Discurso no Senado Federal

EFEITOS ABRANGENTES DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA NACIONAL.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • EFEITOS ABRANGENTES DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA NACIONAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 24/07/1996 - Página 13030
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, NECESSIDADE, PLANO, REAL, CAPITAL ESTRANGEIRO, FINANCIAMENTO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL.
  • ANALISE, RELAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, INFORMAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, EXTENSÃO, PROCESSO, ECONOMIA, ECOLOGIA, ERRADICAÇÃO, MISERIA, REDUÇÃO, PODER, ESTADO.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a discussão sobre os efeitos e a abrangência da tão falada globalização não cabe num único discurso. É tarefa para pesquisadores, estudiosos, cientistas, jornalistas e políticos elaborarem com calma e pertinácia, observando conseqüências na vida das pessoas e das comunidades. O Brasil do Plano Real, no entanto, está decisivamente colocado no centro deste debate, uma vez que a estabilidade da moeda está sendo feita com base numa abertura para importações e nas âncoras da taxa de juros e do câmbio. O Brasil precisa de capital estrangeiro para financiar seu desenvolvimento, uma vez que os recursos nacionais do Estado escassearam e se tornaram insuficientes até mesmo para manter a infra-estrutura do País.

A globalização não é um fenômeno novo. É um processo que caminha em ciclos, mais ou menos rápidos. Veja-se, por exemplo, que os descobrimentos marítimos do final do século XV modificaram a vida na Europa. As nações do Velho Continente, mergulhadas na escuridão da Idade Média, não tinham alternativas, nem possuíam perspectivas. O povo era ignorante e pobre. Não havia Estados nacionais organizados e preocupados com o desenvolvimento.

As descobertas das novas terras no além-mar permitiram a migração de milhões de europeus para a colonização do novo território. Esse movimento, no caso de Portugal, por exemplo, permitiu a solução naquele país de graves problemas de habitação, de saneamento e de comércio, uma vez que surgiram novos parceiros e novas mercadorias a serem negociadas.

O mesmo ocorreu na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX. Cidades, como Londres, eram poluídas, infestadas de mendigos e extremamente perigosas. A colonização do oeste norte-americano permitiu que milhões de cidadãos britânicos encontrassem uma nova perspectiva para a existência. A vida na Inglaterra melhorou, os problemas básicos foram solucionados. De uma maneira geral, o fenômeno atingiu a Alemanha, a França, os países nórdicos e a Itália. No século seguinte, os japoneses saíram de suas ilhas e também demandaram o novo mundo.

Aliás, foram os portugueses, em primeiro lugar, e depois os ingleses, que abriram o mercado japonês para o mundo. Lá, em Nagasaki, no extremo sul do Japão, está uma importante colônia católica. O Papa João Paulo II já esteve lá. Os japoneses, por sua vez, fundaram colônias importantes nos Estados Unidos e no Brasil. A globalização é um fenômeno antigo. Os povos são levados por necessidades imediatas a buscar melhores perspectivas de vida em outros lugares. E, assim agindo, abrem novos caminhos de comércio, descobrem a modernidade e produzem conceitos que modificam as suas comunidades.

Não há ponto final nesse processo. A novidade que ocorre agora, no fim do século XX, é o extraordinário desenvolvimento da tecnologia. A verdadeira globalização está ocorrendo porque as tecnologias de comunicação permitem que o homem entre em contato, ao vivo, com outro ser humano em qualquer parte do mundo, em qualquer momento. É possível transmitir dados, receber informações, ler jornais e consultar arquivos de governos, instituições bancárias ou universidades. O processo do conhecimento e da informação está passando, este sim, por uma verdadeira revolução. O conhecimento está sendo verdadeiramente democratizado.

A mesma constatação, no entanto, poderia ser feita por algum político ou estudioso no final do século XV. A construção das caravelas e a adoção da vela triangular - a vela latina - resultaram em barcos que podiam navegar contra o vento. Esse detalhe, aliado à construção de uma embarcação leve e veloz, de manutenção rápida e barata, revolucionou o mundo da época. Era - e, de fato, foi - uma conquista notável para aquele momento. Era a tecnologia a serviço da globalização.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª está abordando esse processo complexo e fascinante de integração mundial. De fato, estamos unindo países e povos através da comunicação, da telemática, da informação, da disseminação da informação por diversas maneiras. Por outro lado, assistimos à formação dos grandes blocos econômicos como a União Européia, o Mercosul, o Nafta, os Tigres Asiáticos, e assim por diante. Tudo isso acontece com um fato lamentável. Ao mesmo tempo em que essas barreiras caem, ruem, levantam-se outras que querem transformar essas ilhas de prosperidade em áreas absolutamente isoladas. Basta que se faça menção à luta que os países da União Européia travam para evitar a imigração dos africanos, dos argelinos, dos que vêm dos países da Europa Oriental, sobretudo depois da queda do regime comunista; os Estados Unidos travam uma luta para barrar a imigração dos latinos, principalmente do México, com quem fazem fronteira. Assim, ocorre um paradoxo: integram-se as economias, ligam-se os países através da comunicação rápida, eficiente, moderna e, ao mesmo tempo, evita-se a chegada dessa horda de bárbaros, de pobres, de miseráveis, que estão por toda parte, principalmente na África, na Ásia, na Europa Oriental e na América do Sul. Tal contra-senso faz com que esse sistema adquira uma face cruel, perversa, externando nela justamente esse sinal de excludência; esse paradoxo de integrar e, ao mesmo tempo, afastar as populações miseráveis de um convívio salutar, como se fosse possível levantarem-se barreiras que impedissem a livre circulação das pessoas. Eu gostaria de chamar a atenção para esse aspecto no pronunciamento de V. Exª, que analisa até a raiz histórica desses movimentos que, agora, caracterizam uma fase importante do desenvolvimento da humanidade, por meio dessa integração que, todavia, deixa a desejar, na medida em que rejeita, em que elimina, em que expele esses contingentes populacionais que, com a sua pobreza, vêm perturbar a situação de opulência, de riqueza, dos países desenvolvidos.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço a gentileza do aparte de V. Exª e o incorporo ao meu modesto pronunciamento, com muita satisfação.

Assinalo, Sr. Senador, o fato de que o fenômeno da globalização termina levando os países a procurarem estabelecer, sobretudo, barreiras para os deslocamentos internacionais de mão-de-obra; inclusive, os países mais desenvolvidos procuram mão-de-obra para obter postos de trabalho. Mas evidente que isso é uma etapa do processo de globalização, e o que se espera é que cada país explore as suas vantagens comparativas e possa desenvolver a sua economia de forma a gerar emprego para a sua população.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, podemos, portanto, perceber, intuir ou antever que os novos tempos estão chegando. De uma certa forma, o mundo está abandonando uma Idade Média moderna, aquela em que o poder esteve dividido, e congelado, entre dois blocos antagônicos e no nível regional pulverizado pela prevalência de Estados nacionais. O fim do antagonismo bipolarizado fez com que o sistema político e econômico se tornasse hegemônico. Seu oponente desapareceu como força capaz de gerar conseqüências duradouras.

Os nacionalismos não acabam, ficam apenas adormecidos. Enquanto eles param de agir, a globalização avança. Vale lembrar, aqui, nesta reflexão, um personagem de Luís de Camões, citado em Os Lusíadas. É o Velho do Restelo. O velho, boquirroto e pessimista, postava-se no cais de Lisboa, de onde partiam os navios demandando as novas terras, e afirmava que aquela aventura não iria dar certo. Alertava para os perigos, para a grandeza dos investimentos e para o baixo retorno daquela empreitada. Há, em cada comunidade, em cada país, em cada nacionalidade, quem veja a globalização como um risco, como um problema, como um procedimento a ser evitado. O Velho do Restelo existe e está vivo. Mora entre nós.

É tecnicamente possível evitar que o povo de um determinado país tenha qualquer tipo de contato com seus vizinhos. Basta fechar fronteiras, destruir antenas parabólicas, acabar com as comunicações telefônicas, por rádio, por televisão e por todos os outros meios de contato. No entanto, é perceptível que essas medidas duram pouco. Não se sustentam ao longo dos tempos. O Muro de Berlim, um símbolo da exclusão e da divisão, não resistiu. Tombou. Caiu. Dele restaram apenas as fotografias.

A integração não só é necessária, como também inexorável. O país que não abrir suas portas à globalização sofrerá mais do que aqueles que se expuserem à concorrência internacional. É preciso perceber, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que o processo de globalização não é apenas econômico, embora tenha na atividade do comércio seu princípio fundamental. Os problemas também passam a ser globais. A questão da ecologia, do meio ambiente, da proteção dos mananciais e da própria vida humana começam a ser tratados de maneira universal. Os nacionalismos perdem diante da emergência de problemas mundiais.

As fraquezas, carências e dificuldades tendem a se mostrar de maneira mais ostensiva. Hoje, por exemplo, existem manchas de pobreza em diversos países, em vários continentes. Existem, contudo, sérios problemas localizados. Veja-se a extrema dificuldade em que se debatem os africanos. À exceção da África do Sul e dos povos que habitam o norte do continente, os africanos estão entregues à própria sorte. A atenção que o mundo dedica à África nada tem a ver com as proporções da grande tragédia que se abate sobre os povos da chamada África negra. Segundo os relatórios das Nações Unidas, somos levados a crer que ali cada indivíduo é portador de mais de uma enfermidade. A humanidade, que foi capaz de criar um novo mundo tecnológico, está, ao mesmo tempo, convivendo com índices medievais de enfermidade, higiene e saneamento na África.

A questão econômica assusta empresários e governos. Abrir as fronteiras a produtos internacionais significa mais concorrência, busca por qualidade, menor preço e maior produtividade. Empresas multinacionais estão começando a investir em países comunistas, como China e Vietnã, em busca da mão-de-obra mais barata. Elas montam suas bases de operação nesses países, mas os produtos são vendidos em todos os recantos do mundo. Desaparece aquele recurso de marketing: esse é um bom produto alemão ou japonês. Os japoneses e os alemães estão produzindo veículos nos Estados Unidos, no Brasil e nos países asiáticos. Nenhum desses produtos é absolutamente de um único país; as peças são importadas de vários pontos do mundo.

Tudo isso aponta na direção da redução de preços, da qualificação da mão-de-obra e do aumento da produtividade. A tendência é reduzir custos para vender mais em um mercado que não conhece barreiras, não tem início nem fim. É o mundo inteiro. Ao lado disso, a informatização das telecomunicações permite que o dinheiro entre e saia dos países com extrema velocidade. As aplicações nas Bolsas de Valores, hoje em diante, rodam o mundo a cada 24 horas, acompanhando a abertura e o fechamento dos mercados, segundo os fusos horários.

Remanesce, no entanto, a questão do Estado nacional. A integração econômica e financeira dos mercados é uma força que não poderá ser detida. Cada vez mais, os Estados deverão ser menores e menos eficientes diante desse valor mais alto que se alevanta. A integração entre os países do sul do continente, o Mercosul, vai produzir resultados econômicos fortes nos dois lados da fronteira. Os Estados serão menores que esse produto. A política tenderá a se modificar e atender ao imperativo da integração ou da união de fronteiras.

Tudo isso está ocorrendo diante dos nossos olhos, com uma luminosidade capaz de atingir até os olhos menos sensíveis. Nós, no Brasil, poderemos caminhar nessa direção com maior ou menor velocidade. Não poderemos, contudo, deixar de participar desse processo por causa do nosso Velho do Restelo, por medo do desconhecido ou por receio de perder para a concorrência internacional. O Brasil precisa se levantar do berço esplêndido e caminhar em direção ao moderno e ao contemporâneo.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Com muita atenção, ouço o nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Como sempre, dispenso a V. Exª a atenção que me merece. No instante em que V. Exª cita o Velho do Restelo, que Camões acabou transformando na sua epopéia Os Lusíadas, como um marco de referência a tudo aquilo que é atrasado, vale a pena ouvir o diagnóstico de V. Exª, a abrangência do discurso em que V. Exª, ao final, mostra que não há mais lugar neste mundo, onde tudo está sendo globalizado, para alguém que fique eqüidistante ou mesmo indiferente. V. Exª traça o perfil daqueles que estão chegando em outros países, produzindo ali; registra a queda do Muro de Berlim e mostra que hoje não existem mais fronteiras ideológicas - essas se acabaram. Aquela dicotomia entre o comunismo, de um lado, e o capitalismo, de outro, defendidos um pela extinta União Soviética e outro pelos Estados Unidos, não mais têm lugar. Hoje, o que existe, Senador Joel de Hollanda - V. Exª deixa entrever isso com rara oportunidade - são fronteiras econômicas. Veja V. Exª que o Japão, que perdeu a guerra bélica para os Estados Unidos, está a sair vitorioso da guerra econômica. De modo que interferi apenas para aplaudir a oportunidade do seu pronunciamento. Não me sentiria bem se ficasse calado sem este registro. Cumprimento-lhe.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço ao nobre Senador Bernardo Cabral o aparte com que me distinguiu e incorporo com muita alegria as observações lúcidas e pertinentes que acaba de fazer, enriquecendo ainda mais minhas pobres palavras, chamando a atenção para essa grande questão que é a globalização, que tanto temor causa a determinados setores do País, mas que é uma contingência do próprio processo de desenvolvimento.

Continuo, Sr. Presidente.

Pode ser confortável fechar fronteiras, elevar tarifas e manter o nosso grau de obsolescência industrial. Trabalhar com as atuais taxas de iniquidade social ou praticar o mesmo índice de analfabetismo, tudo isso em nome de nacionalismos, de proteção de empresas ineficientes ou de argumentos políticos tão bizarros quanto anacrônicos. Se o Brasil se fechar, estará, contraditoriamente, revelando sua dificuldade, mostrando sua face retrógrada e tornando-se, a médio prazo, uma sociedade que, por seu nível de atraso, será absorvida pelo capital internacional com custo muito mais baixo. É melhor buscar agora a integração, quando ainda há o que ser negociado, do que amanhã, quando nossas indústrias estarão obsoletas, nossa infra-estrutura inadequada e o nosso povo ainda mais carente.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/07/1996 - Página 13030