatando as dificuldades do Bamerindus - que estão sendo resolvidas pelo Governo -, é o mesmo em que nós, Senadores, começamos a nos afligir, a nos preocupar, a ficar tomados de uma certa ansiedade, porque a Constituição estabelece que nós temos de cuidar dessa matéria, que somos responsáveis pelo seu acompanhamento. Quando isso acontece, também encontro, nos arquivos do Congresso Nacional, uma carta do Deputado César Maia ao Deputado Benito Gama, datada de dezembro de 1992, quando S. Exª diz:

      Após, praticamente, dois anos de trabalho como Relator desta Comissão, especialmente constituída para regulamentar o art. 192, venho apresentar a V. Exª o texto final do Anteprojeto de Lei Complementar sobre o Sistema Financeiro Nacional.

Portanto, em 1992, o Deputado César Maia, que hoje é Prefeito do Rio de Janeiro, já havia trabalhado dois anos em cima de uma legislação para regulamentar o Sistema Financeiro Nacional. Temos, portanto, quase que seis anos passados e essa matéria está tramitando longa e morosamente na Câmara dos Deputados. O que quero dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que nós, Senadores, temos que tomar a peito essa tarefa, temos que assumir essa tarefa de produzir essa legislação, de produzir essa lei complementar do Sistema Financeiro.

E quero comunicar à Casa que a Comissão de Assuntos Econômicos, por determinação do seu Presidente, Senador Gilberto Miranda, sob a Presidência do Senador Vilson Kleinübing, constituiu um grupo de trabalho, e nós estamos apresentando, depois de 65 dias, uma proposta para regulamentar o Sistema Financeiro, para instrumentalizar o Banco Central, na sua ação fiscalizadora e para prover o Senado de responsabilidade e de meios para fiscalizar os fiscais, que são integrantes do Banco Central.

Essa legislação que estrutura o Sistema Financeiro Nacional, nos custou 65 dias de trabalho, com emendas, sugestões, audiências, consultas, mas está pronta e nós a estamos entregando aos nossos colegas, porque me foi dada, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a tarefa de relatar a matéria e estou cumprindo este dever, entregando aos Senadores do grupo de trabalho o primeiro boneco, vamos dizer assim, a primeira amostra de texto para, evidentemente, uma grande discussão, um grande debate, no qual esse texto será muito modificado, no qual esse texto deverá ser extremamente aperfeiçoado, dada as suas indiscutíveis incorreções - elas devem existir, seguramente, e elas serão apontadas pelo critério e pelo bom senso dos Srs. Senadores.

O Sr. Levy Dias - Permite-me V. Exª um aparte, Senador José Fogaça?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muita honra, Senador Levy Dias, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Levy Dias - V. Exª, Senador José Fogaça, tem sempre a sensibilidade de abordar assuntos extremamente importantes para o nosso País no momento exato. Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento que faz nesta tarde sobre os mecanismos de controle e de fiscalização do Sistema Financeiro. Quero dizer a V. Exª que conheço há muitos anos o Senador José Eduardo de Andrade Vieira e tenho em S. Exª um homem extremamente ético, sério e que fez um trabalho extremamente competente na empresa que lhe coube administrar - pegou essa empresa e multiplicou o seu tamanho e, naturalmente, a geração de empregos, dando oportunidades a muitas pessoas e alavancando também o sistema produtivo nacional. Depois do Banco do Brasil, o maior banco brasileiro na área de incentivo à produção rural talvez seja o Bamerindus. E quando se mexe em uma empresa do porte do Bamerindus, mexe-se também com gigantescos interesses internos e externos. Nesses últimos dias - e o grande público talvez imagine de uma forma, mas conhecemos como as coisas operam - acompanhamos uma guerra tremenda contra o Senador José Andrade Vieira e sua instituição. Todos nós passamos por dificuldades, mas tenho comigo que, a curto prazo, pela competência da equipe que administra essa luta terrível que vem acontecendo nos últimos dias, o Senador José Eduardo Andrade Vieira e sua equipe vão superar esse problema e voltar a operar no mercado brasileiro. Cumprimento V. Exª, pois entendo que se a Constituição da República nos dá o dever de gerenciarmos esse assunto, que assumamos esse papel que nos cabe e levemos avante um trabalho sério, competente. Ouvi recentemente uma observação que me deu muita segurança sobre o risco que significa qualquer desequilíbrio no Sistema Financeiro Nacional. Acredito que o Senado tem grande responsabilidade neste aspecto. Eu gostaria de cumprimentar V. Exª neste momento e deixar registrada a minha solidariedade ao Senador José Eduardo Andrade Vieira, que conheço há bastante tempo. Acompanhei seu trabalho todo o tempo no Senado, bem como algumas vezes em que assumiu o Ministério. É um homem que nunca usou nada da União, nem automóvel nem avião, sempre fez um trabalho exemplar, modelo para todo o nosso País. Portanto, deixo minha solidariedade ao Senador José Eduardo Andrade Vieira, e a V. Exª, meus cumprimentos pela oportunidade do pronunciamento que faz, levantando esse assunto.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Levy Dias. V. Exª me permite, portanto, fazer também o registro da seriedade, da lealdade pessoal e da integridade ética com que atua no Senado o Senador José Eduardo. De fato, creio que não há aqui, nem mesmo aqueles que são seus adversários políticos no Estado ou no País, quem seja capaz de questionar esse fato. Ninguém, felizmente, nem no noticiário dos jornais, nem nos fóruns de debate público, nem mesmo no parlamento, na Câmara ou aqui, no Senado, em momento algum - e isso é profundamente sintomático - está pondo em dúvida a postura pessoal daquele que, em última análise, é o proprietário do banco, o nosso Senador José Eduardo Andrade Vieira.

Agora, malgrado este fato, ou seja, apesar de que não existe discussão em torno de possíveis problemas junto à administração financeira do banco, há algo que o Senado tem como responsabilidade, que é infundir confiança na população, fazê-la sentir-se segura de que há um acompanhamento. O Banco Central tem que fiscalizar os bancos e quem tem que fiscalizar o Banco Central, tomar conta do que ocorre, é o Senado da República.

No entanto, o Banco Central tem elementos precários para o acompanhamento do sistema financeiro, dispõe de instrumentos relativamente frágeis. E nós, Senadores, também estamos muito tolhidos em nossa tarefa complementar, que é a de acompanhar o que faz, como atua, como opera o Banco Central. É essa falha que uma nova legislação poderia vir a corrigir.

Essa tarefa é necessária neste momento não só porque estamos vivendo esta crise, que creio passageira, momentânea, produto de uma transição de moeda. É necessário, pois neste ano, no próximo ano, daqui a uma década, daqui a vinte anos, o Senado sempre estará se defrontando com esse tipo de problema. É nossa tarefa, é nossa responsabilidade. Não há desrespeito à Câmara, não há desprezo ao seu trabalho. Mas após seis anos e nenhum resultado concreto obtido, isso já nos autoriza a tomar a iniciativa de propor uma legislação.

Creio que, nesta hora em que há uma certa expectativa, em que apesar de dois anos de estabilidade da moeda, período em que o comportamento da economia não tem sofrido mudanças bruscas, apesar disso ainda há uma indagação, um ponto de interrogação permanentemente no ar: o programa econômico do Plano Real vai dar certo, vai culminar com uma economia estável capaz de promover um desenvolvimento auto-sustentado?

Boa parte da resposta a esta pergunta está passando por essa crise dos bancos. Quem poderia ajudar a responder esta pergunta, o Senado, vê-se numa situação de omissão, e é omisso porque lhe faltam os meios, os instrumentos, as armas, as ferramentas para agir do ponto de vista legal.

Quero, portanto, Sr. Presidente, fazer aqui, enfaticamente, a afirmação de que o País precisa de uma lei complementar no sistema financeiro; o País precisa de uma legislação mais moderna, mais atualizada. A lei que temos hoje, Lei nº 4.595, não responde mais às necessidades, porque tem mais de 20 anos.

O País mudou, assim como o sistema financeiro, as instituições, a realidade mundial, o modelo institucional do País. Atualmente, a legislação não se assenta mais tão-somente em torno das instituições estatais, mas depende basicamente de instituições privadas.

De modo que faço este registro com toda ênfase, dando ao assunto a urgência e a importância que ele merece. Temos que nos debruçar sobre essa tarefa, legislar, produzir uma lei complementar, porque essa é uma responsabilidade nossa perante o País.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/07/1996 - Página 12717