Discurso no Senado Federal

GRAVES PROBLEMAS DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. EMPREGO INDISCRIMINADO DE PRODUTOS DANOSOS A SAUDE, TAIS COMO CLOROFLUORCARBONETOS, OLEO ASCAREL E AMIANTO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • GRAVES PROBLEMAS DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL. EMPREGO INDISCRIMINADO DE PRODUTOS DANOSOS A SAUDE, TAIS COMO CLOROFLUORCARBONETOS, OLEO ASCAREL E AMIANTO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/1996 - Página 13497
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, DIFICULDADE, GOVERNO, EXTENSÃO, ACESSO, SAUDE PUBLICA, MELHORIA, CONDIÇÕES SANITARIAS, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, LEGISLATIVO, AUSENCIA, LEGISLAÇÃO, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, INDUSTRIA, RESIDUOS PERIGOSOS, PREJUIZO, SAUDE, MEIO AMBIENTE, ESPECIFICAÇÃO, AMIANTO.
  • CRITICA, LOBBY, EMPRESA, PRODUÇÃO, MINERAÇÃO, AMIANTO, NECESSIDADE, PROGRAMA, PROGRESSÃO, ELIMINAÇÃO, UTILIZAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, SEGURANÇA, ATUALIDADE.

           O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF.) Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os problemas de saúde pública em nosso País são, como sabemos, muitos e graves.

           O Estado brasileiro, apesar de reconhecer, na Constituição Federal, o direito universal à saúde, ainda não conseguiu, de fato, propiciar a todos os seus cidadãos o acesso pleno aos cuidados preventivos e à medicina curativa.

           Na verdade, sequer se oferecem à maioria dos brasileiros as condições básicas de saneamento -- água tratada e serviço de esgotos -- requisitos fundamentais de uma verdadeira política de saúde.

           A solução dos problemas de saneamento, porém, depende de obras de infra-estrutura cujo custo ultrapassa em muito a capacidade atual de investimento de um governo considerado "falido" e vivendo um tempo de busca de austeridade para manter a inflação sob controle.

           Pode-se até compreender -- embora nem sempre aceitar -- o fato de que, por mais necessárias e urgentes, as medidas nesse sentido sejam adiadas em benefício da estabilidade monetária.

           Não cabível é que não se tomem providências em setores que, além de não exigirem maior despesa governamental, têm implicações sérias na incidência de doenças graves sobre milhares de pessoas.

           Um desses setores nos diz respeito diretamente, como membros do Poder Legislativo: trata-se da elaboração e da implementação de leis visando à proscrição de materiais perigosos que, a despeito de serem, na maior parte dos casos, perfeita e facilmente substituíveis, têm largo emprego, industrial e doméstico.

           Um exemplo clássico é o dos clorofluorcarbonetos -- ou CFCs --, cujo uso em circuitos de refrigeração e em vaporizadores de aerossóis foi denunciado como danoso à camada de ozônio da estratosfera.

           Outro exemplo, que recebeu destaque recentemente nos meios de comunicação por um incidente ocorrido no Rio de Janeiro, é o do óleo ascarel, altamente cancerígeno, que ainda é usado como dielétrico -- isto é, isolante -- e líquido de arrefecimento em transformadores.

           Meu propósito, no entanto, é o de abordar o problema do atraso brasileiro em restringir o emprego de um outro material nocivo à saúde, cujo uso acaba de ser integralmente banido da França: trata-se do amianto, rocha fibrosa que tem inúmeras aplicações industriais, sobretudo na fabricação de mantas não-inflamáveis, para proteção contra o fogo, e de lonas de freio para automóveis.

           Além disso, em combinação com o cimento, é empregado para a fabricação de caixas d'água, telhas e tubulações -- forma em que pode ser encontrado na casa da maioria dos brasileiros.

           Com toda essa multiplicidade de usos, que o fez ser considerado, quando de sua descoberta na primeira década do século, como material revolucionário, o amianto tem uma face negra: suas microfibras, dispersas no ar, são absorvidas pelos pulmões, provocando inúmeras doenças.

           Entre as moléstias causadas pela absorção das partículas de amianto pela via respiratória contam-se, entre outras, a fibrose pulmonar e pleural, que pode também afetar o coração; as placas pleurais; os cânceres broncopulmonar, da laringe e do trato gastrointestinal; o mesotelioma da pleura e do peritônio.

           Essas doenças formam um complexo denominado "asbestose", palavra derivada de asbesto, outro nome para o amianto.

           As sucessivas denúncias de autoridades médicas, a partir de meados dos anos setenta, e a conscientização crescente sobre os perigos do amianto têm levado os países mais avançados à progressiva restrição de seu emprego, primeiro proibindo sua mineração, depois limitando fortemente seu emprego residencial, chegando, finalmente à interdição pura e simples de seu uso.

           Naquela época, ficou comprovado que, somente nos Estados Unidos, mais de cinqüenta mil pessoas haviam tido morte prematura na década de sessenta, unicamente por causa do amianto.

           Entre as vítimas desse material encontravam-se não somente os operários que manipulavam suas fibras durante os processos de mineração, industrialização ou aplicação, mas também pessoas -- inclusive crianças -- que haviam tido contato em suas residências com produtos à base de amianto, sem saber dos riscos que corriam.

           Segundo a Agência de Proteção Ambiental -- EPA, órgão do governo americano, cerca de nove mil pessoas ainda morrem anualmente, naquele país, em decorrência do contato com o amianto. A mesma agência afirma que, em cada mil crianças americanas, três estão afetadas pela poeira desse mineral.

           Trata-se, Srs. Senadores, nas palavras de um relatório da própria EPA, de um "terrível legado de mortos, inválidos e pacientes terminais".

           Pelo final dos anos oitenta, a tendência mundial já era a de banir progressivamente o uso do amianto. A Organização Internacional do Trabalho promulgou sua Convenção 162, regulamentando medidas de segurança indispensáveis em qualquer local em que se trabalhasse com o material.

           Nos Estados Unidos, em 1989, um prazo de sete anos foi estabelecido para que as indústrias substituam todos os produtos à base de amianto -- prazo que se está esgotando este ano.

           Na Holanda, os produtos de amianto estão proibidos desde 1993. Na França, a partir de primeiro de janeiro do próximo ano, a importação, a fabricação e a comercialização de qualquer produto à base de amianto estará totalmente proibida.

           E no Brasil, Sr. Presidente?

           A verdade é que a conscientização de nossa comunidade científica sobre o problema não se atrasou em relação à de outros países.

           Desde 1986, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente -- Conama - criou uma comissão especial para estudar o assunto, as autoridades governamentais da área vêm tentando manter nossa regulamentação industrial ao passo com a dos países do Primeiro Mundo.

           Em 1987, a Resolução 007 do Conama obrigava os fabricantes de produtos à base de amianto a escrever, em todos eles, as seguintes palavras: "Cuidado! Este produto contém fibras de amianto. Evite a geração de poeira. Respirar poeira de amianto pode prejudicar gravemente sua saúde".

           Gostaria de perguntar a meus nobres Pares se algum dos Senhores já viu essa advertência escrita em alguma caixa d'água ou telha de cimento-amianto. Eu, nunca! Parece tratar-se, mais uma vez, de uma dessas leis que "não pegam", fato lamentavelmente comum em nosso País, sobretudo quando a lei contraria interesses de setores poderosos.

           Esse poder do setor produtor de amianto manifestou-se com força ainda maior em 1994, quando do exame, pela Câmara Federal, de um Projeto de Lei do Deputado Eduardo Jorge que previa a substituição paulatina do amianto em toda a cadeia produtiva. Tratava-se de um projeto sensato e gradualista, mas foi "metralhado" pelo poder de fogo do lobby de empresários e sindicatos mineradores.

           É verdade que a proibição imediata do uso do amianto resultaria no desemprego instantâneo de cerca de mil e quinhentos mineiros e doze mil industriários.

           De acordo com dados empresariais, se a esse número somarmos os trabalhadores indiretamente envolvidos com o amianto, podemos chegar à casa dos duzentos mil empregos.

           Isso significa que não podemos desmontar, de uma hora para a outra, a indústria do amianto, tanto mais em uma fase da economia brasileira e mundial em que o desemprego, como revelam diversas pesquisas, é uma das maiores preocupações das pessoas.

           Não quer dizer, porém, que não devam ser tomadas medidas imediatas para a redução de riscos em sua produção e em seu uso nem que não se deva programar sua progressiva eliminação, face ao risco que representam e ao exemplo dos países mais adiantados que já o proibiram.

           Notáveis, por seu cinismo, são os argumentos dos responsáveis pela indústria de mineração da crisotila, minério de amianto extraído da mina de Canabrava, no município de Minaçu, Estado de Goiás.

           Algumas declarações de João Carlos Duarte Paes, relações públicas da Sociedade Anônima de Mineração de Amianto, empresa exploradora da mina, merecem ser transcritas, de tão escandalosas.

           Segundo a revista Construção São Paulo, de julho de 1994, o Sr. Paes declarou que "os poucos casos de asbestose registrados em Canabrava" seriam a prova de que a mina segue "os padrões de segurança preconizados pela OIT".

           Na mesma reportagem, diz ainda que era necessário derrubar o Projeto de Lei do Deputado Eduardo Jorge porque as empresas "poderiam ter de enfrentar processos indenizatórios de trabalhadores e usuários por tê-los submetido à manipulação de uma substância considerada de risco".

           Mais ainda: em entrevistas concedidas ao pesquisador norte-americano Daniel Berman, autor de um estudo intitulado "As multinacionais e o câncer: o caso do amianto no Brasil", os fabricantes nacionais declararam que "a discussão sobre os perigos do amianto não passa de sensacionalismo da imprensa", e que não se trataria de "um problema ambiental, mas de segurança do trabalho".

           Se essas afirmações sobre o amianto são verdadeiras, Sr. Presidente, porque então os países avançados estão limitando e mesmo proibindo seu uso?

           Será que os governos americano, canadense, inglês, holandês, alemão e francês são assim tão burros, a ponto de se deixar levar pela imprensa sensacionalista?

           Srªs e Srs. Senadores: gostaria de encerrar este pronunciamento reiterando minha posição em favor de uma substituição paulatina do amianto em todas as suas aplicações, de modo a excluir essa fonte de risco para trabalhadores de todas as indústrias que empregam amianto e usuários de produtos que o contêm.

           Já existem alternativas tecnicamente viáveis para todos os seus usos, faltando apenas a vontade política de promover a conversão de nossas indústrias e o remanejamento progressivo dos trabalhadores.

           A saúde do povo não tem preço. Não podemos aceitar passivamente que certos setores produtivos imponham seus interesses sobre a Nação, expondo-nos a todos a riscos desnecessários.

           Tampouco podemos aceitar que esses setores continuem a desobedecer a pouca legislação existente que disciplina sua atividade. Nas palavras do jornalista Washington Novaes, escrevendo sobre o assunto na revista Visão, em fevereiro de 1992: "malandragem e negligência não impedem nem curam câncer".

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/1996 - Página 13497