Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O RECENTE ACONTECIMENTO QUE ENVOLVEU A QUEDA DO MINISTRO DOMINGOS CAVALLO E SUA INTER-RELAÇÃO COM A ESTABILIDADE ECONOMICA BRASILEIRA. ESPECULAÇÃO NO MERCADO DO DOLAR. IMPORTANCIA DA MANUTENÇÃO DAS RESERVAS CAMBIAIS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE O RECENTE ACONTECIMENTO QUE ENVOLVEU A QUEDA DO MINISTRO DOMINGOS CAVALLO E SUA INTER-RELAÇÃO COM A ESTABILIDADE ECONOMICA BRASILEIRA. ESPECULAÇÃO NO MERCADO DO DOLAR. IMPORTANCIA DA MANUTENÇÃO DAS RESERVAS CAMBIAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/1996 - Página 13475
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SAIDA, MINISTRO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, IDENTIDADE, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, BRASIL, COMENTARIO, EFEITO, CAPITAL ESPECULATIVO, ESTABILIDADE, ECONOMIA INTERNACIONAL.
  • REGISTRO, SEGURANÇA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ATUALIDADE, MOTIVO, VALOR, RESERVA, EFEITO, MANUTENÇÃO, PREÇO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS.
  • ANALISE, PROBLEMA, CUSTO, ESTABILIDADE, MOEDA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, DESEMPREGO, PREVISÃO, INFLAÇÃO, APOIO, CONSUMO, CRESCIMENTO ECONOMICO, OPORTUNIDADE, DEFESA, PLANO, REAL.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu gostaria de fazer, nesta manhã, pequena reflexão a respeito dos recentes acontecimentos internacionais que envolveram a queda do Ministro Cavallo, na Argentina.

Todos nós sabemos que o Ministro Cavallo tinha profunda identificação, diria quase uma comutação de identidade, com o plano econômico de estabilização argentino. Havia quem, no cenário internacional, desse mais importância à figura do Ministro Cavallo do que à própria figura do Presidente Menem.

O nosso caro Presidente José Sarney, em artigo que escreve hoje em um jornal brasileiro, cita e relembra frase do Presidente Carlos Menem, em fórum de debate internacional, quando este fez uma série de declarações infelizes, motivadoras de certa insegurança, do ponto de vista dos investidores.

Acrescia-se a essa concepção, ou seja, à idéia de que o Presidente Menem não representava a base, a segurança, a solidez do plano de estabilização, o fato de que o Ministro Cavallo é homem extremamente respeitado e conhecido internacionalmente e a ele era atribuída a solidez do plano de estabilização argentino.

Ora, ocorreu uma mudança política importante na Argentina, que eu diria visceral, pois atingiu a base de identificação política do plano de estabilização. Em outros tempos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse fato político-econômico da maior importância traria sérios abalos à economia brasileira e nos afetaria de forma imediata e contundente, com desvalorização significativa da nossa moeda, o aumento do dólar e um forte ataque especulativo às nossas reservas. No entanto, estamos vendo o Banco Central operar, embora intensivamente, de forma tranqüila essa questão.

Não vou aqui, Sr. Presidente, entrar no detalhe se o que está ocorrendo resulta de mudança de posições no mercado, se resulta de mudança de expectativas - a expectativa da queda de taxa de juros e a expectativa de uma desvalorização menos acentuada do real - que mudou o comportamento dos investidores. Mas, é sempre bom desconfiar, é sempre saudável levar em consideração que cada vez que há um fato político gerador de instabilidade, essa procura pelo dólar é intensiva no mercado. Ou seja, também estamos autorizados a supor, a imaginar que houve um ataque especulativo. Não vou entrar aqui no julgamento dos investidores; estes obedecem a seus interesses privados e, muitas vezes, imediatistas. Não cabe ao homem público condená-los; quando muito, o que cabe ao homem público é saber como os Governos se preparam para enfrentar esse poder fantástico que têm hoje os investidores mundiais e internacionais em relação à estabilidade das diversas economias.

O caso recente do México, em 1994, demonstra isso claramente. Quando o México deu demonstração de fragilidade nas suas reservas, o ataque especulativo que se deu em cima das reservas monetárias daquele país foi intenso, violento e fulminante. Não fora a imediata iniciativa do Governo americano de oferecer US$20 bilhões, como apoio financeiro ao México na retomada das condições de enfrentamento da crise, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não tenho nenhuma dúvida de que não só o Governo mexicano, mas também o Governo brasileiro, o Governo argentino e, quiçá, o Governo chileno teriam sofrido repercussões muito mais profundas e traumáticas do que aquelas ocorridas e que tivemos de enfrentar.

Mas o que desejo registrar, Sr. Presidente - e creio ser da maior importância -, é que se há uma instabilidade de mercado, uma mudança de regras de jogo ou um novo ataque especulativo que tanto caracteriza esses momentos da economia, o Banco Central, com segurança e firmeza, tem condições de enfrentar hoje esse ataque especulativo ou essa insegurança de mercado.

O fato é que temos uma reserva da ordem de US$60 bilhões. Essa é a garantia básica, primária de que esse processo, esse jogo de forças do mercado não irá destruir o valor da moeda, não irá desfazer a capacidade de compra do trabalhador brasileiro. Portanto, não é uma questão menor, não é uma questão marginal, não é uma questão para as elites, não é uma questão apenas para os entendidos e sábios na matéria. Não, Sr. Presidente, essa é uma questão do maior e do mais amplo interesse público.

Temos hoje uma cesta básica, com os seus 13 produtos primários, que representa pouco mais de R$69,00. Essa cesta básica, embora sofra variações, vem se mantendo estável há quase dois anos. Ou seja, US$70,00 ou R$70,00 significam hoje parcela importante do salário mínimo, parcela significativa do salário mínimo; mas, hoje, o salário mínimo é muito maior do que o valor da cesta básica. No período inflacionário, isso não ocorria; tal era o processo de defasagem do salário mínimo que ele raramente conseguia acompanhar as variações da cesta básica. Portanto, manter a moeda com o mesmo valor, com o mesmo poder aquisitivo, manter a estabilidade do padrão monetário brasileiro não é uma questão de ricos e poderosos investidores em Bolsa ou no mercado financeiro; é uma questão dos trabalhadores mais humildes, mais sofridos e de mais baixa renda neste País. Assegurar um padrão de reservas sólido, consistente, não é uma questão de sofisticados ou intricados problemas financeiros; é uma questão de assegurar comida na mesa do trabalhador.

De modo, Sr. Presidente, que quero aqui ressaltar o quanto é importante o nosso País ter hoje, como tem, reservas monetárias na dimensão e no valor atuais, na ordem de US$60 bilhões.

Sr. Presidente, devo enfatizar que, malgrado os custos que o País tem que pagar por essas reservas, é muito importante distinguir o ano de 1986, quando fracassou o Plano Cruzado, e o mês de setembro do mesmo ano, quando se deu a débâcle do Plano Cruzado e o Brasil tinha pouco mais de US$2 bilhões de reservas.

Veja-se, note-se, ressalte-se o quanto é diferente a situação vivida hoje. Diante da crise, da instabilidade, do momento de insegurança internacional, do ataque especulativo, mas sob a segurança de uma reserva da ordem de US$60 bilhões de dólares, o Banco Central interveio decisivamente no mercado, conseguindo garantir o valor da moeda.

Ora, não se trata de uma estratégia menor, mas de uma estratégia política de profundo interesse social. Ao Senado, como a Casa responsável por esta área do Governo que é aprovar as operações financeiras, aprovar o Presidente do Banco Central, e fiscalizar o Governo nesse setor e nessas atividades, cabe fazer uma criteriosa e consistente reflexão sobre esse assunto que estou a me referir.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muito honra, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Fogaça, V. Exª faz uma comparação importante entre as economias do México, da Argentina e do Brasil. A queda do Ministro Cavallo representa, obviamente, um sinal de alerta para todos nós brasileiros. Enquanto se conseguiu ali a estabilização de preços, com o crescimento da economia, e tudo parecia azul, mas na medida em que o crescimento foi se deteriorando e o desemprego chegando a níveis da ordem de 18%, em Buenos Aires, começou a haver manifestações e um certo curto-circuito entre o próprio Ministro das Finanças, Domingos Cavallo, e o Presidente Menem, ocasionando a despedida do Ministro Cavallo. O Presidente José Sarney, em seu artigo, destaca alguns dos problemas e conflitos havidos naquela situação. Já tínhamos observado que também o México, por não resolver problemas sociais e de desemprego, acabou sofrendo uma deterioração extraordinária. Em que pese às reservas significativas da economia brasileira, da ordem de R$60 bilhões, que permitem uma certa margem de segurança para a sua ação, esse grau de segurança precisa levar em conta alguns aspectos. Diante da detectada sobrevalorização relativa do real em relação ao dólar, das permanentes taxas de juros altos e dos leilões ontem efetuados, que envolvem a necessidade de o Brasil atrair capitais externos de risco, para que sejam comprados títulos oferecendo taxas de juros altas e, assim, evitando uma deterioração muito rápida, o fato concreto é que a eventual deterioração da posição de reservas pode acontecer com rapidez, se não houver melhor ajuste. É preciso atenção para esse aspecto. Outro dado preocupante é o da recessão, pelo fato de estarmos crescendo este ano menos do que representa nossa potencialidade. O IPEA estima a taxa de crescimento da economia brasileira para 1996 em torno de 2,5%; portanto, abaixo dos 4% que antes se estava prevendo. De acordo com a pesquisa sobre emprego e desemprego no Distrito Federal, divulgada pela Secretaria de Trabalho e realizada mensalmente pela Codeplan, o Distrito Federal tem um grau recorde de desemprego da ordem de 18,1%, semelhante àquele que preocupou tanto a população de Buenos Aires e da Argentina como um todo. O crescimento do desemprego, nesse caso - constatam os técnicos da pesquisa -, foi provocado pela entrada das mulheres no mercado de trabalho, que aconteceu em razão da mudança sócio-cultural e, principalmente, da deterioração das condições familiares: os homens estão ganhando pouco ou até perdendo seus empregos e as mães de família têm que ajudar no sustento da casa, conforme assinalou o Secretário Adjunto de Trabalho, Ivan Guimarães. É preciso que estejam atentos o Governo e o Congresso Nacional a essa evolução. Os índices de desemprego estão muito altos: no Distrito Federal e na Grande São Paulo - 16,2%, assim como em todas as principais regiões metropolitanas. Em Porto Alegre - que V. Exª conhece bem - também o desemprego cresceu, no período de dezembro de 95 a junho de 96, de 11,7% para 31,2%, respectivamente. Avalio que se trata de um alerta. A queda do Ministro Cavallo representa um alerta para o Ministro Pedro Malan e para o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado pelo seu aparte, Senador Eduardo Suplicy. Devo dizer, inclusive sob o ponto de vista do interesse político do Governo, que V. Exª tem inteira razão quando protesta, quando ressalta também outro aspecto da questão, que é o custo que ela tem. O Brasil tem uma moeda estável, consegue assegurar o poder aquisitivo do salário dos trabalhadores. No entanto, isso tem um custo. E esse custo é justamente o que hoje significa, mais dramaticamente, o problema a ser enfrentado pelo Governo.

Se analisarmos com seriedade, com critério e com muita atenção, vamos ver que o desemprego e a elevação da taxa de juros, sendo que a primeira é resultado da segunda, não é mais do que conseqüência. Na verdade, não é mais do que resultante, Senador Eduardo Suplicy, Sr. Presidente e Srs. Senadores, porque temos hoje, no Brasil, um processo de estabilização que demanda, que exige, que precisa, sobretudo, de um padrão de reservas monetárias sólido, inspirador de confiança, como uma muralha contra os ataques especulativos; para formar essas reservas, tivemos que elevar as taxas de juros, a fim de atrair investidores.

Por outro lado, para que isso acontecesse, ou seja, para que as reservas fossem mantidas, o Brasil teve que reter as suas importações, o processo de consumo, ou baixar o ritmo fulminante de consumo que sempre ocorre no início dos programas de estabilização, como ocorreu com os Planos Collor, Cruzado, Bresser, e todas as tentativas frustradas de estabilização que o País viveu - a onda intensa de consumo, imediata e em ritmo frenético que se estabelece logo após esses planos de estabilização.

Se as autoridades monetárias, econômicas, dão livre expansão a esse processo de consumo, garantem uma expansão da oferta de emprego e, de alguma forma, uma melhoria real e consistente de salários, num primeiro momento, também é verdade que, logo após essa primeira sensação de crescimento, vem uma coisa chamada inflação, desvalorização da moeda, perda do poder aquisitivo e, portanto, desorganização da economia.

É muito importante ter claro que apoiar o crescimento econômico, uma redução da taxa de juros, não é algo que também não tenha as suas conseqüências, as suas más resultantes. Se o País deseja crescer de 5 a 10% ao ano, se deseja aumentar a oferta de emprego num ritmo rapidíssimo para oferecer uma situação de pleno emprego, tem que saber também que isso está diretamente ligado ao fato de que o preço da comida vai subir, de que comer vai custar mais caro e de que os trabalhadores comerão menos.

Portanto, o que hoje está em questão, o que está sendo indagado, sobretudo, é o seguinte: há custos? Sim. Há ônus? Sim. Há um peso que está sendo pago? Sim, porque investe, porque é onerado com elevadas taxas de juros.

Quem toma empréstimos num banco sofre, quem compra a prazo sofre; isso é, sem dúvida nenhuma, inegável, isso é verdade absoluta. Somente um cego nega essa realidade. Mas quem diz que tem de haver mais emprego, uma expansão das frentes da economia, uma redução imediata das taxas de juros, tem que saber também que, ao haver tudo isso, vai também haver um aumento considerável da cesta básica, uma redução de poder aquisitivo dos trabalhadores e, em seguida, evidentemente, uma ampliação da fome. Trata-se de um jogo de perdas e ganhos, de custo/benefício e de avaliação política do que é fundamental, prioritário, básico e essencial, e aquilo que pode permitir que, ao longo do tempo, haja um processo, evidentemente, de retomada de condições básicas melhores, com menor taxa de juros e com maior expansão da economia, com maior crescimento da economia.

Ora, esse custo é o custo de hoje, esse peso, esse ônus, é o ônus de hoje. Mas há uma certeza e uma convicção profunda de que as taxas de juro serão reduzidas gradativamente. Há uma certeza de que a economia terá momentos mais privilegiados de expansão e crescimento, logo ali, no futuro. Se optássemos pelo processo inflacionário, pelo descontrole da moeda, pela desestabilização da moeda, a certeza seria uma só: a de que não haveria planejamento possível, nunca haveria redução de taxa de juros, não haveria melhoria de salários e nem possibilidade de crença no nosso futuro.

De modo que a questão estratégica não pode ser unilateralmente considerada, não pode ser vista desse ângulo, apenas. O enfrentamento da questão do desemprego e da taxa de juros, hoje, se faz como? Pelo imediatismo, pelas soluções emergentes, prontas, irracionais e de resultados desastrosos? Não! Faz-se de uma maneira coerente, num ritmo sério e, portanto, consistente e sustentável.

A queda da taxa de juros é real; ela vem num processo redutivo considerável. Somente isso é que vai garantir o aumento dos investimentos, a expansão da economia e a maior oferta de emprego. Temos que considerar que essa é uma estratégia dura, amarga, difícil; manter essas reservas está custando ao Brasil, mas é a sua manutenção que faz com que fique a R$69,00 a cesta básica do brasileiro.

Portanto, trata-se de uma estratégia que estabelece prioridades, que visa a alternativas e que faz as suas escolhas. É possível que algum gênio consiga inventar um país com a capacidade produtiva, com o parque instalado produtivo que tem hoje o Brasil - insuficiente para a demanda e para as necessidades da sua população - e consiga permitir juros baixíssimos, expansão enorme da economia e, ainda assim, uma moeda controlada estável. Isso não aconteceu nunca na história dos povos e da humanidade, em lugar nenhum do mundo, mas é possível que alguém aqui, no Senado, no Governo ou na Oposição, consiga ter inventado essa roda desconhecida.

Temos hoje reservas monetárias de 60 bilhões, que nos custaram e nos custam, muitas vezes, aquilo que é, do ponto de vista do homem da iniciativa privada, principalmente do empresário, mais duro para ele, que é a taxa de juros, o que lhe onera mais, o que lhe descapitaliza mais. Não há, aqui, quem não reconheça, quem não se solidarize, quem não participe dessa situação, muitas vezes dramática, de alguns empresários. Mas o País, como um todo, está fazendo essa opção estratégica. Tem que ficar em R$69,00 a cesta dos 13 produtos básicos que servem para a mesa do trabalhador.

Se a classe média, se os empresários, se outros setores sofrem oscilações, é possível que esse seja o custo que tenhamos a pagar, em benefício de uma grande maioria.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muita honra e com muito prazer concedo o aparte a V. Exª, caríssimo Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Diz bem V. Exª, Senador José Fogaça, que a estratégia tem de ser árdua, dura, difícil, porque não se pode fazer uma recuperação econômica com gracejos ou com irresponsabilidade. V. Exª partiu da premissa, no seu discurso, recordando o problema da Argentina, da queda do Ministro Domingo Cavallo. Lembro-me de que, por ocasião da crise mexicana, o Ministro Cavallo e o Presidente Carlos Menem foram à Nova Iorque para tranqüilizar a chamada camada dos banqueiros internacionais. o Ministro Domingo Cavallo, com propriedade e segurança, mostrava que essa intranqüilidade não existiria na Argentina, porque havia a diferença do México para com a Argentina. Logo após a sua fala, o Presidente Menem resolveu, apesar de já haver avalizado o que o Ministro Cavallo tinha dito, acrescentar algumas palavras para dizer que os banqueiros norte-americanos se tranqüilizassem, porque na Argentina não havia índios e, no México, a população indígena era de 30%. Com isso, S. Exª acabou cometendo uma impropriedade; os banqueiros norte-americanos ficaram preocupados com essa declaração, viram que entre um e outro havia uma diferença enorme...

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Exatamente.

O Sr. Bernardo Cabral - ... mostrando que, no final, o que o Presidente Menem queria era fazer um anúncio político, esquecido de custo-benefício, como se fosse possível abrir "torneirinhas", para usar a linguagem econômica, e começar a fazer os gastos do consumo aos quais V. Exª se referia ainda há pouco. Em verdade, precisamos realmente, já que temos US$60 bilhões, manter as medidas que foram tomadas para garantir o sucesso ou pelo menos a permanência dessa cesta básica, que é útil, que é indispensável ao trabalhador, ao invés de ficarmos anunciando sonhos mirabolantes que não vão ser realizados. Quero dizer que a análise de V. Exª, a ela presto a atenção que lhe sempre sou devedor, para, felizmente, numa sexta-feira desta, quando o Plenário cresce em qualidade, ainda que falte em quantidade, poder ouvi-lo.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Bernardo Cabral. V. Exª faz uma intervenção que demonstra claramente o quanto o político interfere no econômico e no financeiro, como a infeliz declaração - a que V. Exª se referiu - do Presidente Carlos Menem, que demonstrou desconhecimento e preconceito, inclusive certa fragilidade do ponto de vista do controle do processo econômico do seu País; o quanto isso abala os mercados; o quanto isso interfere na vida interna da Argentina e o quanto isso repercute nos países que têm o mesmo nível de desenvolvimento da Argentina, como é o caso do Brasil e do México, para falar na América Latina.

Há algo que é preciso ser analisado no comportamento do México e no comportamento da Argentina. O Presidente Carlos Menem pode ser um homem até precário em termos de conhecimento. Vê-se logo, quem ouve um discurso, um pronunciamento dele, uma certa fragilidade e uma certa precariedade intelectual. Não há dúvidas quanto a isso. Mas há algo no Presidente Carlos Menem que, de certa forma, explica o fato de ele ter sido Presidente, ter mudado a Constituição e ter sido reeleito. É um certo instinto político. Muito mais do que conhecimento e a aposta racional em uma estratégia, S. Exª tem um instinto e por esse instinto caminha.

E qual é o instinto do Presidente Carlos Menem? É o de, embora resolvendo uma questão política, como a do ex-Ministro Cavallo, embora desatando um nó político da Argentina para atender a setores e para se desfazer de uma possível sombra, de uma possível comparação já amarga e desqualificadora para ele, Menem, apesar de fazer isso, determinou ao novo Ministro Fernández a manutenção rigorosa da mesma segurança monetária, ou seja, a manutenção das reservas argentinas. E enfrentar qualquer ataque especulativo, porque há na pele, talvez muito mais do que na cabeça do Presidente Menem, o sentimento de que a manutenção do valor aquisitivo da moeda é aquilo que mais serve à grande maioria do povo argentino.

E o Presidente do México, Ernesto Zedillo, acaba de determinar ao seu Ministro da Fazenda que emita US$8 bilhões em títulos a serem colocados no mercado externo para, com US$1 bilhão, pagar o Fundo Monetário Internacional e, com os outros US$7 bilhões obtidos, pagar uma parte considerável daquilo que os Estados Unidos emprestaram no período de crise de 94.

Mas o que S. Exª deseja com esta prática, e os jornais mexicanos destacam na última semana, é uma coisa só: impedir o processo de desvalorização do peso mexicano; garantir, ainda que no patamar baixo em que o peso se encontra, a manutenção do valor da moeda. Isso é algo profundo, talvez só percebido pelos políticos que têm pele ou pelos profundos conhecedores do mecanismo social que reflete as variações e as tendências da economia.

É verdade, sim, que se nós, como o Presidente Menem e como o Presidente Ernesto Zedillo, no México, fôssemos ficar impregnados do vozerio dos reclamos e do protesto da classe empresarial, já teríamos desvalorizado a moeda. Não tenho dúvida disso. Já teríamos desvalorizado a moeda porque representaria uma contenção das importações, melhoria dos capitais privados internos, em termos de investimento, pois, evidentemente, no momento em que caem as importações, os setores não competitivos da economia têm a sua situação assegurada e tranqüila.

Ora, isto atende ao vozerio do empresariado? Atende. Mas por que o Presidente Ernesto Zedillo, no México, por que o Presidente Carlos Menem, na Argentina, não estão cedendo a esse vozerio? Tratam, contra tudo e contra todos - muda Ministro Cavallo, entra Ministro Fernández - de manter a valorização da moeda.

É sobre isso que quero refletir nessa manhã, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Quero refletir que é possível que haja problemas, conseqüências duras, amargas, traumáticas enfrentados por setores importantes do Brasil, mas há nessa estratégia uma prioridade, e essa prioridade preside todas as demais. Preservar o valor da moeda é preservar o poder aquisitivo da população, não só de toda a população, mas, principalmente, daquela população mais pobre, mais sofrida e de renda mais baixa.

Isso é o que queríamos trazer como reflexão para os Srs. Senadores nesta manhã.

Obrigado Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/1996 - Página 13475