Discurso no Senado Federal

PROPONDO SOLUÇÕES PARA SALVAR O PROJETO DE IRRIGAÇÃO JAGUARIBE - APODI, NO CEARA, E PARA TORNAR A AGRICULTURA IRRIGADA AUTO-SUSTENTAVEL NO NORDESTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • PROPONDO SOLUÇÕES PARA SALVAR O PROJETO DE IRRIGAÇÃO JAGUARIBE - APODI, NO CEARA, E PARA TORNAR A AGRICULTURA IRRIGADA AUTO-SUSTENTAVEL NO NORDESTE.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1996 - Página 13917
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, AGRICULTURA, BRASIL, MOTIVO, RETIRADA, SUBSIDIOS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, EFEITO, EXODO RURAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, REGIÃO NORDESTE, IRRIGAÇÃO, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, CRITICA, ATRASO, POLITICA NACIONAL, SETOR.
  • ANALISE, ERRO, PROCESSO, HISTORIA, MELHORIA, RECURSOS HIDRICOS, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, EXCESSO, OBRA PUBLICA, FALTA, CONCLUSÃO, ATRASO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • EVOLUÇÃO, MODELO, IRRIGAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DISTRITO, ESTADO DO CEARA (CE), ANALISE, PROBLEMA, ESTAGIO, FUNCIONAMENTO, REIVINDICAÇÃO, CONCLUSÃO, PROJETO, AUMENTO, PESQUISA CIENTIFICA, REGULARIZAÇÃO, SISTEMA FUNDIARIO, TRANSPOSIÇÃO, FORMAÇÃO, MÃO DE OBRA, ATRAÇÃO, AGROINDUSTRIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, o jornal O POVO, de Fortaleza, publicou recentemente uma reportagem sobre a precariedade em que se encontra o Projeto de Irrigação Jaguaribe - Apodi, no Ceará, e em editorial intitulado "Salvemos o Projeto", que pedia o fim da acomodação e da conivência.

As informações que dão conta da inadimplência de um projeto de irrigação recente, de alto custo, com modelo inovador, impactaram na sociedade cearense, provocando uma ampla discussão em fóruns de parceria Governo e Sociedade, através do Pacto de Cooperação e do Conselho de Desenvolvimento Sustentável.

Para dar embasamento às minhas idéias, a propósito de questões de recursos hídricos e irrigação no semi-árido, onde se insere o problema do Apodi, vale pontuar que com o processo de globalização e a retirada de subsídios e incentivos, muitos produtos agrícolas no Brasil enfrentam dificuldades naturais e, necessitam, por conseguinte, ser equacionados através do vetor competitividade.

A cultura do trigo e a pecuária de leite estão ameaçadas pelas atuais vantagens comparativas de países do MERCOSUL, e a bananicultura atravessa uma grande crise devido a sobrevalorização do real, o que inviabilizou as exportações, apenas para citar alguns exemplos.

Se tais fatos acontecem nas regiões mais ricas do País, o que pensar sobre a atividade agrícola nordestina, principalmente aquela desenvolvida no semi-árido?

Parece claro que nesta região vai ser muito difícil reter a maior parte da população que vive à base da agricultura de subsistência não irrigada. Conforme constatado no Habitat II, o homem só permanecerá no campo se usufruir das mesmas e até de melhores condições que consegue obter nas cidades, para onde está migrando em número cada vez mais expressivo.

Essas reflexões vêm à propósito da necessidade do semi-árido encontrar sua verdadeira vocação, que possa ser desenvolvida em condições de concorrência efetiva com a agricultura moderna, que é praticada em países de clima semelhante, através da agricultura irrigada e de elevados níveis de tecnologia.

É consenso que o semi-árido tem que explorar, de forma inteligente, sua vocação para uma agricultura capitalista, à base da irrigação e com a exportação de produtos nobres, aproveitando a entressafra de outras regiões do mundo.

Essa constatação nos remete a outro questionamento. Por que, depois de cinqüenta anos de implantação de obras de açudagem e mais recentemente de instalações de projetos de irrigação, ainda não se construiu, com a possível exceção de Petrolina-Juazeiro, uma economia no semi-árido nordestino baseada na produção e exportação de produtos nobres, como acontece em áreas como a Califórnia, Israel, Chile e outros países, até mesmo no mundo subdesenvolvido?

Vamos por partes. Devemos reconhecer que as nossas intervenções na área de recursos hídricos, talvez devido a falta de tradição cultural como tinham os chineses, incas e aztecas, constituíram-se em poucos sucessos e sobras de equívocos.

Em um primeiro momento, iniciado em 1945, o DNOCS optou pela solução hidráulica e construiu 295 grandes barragens com capacidade de acumulação de cerca de 16 bilhões de metros cúbicos de água. Embora pareça um esforço gigantesco, e ele o é, falta ainda ativar 50% do potencial hídrico para construção de barragens.

A lógica seria que, com este grande volume de água armazenada e com alguns rios perenizados, os problemas oriundos das secas seriam resolvidos ou atenuados, com uma ampla oferta de abastecimento d`água para a população e um incentivo para que os agentes econômicos iniciassem a irrigação das terras aptas.

Essa tese revelou-se falha na medida que em virtude da falta de obras complementares, tais como as adutoras, a água para abastecimento humano ficou concentrada em algumas áreas, restando grandes vazios hídricos, cuja população migrava em épocas de escassez.

Com relação à irrigação, neste primeiro momento - fase hidráulica -, por falta de tradição cultural e de um programa de atração de investidores com experiência, a irrigação ficou reduzida, grosso modo, à cultura de vazantes ou às margens dos rios perenizados, e por falta de técnicas adequadas acabou por salinizar algumas áreas dos chamados aluviões, solos pesados próximos aos cursos d`água. Além disso, a eletrificação, que poderia viabilizar a massificação da irrigação, não foi feita na escala desejada, e hoje parte das águas acumuladas correm para o mar, vez que a irrigação à base de combustíveis fósseis é muito cara e especialmente complicada.

Outro fato constatado é que em anos continuados de secas, mesmo os grandes açudes chegavam a secar, não oferecendo aos agentes econômicos garantias para suas atividades. E não se implementou obras de interligação de bacias e de transposição, como a do rio São Francisco, que poderiam resolver definitivamente o problema da oferta permanente d`água à população e aos agentes econômicos.

Portanto, o que se vê até agora são obras feitas pela metade, sem as complementações necessárias.

No início da década de setenta chegou-se à conclusão de que o Estado deveria investir na criação de uma infra-estrutura que permitisse a massificação da irrigação através de perímetros.

Embora a iniciativa seja louvável, o conceito de Estado que tudo pode, predominante na época, acabou por influenciar um modelo de intervenção que revelou-se inadequado.

Além de levar a água até o lote do colono, o DNOCS responsabilizou-se pela construção de casas, assistência técnica, saúde e educação, adotando uma forma de atuação paternalista, perdulária e ineficiente.

A própria escolha dos irrigantes revelou-se desastrosa, sendo a seleção baseada no número de filhos e não na aptidão para a atividade. Além disso, não houve preocupação com um amplo programa de qualificação. Daí, o Nordeste paga por isso até hoje.

Quando o Estado não mais pode subsidiar, dado o esgotamento financeiro, veio à tona a falta de sustentabilidade desses perímetros que hoje encontram-se sucateados, com os agricultores desfrutando de um padrão de vida semelhante aos de seus colegas que praticam a agricultura de sequeiro.

Além disso, constatou-se que a melhor oportunidade para a irrigação estava nos tabuleiros costeiros, mais adequados que as terras de aluvião, até então prioritárias.

Finalmente, chegou-se a conclusão de que os atuais perímetros deveriam ser emancipados, constituindo-se em distritos de irrigação com a priorização da iniciativa privada e a construção dos projetos como uma atividade econômica auto-sustentada.

O projeto de irrigação Jaguaribe-Apodi já foi concebido dentro dessa nova estratégia. Ele previa um projeto piloto para avaliar, em amostragem, os vários aspectos do projeto para subsidiar as demais etapas. Ele foi realizado em área de 1.143 hectares. Seguir-se-ia a primeira etapa com 1.750 hectares e a segunda com 2.500 hectares, denominada de área empresarial para onde estariam previstas 51 empresas. O projeto totalizaria 5.393 hectares, mas hoje somente a primeira etapa foi concluída e, mesmo assim, só funciona com 32% do potencial.

Quase todas as obras civis foram concluídas, como a barragem derivação, canal de aproximação, estação elevatória principal e adutora, para levar a 110 metros a água por um sistema de bombeamento, além de outras obras imprescindíveis neste tipo de projeto, inclusive uma pista de pouso para facilitar o escoamento dos cultivos.

O projeto foi concebido como um distrito de irrigação denominado DIJA, que já nasceu emancipado e dirigido por uma cooperativa de proprietários dos lotes, e segundo os jornais, já foram consumidos desde 1989, quando começou a ser implantado, recursos de 58,2 milhões de dólares. Encontra-se, porém, como várias obras do setor, inacabado, precisando de mais 14 milhões de dólares para concluir a etapa 1 e realizar a etapa 2.

O projeto não se viabilizou financeiramente e a cooperativa deve ao BNB R$ 1,2 milhões, de dívidas pouco securitizadas.

O DIJA tem 320 famílias, 1.750 hectares irrigados por pivô central, 512 hectares de irrigação por aspersão convencional e 246 hectares de irrigação localizada e dois lotes empresariais de 375 hectares. Os irrigantes plantam tomate industrial, feijão carioca e mocassar, milho, algodão e outros.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cabe mais uma reflexão. Como é possível tornar rentável um projeto com culturas pouco nobres - como o feijão e o milho - e sem uma agroindústria de processamento, já que no caso do tomate, este viaja até Petrolina-Juazeiro na divisa Pernambuco-Bahia para o esmagamento?

Isso faz com que cada uma das 320 famílias de irrigantes que paga 20 reais por hectare tenha um custo fixo de 44 reais/hectare/ano, ocasionando um déficit de 494 mil reais/hectare/ano.

Além dos fatores já citados, contribui para inadimplência do projeto a não conclusão da primeira etapa, bombas que necessitam de recuperação, um aeroporto sem utilidade para os irrigantes, que têm de pagar um custo mensal de 400 reais. Destaca-se ainda o custo da energia elétrica utilizada para fazer subir água a 110 metros.

Estamos de acordo com as demandas e ao lado dos irrigantes. E vamos defendê-las junto ao Governo Federal. No entanto, se num projeto que foi concebido para evitar as falhas percebidas nos projetos realizados na fase pioneira, avultam os mesmos problemas e inadimplências, são necessárias medidas definitivas que possam fazer com que a irrigação no Nordeste passe a ser um grande negócio para o País, como é a irrigação das terras áridas chilenas, para dar apenas um exemplo.

Com relação especificamente ao Projeto Jaguaribe - Apodi, é necessário concluir a segunda etapa, denominada de área empresarial e que ao nosso ver deveriam ter se constituído na etapa inicial. Com a atração de empresas âncoras, experientes e detentoras de mercado, que inclusive montariam agroindústrias e exportariam os produtos, utilizando a pista para aeronaves, os proprietários dos pequenos lotes teriam um comprador garantido.

Por outro lado, temos de acabar com este hábito nacional de conservar obras inconclusas, cumprindo o que estava previsto no projeto.

Um terceiro aspecto que extrapola o Projeto Jaguaribe - Apodi é o engajamento das instituições de ensino de todos os níveis na formação de pessoas que possam realizar pesquisas, dar aulas, gerenciar projetos e irrigar. Contam-se nos dedos desde as universidades, passando por órgãos de pesquisa e de extensão, pessoas com conhecimento de irrigação.

Por fim, vale ressaltar algumas medidas de ordem geral:

- concluir as obras inacabadas e recuperar as deterioradas;

- regularização definitiva da posse de terra onde estão assentadas 320 famílias;

- emancipar os perímetros com a atração de grandes conglomerados empresariais agro-industriais para dar auto-sustentação aos distritos;

- viabilizar um programa de interligação de bacias incluindo a transposição do rio São Francisco;

- e, novamente, qualificar, educar, preparar legiões de agricultores aptos para a agricultura, devendo passar por criterioso processo de seleção.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estas são nossas opiniões para salvar não apenas o projeto Jaguaribe - Apodi, mas para tornar a agricultura irrigada auto-sustentável. Só assim, os investimentos terão retorno econômico e social, não se constituindo em agravo aos contribuintes do País, mas favorecendo o desenvolvimento nacional e diminuindo as desigualdades regionais.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1996 - Página 13917