Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A CALAMIDADE EM QUE SE TRANSFORMOU O USO DO CRACK EM SÃO PAULO.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A CALAMIDADE EM QUE SE TRANSFORMOU O USO DO CRACK EM SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1996 - Página 1351
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, UTILIZAÇÃO, SUB PRODUTO, COCAINA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, GOVERNO, URGENCIA, ADOÇÃO, POLITICA, EFICACIA, PREVENÇÃO, DROGA, RECUPERAÇÃO, USUARIO.

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou realmente chocado! Apesar de toda a experiência que adquiri em todos esses anos no trato com o angustiante problema das drogas, não consigo reter minha indignação diante do que está acontecendo na terra de onde venho, como uma amostra do que se passa por este nosso Brasil afora.

Graças ao diligente e dedicado trabalho de um pugilo de pesquisadores da Escola Paulista de Medicina, integrante da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, e do Hospital Geral de Taipas, estabelecimento pertencente à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, podemos comprovar cientificamente a calamidade em que se transformou o uso do crack - a mais perniciosa das drogas do momento - nas camadas mais desafortunadas da população nos últimos três anos.

Os resultados da pesquisa, coordenada pela Uniad - Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, daquela universidade, não deixa margem a dúvidas: estamos frente a frente com uma grande desgraça neste fim de século.

Vários professores, preocupados com o uso do crack, foram a campo para verificar o que aconteceu, após dois anos, com os primeiros usuários internados na cidade de São Paulo.

Ao historiar o que fizeram, os pesquisadores lembram que, até o meio da década de oitenta, o uso da cocaína no Brasil era um fenômeno quase que exclusivo de alguns grupos de elite econômica ou social. Com a maior oferta da droga, conseqüência do aumento da produção pelos países andinos, o Brasil passou a sofrer com o aumento do uso dessa substância.

Na primeira onda de proletarização da cocaína, predominavam os usos nasal e endovenoso, sendo este último responsável por um grande número de usuários infectados pelo vírus HIV, cuja maioria já atingida pela morte. Não houve no País - ressaltam os pesquisadores - uma política de prevenção capaz de evitar tais mortes desnecessárias. A Inglaterra, por exemplo, que adotou políticas preventivas contra a AIDS desde o começo dos anos 80, evitou essa mortalidade excessiva. Conseqüentemente, o índice de infecção pelo HIV entre usuários de drogas naquele país gira em torno de 1%; no Brasil, esse índice é de 50%.

A pesquisa acentua que, a partir de 1992, começou uma segunda onda de uso de cocaína, com o advento da utilização do crack, na cidade de São Paulo. O crack é simplesmente a cocaína fumada. Não se trata, portanto, de uma nova droga, mas, sim, de uma nova forma de uso de cocaína.

Informações vindas dos Estados Unidos já alertavam sobre os efeitos devastadores dessa forma de uso da cocaína em inúmeros grupos sociais norte-americanos. Sendo o crack mais barato que outros tipos de droga e tendo uma absorção mais rápida e mais efetiva, maior até do que a obtida pela aplicação endovenosa de cocaína, ele tem um potencial de dependência muito maior do que qualquer outra droga usada no mundo. Pelo fato de ser estimulante e seu efeito durar somente alguns minutos, o usuário costuma tentar obter uma fonte de abastecimento constante e a qualquer custo. Envolve-se, assim, mais facilmente no tráfico, na criminalidade e em outros tipos de complicações sociais.

Quero fazer apenas um alerta. O que é fumado em larga escala é a pasta, que vem em forma bruta, com várias impurezas; portanto, envenena e mata o usuário com mais rapidez. O crack americano é de base livre, free base, composto de bicarbonato de sódio, éter, água destilada e cloridrato de cocaína, formando a pedra e os cristais.

Em 1990, somente 17% dos usuários em tratamento no hospital citado eram viciados em crack, em 1993, esse número passou para 64%. Atualmente, mais de 90% desses doentes fazem uso de crack.

A falta de dados dificulta o planejamento dos serviços destinados a tratar usuários de drogas e faz com que a condição a ser tratada fique envolta em muitos mistérios. Para planejar com mais propriedade esses serviços e compreender melhor o que sucede no meio daquele tipo de população, os pesquisadores foram investigar o que havia acontecido com os primeiros usuários de crack, internados no Hospital Geral de Taipas a partir do começo de 1993.

Esse hospital possui uma enfermaria para tratamento específico de problemas relacionados com álcool e drogas. A partir de 1993, houve um expressivo aumento no número de usuários de crack, e os pesquisadores procuraram avaliar os 103 primeiros pacientes internados, em termos de drogas que usavam na primeira internação, complicações sociais e mentais, condições de alta, pacientes recuperados, ainda usando drogas, mortos ou presos.

Ao serem internados, os pacientes eram muito jovens, com média de idade de 23 anos. Na maioria, ou seja 98%, eram do sexo masculino; 73% eram solteiros; 60% eram desempregados e 80% já haviam recebido tratamento anterior.

Eis o resultado: 50 continuavam usando drogas; 29 não usaram drogas no ano de 1995 - portanto, em tese, esses estariam recuperados -, 9 estavam presos, 2 estavam desaparecidos e sem contato com a família, e 13 morreram - 7 por morte violenta, 5 por AIDS e 1 por overdose.

Então, com base nesses dados, verificamos que esse problema causa preocupação e exige do Governo uma política contra o uso de drogas, de prevenção do HIV, além de uma série de outros procedimentos a serem desenvolvidos principalmente junto à população menos favorecida, na qual estão inseridos os menores de rua, com os quais nos preocupamos. Estamos olhando a desgraça em que estão incorrendo essas pessoas com o consumo de drogas, principalmente com o uso do crack na forma original, que é a pasta de cocaína com todas as suas impurezas. Se V. Exªs observarem, os viciados utilizam sem parar um isqueiro para acender a droga, porque é necessária uma forte combustão para que ela realmente produza a fumaça que eles vão fumar. Isso vai levá-los à desgraça.

Se uma amostra de 103 pacientes drogados nos dá índices tão estarrecedores como esses, se o Governo não tomar providências no sentido de adotar uma política séria de prevenção contra o uso de drogas e de recuperação dos usuários, provavelmente no ano que vem teremos que lamentar esses índices pela ascendência dos seus números.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1996 - Página 1351