Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO COM A MONTAGEM DE ESTRUTURA PARA CARNAVAL FORA DE EPOCA EM FRENTE AO CONGRESSO NACIONAL. COMENTARIOS SOBRE O EDITORIAL DO JORNAL ESTADO DE S.PAULO, COM RELAÇÃO AS MEDIDAS ANUNCIADAS PARA FAVORECER A INSTALAÇÃO DE UMA MONTADORA DE AUTOMOVEIS NO NORDESTE. REFLEXÃO SOBRE A IMPORTANCIA PARA O BRASIL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO DA REGIÃO NORDESTE.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • INDIGNAÇÃO COM A MONTAGEM DE ESTRUTURA PARA CARNAVAL FORA DE EPOCA EM FRENTE AO CONGRESSO NACIONAL. COMENTARIOS SOBRE O EDITORIAL DO JORNAL ESTADO DE S.PAULO, COM RELAÇÃO AS MEDIDAS ANUNCIADAS PARA FAVORECER A INSTALAÇÃO DE UMA MONTADORA DE AUTOMOVEIS NO NORDESTE. REFLEXÃO SOBRE A IMPORTANCIA PARA O BRASIL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO DA REGIÃO NORDESTE.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/07/1996 - Página 13360
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, OCUPAÇÃO, PRAÇA DOS TRES PODERES, CARNAVAL, AGOSTO.
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO, GESTÃO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, IMPRENSA, ANTAGONISMO, BRASIL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • AVALIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL, PERIODO, HISTORIA, NECESSIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que esta tribuna é o local onde as ansiedades e as inquietações dos que receberam do povo brasileiro o privilégio de ocupar uma cadeira no Senado Federal devem ser expostas e partilhadas com os demais.

Por isso, há alguns dias, diante de reflexões que foram feitas, inclusive por V. Exª, discutindo o relatório do Banco Mundial, dividiu-se o nosso País em alguns brasis.

Hoje, pensei que me deveria debruçar sobre alguns dados da nossa realidade econômica, para dar continuidade a um debate iniciado por V. Exª com a altitude habitual. Entretanto, sinto-me na obrigação de retificar a estrutura da exposição que faria, em face de três aspectos.

O primeiro, Sr. Presidente, seria um certo sentimento de indignação. Sou um democrata sincero e, como tenho dito freqüentemente, não acredito em democracia sem Congresso. Penso que, além da nossa fidelidade, da nossa adesão e do nosso respeito a ele, é preciso criar no País, nas instituições e em todas as autoridades, uma atitude reverencial não em relação aos Parlamentares, mas ao Parlamento.

Ao chegar hoje ao Senado, vi - permita-me a expressão - essa "geringonça" que está sendo armada em frente ao Congresso Nacional. Disseram-me que aquele seria o território escolhido para se fazer um carnaval em Brasília. Fico me perguntando se, no caso de haver um carnaval temporão em Londres, alguém se atreveria a fazê-lo na porta do Parlamento inglês. Ou seria diante do prédio do Congresso americano o local escolhido para esse tipo de festa?

Não sou parlamentar em Brasília; sou parlamentar no Brasil. E, diante disso, entendo que não somos apenas nós que merecemos ser criticados. É faço aqui uma indagação: se se deseja a democracia neste País e se se deseja o Congresso, é assim que autoridades devem expressar o seu respeito pelo Congresso Nacional?

O segundo ponto que gostaria de abordar relaciona-se com o discurso do Senador Waldeck Ornelas e, na realidade, termina perpassando o pronunciamento do Senador Josaphat Marinho.

Sr. Presidente, confesso que estou ficando preocupado ao ver como, de repente, tornam-se emocionais as discussões no País.

A questão nordestina não nasceu agora, como sabemos. Entretanto, de vez em quando, ela é tratada à luz de hipóteses falsas e que não interessam ao Brasil. Parece até que, tratando-se do desenvolvimento das regiões economicamente mais deprimidas, isso seria algo capaz de se opor aos interesses do Centro-Sul do País. Como se São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná fossem prejudicados no momento em que se tornasse florescente todo esse resto do Brasil, formado pelo Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O que li em jornais serenos, respeitáveis, responsáveis, como o editorial do Estadão, sobre essas medidas anunciadas para favorecer a instalação de uma montadora de automóveis no Nordeste, não pode ser ignorância, porque o Estadão não é ignorante; não pode ser má-fé, porque se trata de uma instituição jornalística com sinceras, evidentes e reiteradas demonstrações de interesse no futuro do País. Mas não posso saber do que se trata.

Na realidade, Sr. Presidente, até o final da década de 50, quando um jovem economista, Celso Furtado, escreveu o documento "Diagnóstico Preliminar da Economia do Nordeste", o Nordeste era tido como uma Região problema. Mas o seu problema era limitado à questão da água - foi a fase hídrica da questão nordestina.

Criou-se um conjunto de teses, por trás de iniciativas concretas, voltadas para desencadear uma briga da sociedade, do Governo, do Estado brasileiro com a natureza. Por quê? Porque era desconfortável ter uma seca e, por isso, era preciso acabar com ela. É como se, na Europa, Sr. Presidente, não sendo muito favorável o período de neve, fossem criadas organizações para acabar com o inverno.

No Nordeste, a luta começou contra a realidade ambiental. A primeira instituição criada chamava-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. Estava declarada a guerra naquele momento. Essa Inspetoria Federal foi substituída pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, que existe até hoje, com enormes e relevantes serviços prestados àquela Região.

A grande mudança consistiu em revelar o óbvio. Aquela Região, cujo suporte físico mostrava escassez de água, era, na verdade, uma região com fisionomia própria e com problemas comuns a um grande sistema econômico. O que se queria dizer é que o Nordeste, com aquele espaço físico imenso, com toda a população que tinha então, não poderia ser encarado pelo País como uma região onde, resolvido o problema da seca, estaria tudo resolvido. Tratava-se de um sistema econômico que requeria uma política econômica compatível com aquela realidade. E, se isso fosse feito, ampliar-se-iam a renda da população do Nordeste e as dimensões do seu mercado, que era, como é, como sempre foi e como continuará sendo, se Deus quiser. Digo assim porque sou daqueles que defendem a preservação da unidade nacional, um mercado cativo de São Paulo, um mercado cativo das zonas afluentes e mais industrializadas do centro-sul do País.

O que estou querendo dizer com isso é que não existe conflito de interesses entre a prosperidade das regiões deprimidas e o futuro, a estabilidade, a economia das regiões mais prósperas. Esse confronto é uma visão deformada, antiquada, anacrônica, desinformada de uma realidade falsamente incutida na cabeça da maioria de pessoas muito responsáveis.

O desenvolvimento do Nordeste interessa aos nordestinos, claro! Mas o desenvolvimento dos nordestinos é que os reterá lá, para que não continuem transformando São Paulo na imensa favela em que se transformou, para que a pressão das migrações internas não desfaça, não desorganize totalmente a vida nas áreas mais ricas, para que a busca pelo emprego não continue levando multidões para as grandes cidades, que são cidades que precisam receber as multidões, é certo, mas que precisam, acima de tudo, de ter condições de gerenciar a sua prosperidade sem tumultos.

Portanto, queria trazer a minha contribuição quanto a isso, na direção de que precisamos tirar o componente emocional e colocar nessa discussão, acima de tudo, um componente racional.

O Sr. Lauro Campos - Senador Geraldo Melo, V. Exª me concede um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Geraldo Melo, o discurso de V. Exª e sua referência ao professor Celso Furtado trazem à memória aqueles fatos dos anos 50, que presenciei com curiosidade, preocupação e interesse. Realmente, quando Celso Furtado apresentou a Juscelino Kubitschek a idéia inovadora de que o Nordeste poderia ser a solução e não o problema, poderia ser visto como um novo campo no Brasil para investimentos e que fez passar da fase que V. Exª muito bem denomina de fase hídrica para a seguinte, vimos uma série de instrumentos serem conduzidos na tentativa de pelo menos trazer o nível de vida, a renda per capita e o processo de industrialização do Nordeste para mais próximo daquele que estava sendo verificado, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Naquela ocasião, Celso Furtado preparava, entre outros estímulos, aquele que permitia que uma parte do Imposto de Renda, através da Lei nº 157...

O SR. GERALDO MELO - Era o 3418, como se chamava naquele tempo.

O Sr. Lauro Campos - Agradeço a V. Exª a lembrança. Acontece que realmente o próprio Professor Celso Furtado - e agora minha memória não me falha - na página 47 de um livro chamado "Perspectivas do Crescimento Econômico", publicado pela Editora ISEB, em 1957, faz uma afirmativa que realmente sempre me pareceu preocupante: a de que o problema econômico do Nordeste tinha solução no próprio Nordeste e que esse problema existia devido ao fato de a taxa de natalidade ser muito elevada, o que produzia uma oferta abundante de mão-de-obra, que fazia com que os salários baixassem. Continuava dizendo que a solução do Nordeste estaria, portanto, nos salários monetários que ganhavam os trabalhadores nordestinos. Falava em redução de salário monetário e não em salário real e nem em salário nominal. Foi por aí também que se criou o salário diferenciado por regiões, sendo que os salários do Nordeste eram inferiores aos de diversas outras regiões do Brasil, o que me parece ter sido uma tentativa equivocada de atrair para lá capital para que a mão-de-obra barata pudesse reduzir o hoje chamado custo Brasil. No entanto, o que vimos foi que aquele salário baixo em relação ao de São Paulo e do Rio causou uma grande emigração da mão-de-obra do Nordeste à procura de salários mais elevados no Sul. Parece-me, portanto, que o problema não foi resolvido por meio daquelas soluções alvitradas pelo Ministro Celso Furtado. Muito obrigado.

O SR. GERALDO MELO - Agradeço a intervenção de V. Exª e louvo a sua prudência pela ressalva de que poderia estar equivocado. Até me atreveria a supor, Senador Lauro Campos, que V. Exª esteja equivocado em parte, porque eu, durante algum tempo da minha vida, até que me vangloriava de ser uma pessoa que conhecia razoavelmente bem a obra do Professor Celso Furtado. Trabalhei com S. Exª, fui técnico da primeira equipe da SUDENE no Nordeste, fui diretor da sua assessoria técnica, coordenador da elaboração do seu primeiro plano diretor de desenvolvimento regional e coordenador do acompanhamento da execução desse plano. A estratégia que se traçava para a região naquele momento não tinha nada a ver com isso. O que se pretendia era um modelo que foi, na verdade, vitorioso.

Se hoje se fizer uma avaliação do que custou à sociedade brasileira o conjunto de incentivos oferecidos ao Nordeste e se procurar ver quais foram os resultados conseguidos, diria a V. Exª apenas que há um trabalho do Senador Beni Veras com um levantamento muito minucioso e muito criterioso a esse respeito; nele, S. Exª demonstra que os recursos do Finor, destinados ao Nordeste ao longo de 30 anos, atingem aproximadamente US$11 bilhões. Esses são os recursos totais destinados à região, com o qual muito se fez. Cito apenas uma coisa: somente o Pólo Petroquímico de Camaçari, na região da Grande Salvador, vale mais do que os US$11 bilhões destinados ao Nordeste em 30 anos.

Eu lhe falo com a autoridade de quem é do PSDB, de quem é amigo do Governador Mário Covas e compreende o drama que S. Exª herdou em relação ao Banespa. S. Exª votou a favor do apoio financeiro que acaba de ser dado a esse banco. Enquanto o Nordeste recebeu US$11 bilhões em 30 anos, aquela solução dada ao problema do Banespa envolveu uma soma de US$17 bilhões.

É insustentável que se possa dizer e que ainda se possa admitir que algum jornal sério deste País permita que alguém escreva que a questão nordestina, tratada em termos diferenciais, é contra a União.

Senador Lauro Campos, noto que V. Exª deseja voltar a interferir, mas tenho receio da severidade do nosso Presidente. Espero que hoje S. Exª não esteja muito rigoroso em relação ao tempo.

O Sr. Lauro Campos - Garanto a V. Exª que serei breve.

O SR. GERALDO MELO - Senador Lauro Campos, estou fazendo a referência, porque não quero perder a oportunidade de ouvir V. Exª, mas também não gostaria de perder a chance de concluir a exposição que vim fazer aqui.

Mas ouço V. Exª novamente com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos - Senador Geraldo Melo, em relação à questão da memória, volto a repetir o que Celso Furtado escreveu, aquilo que coloquei entre aspas, que não são palavras minhas, mas dele, e que se encontram na página 47 do livro "Perspectivas do Crescimento Econômico", de 1957. Lamento que S. Exª tenha escrito o que escreveu e que eu tenha que utilizar minha memória para reproduzir aqui, ipsis litteris, o que ele infelizmente escreveu.

O SR. GERALDO MELO - Senador Lauro Campos, queria apenas dizer que, quando falei no equívoco, falei na conexão entre isso e o programa de desenvolvimento regional que Celso Furtado efetivamente propôs.

Há um ponto que elucida essa questão, que é o seguinte: V. Exª acaba de dizer que está fazendo citação de um livro do Professor Celso Furtado escrito em 1957. Portanto, o programa de desenvolvimento a que nos referimos surgiu no bojo do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, denominado Codeno, que promoveu a elaboração, por Celso Furtado, do relatório que citei, que se chama "Diagnóstico Preliminar da Economia do Nordeste".

Vamos ao ponto: V. Exª referiu-se a uma obra de 1957. O "Diagnóstico Preliminar da Economia do Nordeste" é de 1959. Nesse ano, foi aprovada pelo Congresso Nacional a lei que instituiu a Sudene. A Sudene foi instalada em 1960; portanto, estamos falando de contextos diferentes, de documentos diferentes, de propostas diferentes e foi nesse sentido que eu quis fazer a correção.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - O tempo de V. Exª já está esgotado.

O SR. GERALDO MELO - Sr. Presidente, não fiz nenhuma das referências que gostaria de ter feito em relação às observações de V. Exª em seu discurso anterior. Queria apenas dizer que, em face da advertência de V. Exª com relação ao tempo, terei que molestar o Senado novamente, inscrevendo-me para falar mais uma vez oportunamente.

Mas, Sr. Presidente, talvez estejamos sendo severos demais com o Brasil e com o povo brasileiro. Hoje, a partir do relatório do Banco Mundial, do relatório das Nações Unidas sobre o Brasil, um relatório que comporta uma imensa discussão e uma séria crítica, olhamos para o nosso País como se as duas ou três últimas gerações houvessem fracassado.

Tinha trazido aqui alguns dados em torno dos quais eu queria fazer este discurso. Vou ler os dados e fica o discurso para depois, Sr. Presidente. Tomei o ano de 1955 como referência inicial para compará-lo com o de 1995.

O que fizemos do Brasil em 40 anos? De que foi capaz o povo brasileiro em 40 anos?

Alguns dados posso dizer que são importantes. Em 1955, a população do Brasil não atingia 59 milhões de habitantes; hoje, está acima de 155 milhões de habitantes. Isto quer dizer que a população do Brasil, grosso modo, triplicou. O PIB nacional, em 1955, era de US$10.878 bilhões para uma população, como já disse, da ordem de 58 milhões. A renda per capita do povo brasileiro, naquela época, era de US$186,00.

Nesses quarenta anos, a população aumentou três vezes, mas o nosso PIB passou de US$10 bilhões para US$673 bilhões, ou seja, aumentou 62 vezes, para um aumento de três vezes na população, o que significa que a renda per capita do brasileiro saiu de US$186,00 para US$4.322,00 nos dias de hoje. De forma que o que fizemos, nesse período, foi transformar um país essencialmente agrícola no que ele é hoje: um país com desigualdades, injustiças e multidões miseráveis. Mas, indiscutivelmente, Sr. Presidente, este não é o País mais miserável do mundo, nem este é o povo mais incompetente do mundo, e nem podemos nos cercar do desespero com que se procura desenhar o quadro da nossa realidade.

Precisamos ser capazes agora - o mesmo povo que em 40 anos realizou o que acabo de dizer - de fazer com que esses números cheguem à casa de todo o povo de forma mais justa e de forma mais uniforme.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela paciência de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/07/1996 - Página 13360