Discurso no Senado Federal

RESPOSTA AS DECLARAÇÕES DO DIPLOMATA JOSE AUGUSTO LINDGREN ALVES, EM EXPOSIÇÃO QUE REALIZOU NA QUADRAGESIMA OITAVA REUNIÃO ANUAL DA SBPC - SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA, PUBLICADAS NO JORNAL DO BRASIL, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA 13, EM MATERIA INTITULADA DIPLOMATA CRITICA CONGRESSO.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • RESPOSTA AS DECLARAÇÕES DO DIPLOMATA JOSE AUGUSTO LINDGREN ALVES, EM EXPOSIÇÃO QUE REALIZOU NA QUADRAGESIMA OITAVA REUNIÃO ANUAL DA SBPC - SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA, PUBLICADAS NO JORNAL DO BRASIL, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA 13, EM MATERIA INTITULADA DIPLOMATA CRITICA CONGRESSO.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 19/07/1996 - Página 12679
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, DIPLOMATA, EXPOSIÇÃO, REUNIÃO, SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIENCIA (SBPC), PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OFENSA, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que é necessário dar conhecimento à Casa de um fato que não pode ser ignorado pelo Senado Federal.

Em sua edição de sábado, 13 de julho, o Jornal do Brasil traz uma matéria intitulada "Diplomata Critica Congresso" e dá notícia de análise feita pelo Ministro José Augusto Lindgren Alves durante exposição que realizou na 48ª Reunião Anual da SBPC.

Entre outras coisas, estranhamente diz o diplomata que o Judiciário e o Congresso não estão acompanhando o esforço do Governo Federal para combater a impunidade. Em relação ao Judiciário, ele afirmou algo que me deixou de cabelo em pé, em virtude da minha noção do que representa a Justiça como garantia de tranqüilidade a cada cidadão. Disse o Ministro que "no Brasil de hoje os juízes não podem ser neutros, sob o risco de serem injustos". A estrutura jurídica vigente encerra um conjunto de normas de cuja aplicação o Poder Judiciário é o grande guardião. Se há ofensa à norma jurídica, deve haver, da parte do cidadão que deseja a garantia e a proteção da lei, a certeza de que o Poder Judiciário reconhecerá o seu direito. Mas agora se inventa um padrão extrajurídico, extralegal, alguma coisa que certos intelectuais consideram que é o certo para o País. Dizer que os juízes não podem ser neutros significa que eles não podem ter a imparcialidade característica da Justiça desde que ela existe, porque eles precisam estar subordinados a um novo paradigma, que é esse que inspira o conjunto de conceitos que alguns intelectuais e militantes políticos têm da realidade.

Com relação ao Congresso Nacional, diz o Ministro José Augusto Lindgren Alves o seguinte: "Um fato que me deixou muito triste foi ver como o Senado abastardou o projeto do Deputado Hélio Bicudo, que transferia para a Justiça comum os crimes praticados por policiais militares."

É evidente que o diplomata a que me refiro aqui tem todo o direito à sua opinião, e não será um democrata quem vai dizer que ele não tinha direito de emitir a sua opinião. Mas não é por que ele tem esse direito de emitir uma opinião e proferir seu julgamento que devamos silenciar ou absorver e aceitar aquilo que deixa de ser uma opinião e passa a ser mero insulto.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Muito obrigado. Penso que o cidadão tem direito a qualquer opinião, mas o representante do Itamaraty não. Trata-se de um funcionário do Governo que estava em missão oficial e, como tal, não poderia usar essa expressão ao referir-se ao Congresso, ao Senado ou ao Poder Judiciário. Por isso, na condição de Presidente da Comissão de Relações Exteriores, depois de falar com o Presidente José Sarney, enviei correspondência ao Itamaraty, na qual fazia sentir que essa Comissão e o Senado não poderiam aceitar de bom grado a atitude de um diplomata que exorbitava e, mais do que isso, demonstrava não ter a principal qualidade que um diplomata deve ter, que é o bom-senso. Não pode ser bom diplomata quem não tem bom-senso. E quem faz declarações desse tipo, representando o Itamaraty, não tem bom-senso. Dirigi-me ao Ministro interino, o Dr. Sebastião Rego Barros, Embaixador, que concordou, em tese, com minhas afirmativas, e que prometeu nos prestar mais do que as satisfações devidas, apurar a veracidade da publicação e depois apontar as medidas tomadas em relação ao agressor gratuito do Senado e do Poder Judiciário. Como cidadão, ele poderia ter a atitude que teve, mas como representante do Itamaraty, jamais. Estou aguardando, razão por que, hoje, transferi a argüição de um embaixador na minha Comissão, porque não me sinto à vontade para argüir qualquer embaixador do Itamaraty, enquanto o Itamaraty não der as satisfações a que o Senado tem direito.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço a V. Exª, e não posso deixar de reconhecer e aplaudir a firmeza com que age V. Exª como Senador e como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional desta Casa.

Acredito, Senador Antonio Carlos Magalhães, que os verdadeiros democratas, aqueles que querem a preservação da liberdade no Brasil, têm o direito e até o dever de criticar o Congresso Nacional, mas não podem perder-lhe o respeito e nem podem criticar generalizando, como têm feito, porque não há democracia sem Congresso. Quem deseja contribuir para destruir a imagem do Congresso perante a sociedade brasileira está, de fato, criando o ambiente que favorecerá, a qualquer instante, que alguém proponha o fechamento das portas do Congresso Nacional e conte com o apoio da sociedade brasileira, porque é isso que está sendo feito. Além do mais, deploro que isso tenha partido do Ministro Lindgren Alves, a quem não conheço pessoalmente.

Mas queria registrar uma coincidência. Sou membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e fui designado relator de um projeto da eminente Senadora Benedita da Silva, que propunha a constituição de uma comissão de alto nível, integrada pelo Presidente do Congresso Nacional, pelo Ministro da Justiça, pelo Chanceler, pelo Presidente da OAB, para elaborar um estatuto de um tribunal internacional de direitos humanos. E embora concordando ser dever do Brasil - até por orientação constitucional, já que a Constituição estabelece que o Brasil propugnará pela implantação de um tribunal desse tipo -, eu entendia que aquela era uma posição compatível com a responsabilidade e o compromisso constitucional do Brasil, mas que a formação da comissão e a preparação de um estatuto desse Tribunal ultrapassava as conveniências da diplomacia brasileira; isso porque a questão dos direitos humanos, à semelhança da questão do meio ambiente, constitui um dos problemas mais fascinantes da diplomacia contemporânea na medida em que são bandeiras dos mesmos grupos, das mesmas instituições, que defendem um outro conceito tremendamente importante, mas que colide com a prioridade da questão dos direitos humanos e do meio ambiente: o problema da soberania dos Estados nacionais.

Uma instituição encarregada de zelar internacionalmente e de fazer valer as suas decisões internacionalmente em matéria de direitos humanos ou de preservação do meio ambiente não pode coexistir com as limitações impostas pela barreira da soberania nacional. Por causa disso, o meu parecer foi contrário, mas resultado de um esforço pessoal em homenagem à Senadora Benedita da Silva. E toda a argumentação se baseia precisamente no livro de autoria do Ministro Lindgren Alves, intitulado Os Direitos Humanos como tema global. Depois de ter desenvolvido um grande respeito intelectual por S. Exª, encontrá-lo dizendo que o Senado Federal abastardou sua decisão ao adotar certos caminhos com relação ao projeto do Deputado Hélio Bicudo, além da minha indignação de Senador, além das minhas preocupações de democrata, faz que tenha que rever o respeito intelectual que nutro por S. Exª.

Na realidade, a história desse projeto do Deputado Hélio Bicudo apresentou uma série de contradições, tornando-se algo incompreensível. Nesta Casa, analisamos esse projeto, comparando-o com o projeto da Deputada Rita Camata; ambos eram proposições que visavam a modernizar o tratamento que se dá à questão dos crimes militares e que previam que os crimes militares passassem a ser apreciados pela Justiça Comum.

Para começo de conversa, quase todos os crimes militares já são apreciados pela Justiça Comum, independentemente disso, por uma razão muito simples: dos 27 Estados brasileiros, só existe Justiça Militar em três: Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. O Rio de Janeiro, por exemplo, cenário das mais escandalosas violências nesse campo, é um Estado onde não existe Justiça Militar, e, por isso, os crimes dos policiais já são hoje, independentemente do projeto Hélio Bicudo, julgados pela Justiça Comum.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Com muito prazer, Senadora.

A Srª Marina Silva - Estou acompanhando atentamente o pronunciamento de V. Exª, e daqui a pouco vou falar a respeito de um problema de violência policial que está acontecendo no meu Estado, que é do conhecimento de todo o País, com matérias em todos os jornais de circulação nacional. Eu gostaria de fazer uma referência ao que V. Exª falou, quando disse que às vezes se quer tratar de forma global as questões do meio ambiente e de direitos humanos, e que essas questões não podem ser assim tratadas, porque esbarram em problemas de soberania nacional. Quero contribuir, se for possível, com uma reflexão. Nós da oposição e as pessoas da situação - para não falar de esquerda e direita - estamos vivendo uma contradição muito grande. Nós da oposição achamos que realmente são sistemas, e não é apenas porque achamos, é porque é real; é interesse das nações, das pessoas, da humanidade, defender o meio ambiente. Faz parte do interesse pela sobrevivência neste planeta; então, é uma bandeira de todos e é até fácil mobilizar todos, principalmente aqueles que já conseguiram um grau de conforto e querem continuar usufruindo desse conforto a expensas dos países não desenvolvidos. Por outro lado, a questão dos direitos humanos também faz parte da preocupação da raça humana, até por uma questão do ponto de vista ético em que pese a ética também ser um fenômeno cultural. Mas conseguimos um grau de universalização de alguns princípios que é possível partilhar nas mais diferentes culturas; é impossível tratar de forma globalizada os assuntos que se referem a direitos humanos e meio ambiente. Agora falando da casa dos outros, a situação, não é impossível tratar de forma globalizada quando o assunto se refere à economia, e quem assim não pensa é logo imediatamente, na melhor das hipóteses, chamado de "caipira"; portanto direita e esquerda estão padecendo de uma avaliação dos conceitos. O fenômeno da globalização é real. Precisamos enfrentá-lo sem perdermos a nossa territorialidade, mas precisamos também globalizar a discussão referente ao meio ambiente e direitos humanos, da mesma forma que queremos globalizar a economia.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço o aparte de V. Exª, Senadora Marina Silva, que, como sempre, enriquece o pronunciamento de qualquer parlamentar. Peço-lhe desculpas se não estou sendo suficientemente claro. As questões a que estou me referindo em torno de meio ambiente e direitos humanos não têm nada a ver com eventuais divisões de Governo e Oposição em nosso País e de nenhum outro. Estou apenas a afirmar, repetindo de certa forma o que o próprio Ministro Lindgren Alves disse, que a questão do meio ambiente - como lida exatamente com um patrimônio, que não é o patrimônio do povo austríaco na fronteira da Áustria, ou o patrimônio ecológico do povo brasileiro no território nacional do Brasil - é uma questão universal.

A dificuldade a que me refiro tem a ver, também, com a questão dos direitos humanos. E por quê? Se, por exemplo, criamos um tribunal internacional e esta entidade tomar uma decisão e proferir uma sentença, condenando determinado país por ter desrespeitado os direitos humanos, isso não terá nenhuma eficácia em virtude do fato de que os estados nacionais são soberanos. Essas são questões interessantíssimas da diplomacia moderna. Não emiti minha opinião porque, de fato, esse é um assunto fascinante e eu teria extremo interesse em participar de uma discussão em torno dele.

De fato, estou falando aqui sobre um insulto que o Senado recebeu desse cidadão pelo qual comecei a perder o respeito intelectual, por ter sido ele incapaz de separar suas emoções políticas e a sua militância, se é que tem alguma, da realidade.

O chamado projeto Hélio Bicudo possui três artigos. O art. 2º diz que "esta lei entra em vigor na data de sua publicação"; e o terceiro, "revogam-se as disposições em contrário". Considero-o um projeto insuficiente e, com todo respeito que tenho e proclamo pela autoridade intelectual e jurídica do Deputado Hélio Bicudo, quero lhe dizer que o nome de S. Exª está associado a um projeto muito ruim. O que o Senado fez foi melhorar um projeto ruim, que mandava para a Justiça Comum apenas os crimes dos policiais militares, não os crimes dos militares da Aeronáutica, da Marinha e do Exército. O Senado, ao invés de apertar ou diminuir o projeto, para abastardá-lo, como diz o Diplomata, ampliou a cobertura do projeto, incluindo também os militares federais que pertencem às Forças Armadas no mesmo risco que têm os pobres pequenos policiais militares dos Estados.

Acaba de sair a versão, aprovada pela Câmara, do substitutivo que recebeu do Senado.

Ouvi uma declaração do Deputado Hélio Bicudo no sentido de que a Câmara resgatou pouco o seu projeto. Na verdade, o projeto da Câmara é mais restritivo do que o do Senado. Veja V. Exª que o art. 1º - aprovado - praticamente nada muda em relação ao que saiu do Senado Federal. Portanto, não temos por que tratar desse assunto. Todavia, há uma mudança fundamental no texto, enquanto aprovávamos a remessa para a Justiça Comum dos crimes dolosos contra a vida, cometidos ou tentados, praticados por militares. Nesse caso, a tentativa de homicídio está coberta. E, se esta assim permanece, a tortura feita ao preso, ameaçando-se matá-lo, também estaria. Porém, a versão que agradou ao Deputado Hélio Bicudo retira a expressão "cometidos ou tentados", ficando apenas "crimes dolosos contra a vida". Dessa forma, será preciso que a vítima tenha morrido para que o crime doloso contra a vida se complete. Caso isso não ocorresse - de acordo com projeto que saiu do Senado -, o criminoso estaria sujeito às normas que aprovamos. Na Câmara não, porque o crime tentado contra a vida foi excluído do projeto.

O papel que reservávamos ao Ministério Público foi abolido, pois ele não mais existe. Sai do inquérito, que é sempre policial militar, para a Justiça Comum ou não.

Finalmente, Sr. Presidente, basta que se diga aqui que este projeto, que agora tem o aplauso do Deputado Hélio Bicudo e dos que consideraram que o Senado o abastardou, é muito mais restritivo e conservador, no conceito que eu não aceito e não concordo. Entendo que a Câmara dos Deputados cumpriu o seu papel e realizou um bom trabalho, mas provavelmente, no conceito desse cidadão, ele não honra também a Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo dar conhecimento a esta casa de que o Senado não foi criticado, mas insultado. Se nós que aqui estamos achamos que este mandato não vale nada, não tínhamos o direito de comparecer perante a população dos nossos Estados e dizer à população que queríamos vir para cá. Se achamos que esta Casa vale alguma coisa, os Senadores que aqui estão têm o dever de não permitir que se destrua a imagem do Congresso Nacional injustamente; têm o dever de estimular que se critique o Congresso Nacional quando ele merecer críticas. Mas é necessário defender esta Casa, defender a Câmara dos Deputados, defender o Congresso Nacional, pelo simples fato de que não há - nem haverá - democracia sem Congresso no Brasil nem em lugar algum.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/07/1996 - Página 12679