Discurso no Senado Federal

PRECARIEDADE DO SISTEMA CARCERARIO BRASILEIRO, DESTACANDO A SUPERPOPULAÇÃO, AS REBELIÕES, A VIOLENCIA SEXUAL E A OCIOSIDADE DOS PRESIDIARIOS. DIFICIL REALIDADE DOS DISTRITOS POLICIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO, SUPERLOTADOS DE PRESOS. PROPOSTAS APRESENTADAS PELO CONSELHO NACIONAL DE POLITICA CRIMINAL E PENITENCIARIA E PELA OAB, VISANDO MINIMIZAR OS PROBLEMAS QUE ACOMETEM O SISTEMA PENITENCIARIO DO PAIS.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA.:
  • PRECARIEDADE DO SISTEMA CARCERARIO BRASILEIRO, DESTACANDO A SUPERPOPULAÇÃO, AS REBELIÕES, A VIOLENCIA SEXUAL E A OCIOSIDADE DOS PRESIDIARIOS. DIFICIL REALIDADE DOS DISTRITOS POLICIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO, SUPERLOTADOS DE PRESOS. PROPOSTAS APRESENTADAS PELO CONSELHO NACIONAL DE POLITICA CRIMINAL E PENITENCIARIA E PELA OAB, VISANDO MINIMIZAR OS PROBLEMAS QUE ACOMETEM O SISTEMA PENITENCIARIO DO PAIS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/1996 - Página 14694
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ESTATISTICA, OCORRENCIA, MOTIM, PENITENCIARIA, MOTIVO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PRESO, CRITICA, ESTADO, INCAPACIDADE, APLICAÇÃO, PENA, EFEITO, IMPUNIDADE, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, DESVIO, FUNÇÃO, POLICIA CIVIL.
  • ANALISE, PROBLEMA, EXCESSO, LOTAÇÃO, PRESIDIO, MISTURA, PRESO, DELEGACIA DE POLICIA, AUMENTO, CRISE, CONTAMINAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), FALTA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, DEMORA, JUDICIARIO, AUSENCIA, ASSISTENCIA JURIDICA, INCAPACIDADE, DIRETOR, PRESIDIO, APLICAÇÃO, BENEFICIO, LIVRAMENTO CONDICIONAL, REDUÇÃO, PENA, DEFESA, OPÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, MULTA, ALTERNATIVA, RECLUSÃO, EFEITO, ECONOMIA, CUSTO.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, CONSTRUÇÃO, PRESIDIO, APERFEIÇOAMENTO, SERVIDOR, SISTEMA PENITENCIARIO, DEFESA, PRIVATIZAÇÃO, PERMANENCIA, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ESTADO.

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o episódio da rebelião no Centro Penitenciário Agroindustrial de Goiás - CEPAIGO -, da Cidade de Aparecida de Goiânia, não pode ser esquecido, especialmente se pretendemos analisar os fins e a qualidade do sistema carcerário em nosso País.

Se o fato, de importância equivalente à sua gravidade, não é novo, e se, ao revés, vem incorporar-se à série de acontecimentos que há muito refletem os mesmos dramas, suas causas e conseqüências, nem por isso dispensa as preocupações de quem quer que detenha alguma parcela de responsabilidade frente aos problemas vividos pela sociedade.

Tenha-se presente que os registros divulgados pelo Departamento de Penitenciária Nacional, do Ministério da Justiça, confirmam a ocorrência de pelo menos três rebeliões, a cada mês, naqueles estabelecimentos, em geral motivadas pela ânsia de liberdade, de um lado, e pela caótica situação de vida carcerária, de outro.

Desde os bancos acadêmicos recolhemos, dentre as noções introdutórias do Direito, a imutável lição de que a liberdade - somente menor do que o bem da vida - integra a própria essência do indivíduo.

Atributo conceitual e intrínseco da pessoa, não se a pode expungir do ser humano, ainda quando em parte se lhe imponha determinada limitação, em garantia da liberdade dos outros.

Pretendendo o Estado que à conduta censurada se oponha o rigor do castigo legal, deve estar capacitado para a sua aplicação. Se não estiver, ou se apenas de forma insuficiente puder aplicá-lo, estará fortalecendo a crença na impunidade ou violando os direitos humanos.

Subjacente às já costumeiras revoltas de presos, que agora somam a rebelião de Aparecida de Goiânia, há todo um panorama de desacertos há anos expostos pelo sistema penitenciário, atribuídos por Walter Cenevita, em artigo para a Folha de S. Paulo, também ao mecanismo estatal, que desrespeita a lei:

      "A incompetência, a proteção política e a corrupção constituem alguns dos fatores que criaram a falta de acomodação minimamente digna para isolar os criminosos. Quando os presos são tratados pelo Estado como animais, reagem proporcionalmente, sem benefício para os cidadãos cumpridores de seus deveres", avalia o comentarista.

Números do Ministério da Justiça apontam a existência de cerca de 275 mil mandados de prisão, que restam ser cumpridos, se e quando houver vaga nos estabelecimentos prisionais, hoje superlotados.

Hoje, 130 mil presos - em média 88 por 100 mil habitantes - ocupam as 60 mil vagas dos 511 presídios do País. No entanto, o censo da população carcerária brasileira, promovido no ano passado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, revela resultado diverso.

Na verdade, o sistema dispõe de apenas 59 mil vagas, para 140 mil detentos, apontando, portanto, um déficit de 81 mil vagas. Constata aquele órgão, a partir daí, que mesmo os presos de alta periculosidade amontoam-se em delegacias e distritos policiais, dando margem à eclosão de sucessivas revoltas, e que as condições da atividade prisional, vista no seu conjunto, são deploráveis.

No Rio de Janeiro, 3 mil presos excedem o número de vagas, o que, se procurássemos algum consolo, poderia ser considerado uma realidade menos aflitiva que a de outras capitais.

Tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo essa realidade mostra que estão misturados no mesmo espaço os detentos, os meramente suspeitos e os condenados, em visível afronta às leis. Aliás, na Capital paulista, a situação caótica dos distritos policiais reflete-se diretamente na insegurança vivida pela população, pois constitui uma camisa-de-força para a Polícia Civil, transformada em carcereira de milhares de presos à disposição da Justiça e que por isso não consegue executar a contento sua legítima função de Polícia Judiciária.

Srªs e Srs. Senadores, a inacreditável realidade dos distritos policiais do Município de São Paulo, por mais absurdo que pareça, resulta de uma simples portaria - a de nº 1 - baixada em 14 de maio de 1981, pelo Juiz da Vara das Execuções Criminais, invertendo o procedimento determinado pela lei quanto ao sistema carcerário. Trata-se de medida que fora adotada em caráter provisório e que parece ter-se perpetuado, pois, simplesmente, já perdura há 15 anos. Enquanto isso, os xadrezes dos distritos, com uma capacidade prevista para o máximo de 1.390 presos, aproximadamente, acolhem cerca de 5.900; ou seja, onde poderia existir 1 preso há mais de 4.

Portanto, a promiscuidade é total entre os criminosos primários e os autores de delitos leves com os assassinos, traficantes de drogas, estupradores, etc.

Ao mesmo tempo em que os distritos policiais da Capital paulista registram um excesso de 322% de presos em seus xadrezes, os estabelecimentos penitenciários do Estado de São Paulo, incluindo penitenciárias, casas de detenção, presídios, hospitais, penitenciárias femininas e presídios semi-abertos, enfrentam um excesso populacional de cerca de 33%. São cerca de 32 mil presos recolhidos onde deveriam existir 24 mil, aproximadamente.

Portanto, a situação daqueles distritos policiais é 4 vezes pior que a dos estabelecimentos penitenciários, que continuam imutáveis após décadas de existência. Isto apesar de a Lei de Execuções Penais ser clara quanto ao destino que deve ser dado aos condenados, ou seja, eles jamais deveriam estar cumprindo pena nos xadrezes policiais, mas, sim, em estabelecimentos adequados que se teima em não construir. Daí a grande escola que é mantida pelo Estado, com o dinheiro do povo, para a formação - e não para a recuperação - de criminosos. Daí igualmente o porquê de estarmos presenciando o surgimento de gerações de delinqüentes cada vez mais sádicos e sanguinários.

O Governador Mário Covas, do meu Estado, com o Secretário de Segurança e dos Assuntos Penitenciários, determinou, através de uma instrução, o esvaziamento dos distritos policiais, com a saída de um número razoável a cada semana. Acreditamos que com isso se procure resolver o que há 15 anos aflige a Polícia Civil de São Paulo e, muito mais, as populações que vivem próximas a esses distritos.

Acredito eu que o Rio Grande do Sul, que V. Exª, Srª Presidente, representa, não deve ter uma condição diferenciada da de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Para resolver a questão dos excedentes, seria necessária a construção de 130 novos presídios. Todavia, segundo avaliação da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, pelo menos um quinto das vagas poderiam estar liberadas, caso fossem aplicados os benefícios legais.

Muitos já cumpriram a pena, e permanecem presos; outros poderiam cumpri-la em regime semi-aberto, não fossem a morosidade dos procedimentos judiciais, a ausência de assistência jurídica e os humores dos dirigentes dos presídios, que, muitas vezes, ignoram os favores da lei, como a unificação ou remissão das penas, seja por bom comportamento, seja pela contagem do período trabalhado.

Para a OAB, haveria, com um pouco de boa vontade, a possibilidade de minimizar o problema da superlotação dos presídios e de outras mazelas do sistema carcerário, que levam à violência e à sublevação, "a começar pelo poder despótico dos diretores de presídio" que alargam ou dividem com os carcereiros.

Com o entendimento da Ordem, com o qual a Folha concorda em editorial, esse sistema penitenciário é comparado como "o último círculo do Inferno de Dante".

Diz o jornal:

      "Presos se revezam para dormir nos escassos centímetros quadrados que lhes cabem. A promiscuidade sexual os torna grupo de risco da AIDS. As drogas circulam como que livremente. O estado em que vivem é, já visto em Dante, o de tortura permanente. Daí a explicação para a sucessão de rebeliões."

Concordando com a informação, a Pastoral Carcerária calcula que aproximadamente 40 pessoas morrem de AIDS nas prisões de São Paulo, a cada mês, e, talvez, outro tanto em outros Estados; cerca de um quarto do contingente de presos do Estado são portadores do vírus HIV, não se contando aí os detentos portadores de outras doenças infecto-contagiosas.

      "Construir mais cadeias poderia ser uma solução, mas, diante das enormes carências sociais do País, gastar dinheiro público construindo presídios é um insulto contra aqueles que, sem ter cometido crime, vivem igualmente nos círculos dantescos", prossegue a Folha.

E conclui, em abono à tese da OAB:

      "Se não se podem construir mais presídios, a solução lógica é, portanto, a de esvaziá-los. Como esta Folha já defendeu várias vezes, a pena de reclusão da liberdade deveria ser reservada para os criminosos cuja vida em sociedade representa ameaça física à população.

      Penas de prestação de serviços e multas não só desonerariam o Estado, que, afinal, paga para manter os presos, como lhes trariam benefícios. De resto, ao colocar um criminoso sem periculosidade numa cadeia, há o risco de transformá-lo de fato em elemento perigoso.

      Esvaziando as cadeias, a tendência é a de que o inferno se transforme pelo menos no purgatório, e os condenados, por mais hediondos que tenham sido seus crimes, possam permanecer na condição de seres humanos."

A própria Carta Magna assegura garantias infelizmente ignoradas. Entre elas, a de que a sanção há de ser satisfeita em estabelecimentos distintos, observando-se a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, em todos os casos respeitando-se a integridade física e moral do preso. Como atender, em celas superlotadas, a esse mandamento?

Espoucam, então, as manifestações de violência de presos contra presos, desses contra os agentes penitenciários, dos carcereiros contra os reclusos, gerando condições permanentemente inseguras para todos os que exercem o dever de zelar pela disciplina e pela segurança e, de outro lado, para os que se encontram, em tal circunstância, tutelados pela Justiça.

Calcula-se em R$1 bilhão a despesa com a recuperação do sistema penitenciário do País, que o Ministro da Justiça, há um ano, já considerava falido, dado que não se faz investimento no setor há algumas décadas. Sem êxito, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária sugeriu a criação, com recursos externos, da Escola Penitenciária Nacional, que seria voltada à capacitação profissional dos 37 mil servidores de todos os presídios.

Em São Paulo, apenas na metade inicial do ano passado, ocorreram 15 rebeliões de presos, aí incluída a da Casa de Detenção e do Complexo Penitenciário Campinas-Hortolândia, e não havia pessoal treinado para lidar, com competência, com esse tipo de acontecimento. Morreram três presos, dois agentes penitenciários, o diretor de segurança e resultaram 30 feridos.

A capacidade dos negociadores é improvisada. As pessoas jogam um pouco com a sorte e, pela vocação de bem servir, às vezes conseguem sucesso. Mas não há como negar que, hoje, a modernidade exige profissionais competentes para essas horas de crise, porque eles saberão conduzir as negociações, a fim de que o resultado não deixe a sociedade mais intranqüila e os lamentos permaneçam nos relatórios.

Na ocasião, professores de Direito da Universidade de São Paulo - USP, reunidos para examinar a questão, concluíram que "a precariedade das prisões desvirtua o sistema penal" aqui praticado, pois o preso, no máximo, só deve perder a liberdade.

Todavia, nas penitenciárias, casas de detenção e delegacias, os presos perdem muito mais do que a liberdade, padecendo violências de toda ordem. O abuso sexual, por exemplo, faz parte da rotina das prisões, sem que, obviamente, essa punição tenha sido imposta ao preso.

Dom Aloísio Lorscheider, feito refém dos presos do Instituto Penal Paulo Sarasate, em episódio de todos conhecido, avaliou que os estabelecimentos prisionais constituem "verdadeiras universidades do crime". Observando a existência de presídios com superlotação, ociosidade, falta de asseio e de assistência, aconselhou "amar mais o próximo, especialmente os que têm os seus direitos violados."

Coisas assim "demonstram que é preciso, agora mais do que nunca, lutar pela dignidade da pessoa humana, prosseguiu. Os direitos humanos não têm objetivos partidários, mas finalidades políticas, certamente no sentido de sua busca continuada.

A situação do sistema carcerário, há dois anos, levou o Cardeal Arcebispo de Fortaleza a sugerir que as nossas autoridades fizessem uma profunda reflexão sobre o problema. De sua parte, considerou a experiência dolorosa, sem embargo de extremamente rica de ensinamentos, pois, "se devemos amar todas as pessoas, amemos a essas, de modo mais intenso, porque têm os direitos humanos desrespeitados".

Devemos relembrar a angústia de Dom Aloísio Lorscheider, quando esteve à mercê de um grupo revoltado de um presídio. Os presos não tiveram nenhum escrúpulo em apontar uma arma em direção à sua cabeça e, apesar da idade, eles o mantiveram no chão, prisioneiro da força do marginal que o imobilizava.

Por sua vez, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária destaca que pelo menos duas medidas poderiam contribuir para uma significativa melhora do sistema carcerário: uma, o investimento maciço na ampliação e construção de presídios, a fim de aumentar a oferta de vagas até o nível da demanda; outra, a introdução e a aplicação das denominadas penas alternativas, em substituição às sanções privativas da liberdade.

Quer-se, assim, aumentar o número de penas alternativas à prisão, como as de prestação de serviços à comunidade, multa e confisco de bens - essa última nos casos do crime do colarinho branco, estelionato e sonegação de impostos. Nesses casos, o criminoso não-violento sofreria a condenação das chamadas penas retributivas, compensatórias e equivalentes ao dano provocado, permitindo ao sistema um ganho de 35% no número de vagas.

Srª. Presidente, nesse ponto, faço um apelo aos Srs. Senadores, no sentido de que este Plenário realmente busque outras opções de pena, para evitarmos que os criminosos, principalmente os primários, coloquem-se à mercê de outros com várias passagens pela Polícia, condenações altas. Isso permitiria que o preso primário voltasse às ruas para reincidir no crime com mais violência e menos amor à pessoa humana.

Consta ainda de estudos especializados que grande parte da população carcerária é de analfabetos ou semi-alfabetizados, em geral abaixo da linha de pobreza, com idade média entre 18 e 25 anos. São acusados de crimes como o furto e o roubo - 79% dos processos -, aparecendo em plano secundário o homicídio, a lesão corporal, o aborto, o estupro, a corrupção, o tráfico e o porte de drogas.

E mais: o País tem uma despesa média - acreditem Srª. Presidente e Srs. Senadores - de R$500,00 por preso - mais do que ganha um policial -, a cada mês, projetando um gasto de R$70 milhões para a manutenção dos 140 mil reclusos. O Conselho define que essa despesa seria reduzida drasticamente, caso fossem aplicadas as penas alternativas ajudando, por outro lado, a diminuir o índice de 85% de reincidência, sem dúvida um dos mais altos do mundo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, sabemos - a experiência nos mostra - que as pessoas são condenados, levadas aos presídios. Lá ficam maquinando, durante o tempo da ociosidade, como reincidir sem incorrer nos erros que os levaram à cadeia. Daí surge a violência: eles, muitas vezes, eliminam a vítima para evitar que haja um reconhecimento futuro. Até hoje o Estado ainda não conseguiu impor um sistema de proteção à testemunha. Vamos rezar para que isso aconteça. Dessa forma, os crimes graves poderão, por intermédio de um testemunho forte, permitir à Justiça condenar os culpados de forma correta e eficiente.

As estatísticas levantadas no meu Estado indicam que 40% dos assaltos praticados com violência sexual são cometidos por criminosos com passagens pela cadeia, a escola que ensina a prática do estupro. Fugas e motins, repetindo-se diariamente, são também resultado direto do precário estado do sistema.

É importante salientar, nesses estudos, que mais de 20 mil sentenciados estão recolhidos em delegacia, ao contrário de internados nas penitenciárias, onde mereceriam os benefícios a quem têm direito legal, como o da redução da pena por dias trabalhados, liberdade condicional ou regime semi-aberto.

Sabemos que o trabalho é uma terapia importante para o preso. O Estado, que deveria exigir que o trabalho fosse obrigatório, se vê premido porque não encontra espaço para criar os presídios-indústrias e assim oferecer, mediante o trabalho, a recuperação de vários criminosos, que poderiam encontrar no convívio da sociedade uma vida melhor.

No Rio de Janeiro, segundo apontamentos da Secretaria da Justiça, cerca de 1/3 dos mais de 8 mil presos deveriam estar - e não estão - usufruindo o benefício da liberdade condicional, enquanto outro 1/4 poderia estar cumprindo penas alternativas. Tudo como se não ostentássemos uma das maiores superlotações carcerárias do Planeta.

Cada sublevação superada é logo esquecida, remanescendo sem deslinde os problemas que a geraram, deixando-se para o futuro indeterminado as soluções e providências requeridas. Há dois anos não se incluem verbas orçamentárias para a construção de novas penitenciárias, nem para conclusão das obras paralisadas. Dezenas desses estabelecimentos estão sem possibilidade de ser concluídos, o que poderá aliviar um pouco o problema carcerário.

À escassez de recursos, alegada razão para o descalabro do sistema prisional, junta-se o descaso demonstrado no fato de não se ter aplicado - e dele ignorar-se o destino - o produto da arrecadação do Fundo Penitenciário, correspondente a 3% da arrecadação das loterias.

A Comissão Parlamentar de Inquérito, que há pouco mais de dois anos discutiu os problemas do Sistema Penitenciário Nacional, concluiu "pela urgente necessidade de se adotar medidas profiláticas e curativas, que possam, ao menos, humanizar o sistema penitenciário, despindo-o de parte da precariedade em que se encontra. Trata-se de encurtar a enorme distância existente entre os ideais da Lei de Execução Penal e a realidade cruel do dia-a-dia de nossas prisões".

Entre as recomendações que alinha, destacam-se as de:

      "...que se construam estabelecimentos penais federais;

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde o tempo em que eu dirigia a Polícia Federal, reconhecia-se a necessidade da construção de um presídio federal, para que seja aliviada da responsabilidade do Estado a guarda dos condenados federais.

      "... que se garantam verbas orçamentárias suficientes para o setor penitenciário; que se priorize a solução para o problema enfrentado na porta de entrada do sistema (com a criação de novas vagas para os distritos policiais e as cadeias públicas, e a efetiva separação de presos provisórios e condenados); que se desestimule a superpopulação carcerária, com a desativação das grandes penitenciárias; que se organize a Defensoria Pública dos Estados; que se aumente o número de vagas na Magistratura e, ao mesmo tempo, proceda-se à informatização dos juízos e dos estabelecimentos penais".

"As prisões são verdadeiras incubadoras de criminosos", já advertia Nelson Hungria há mais de três décadas. Também por isto, o Professor Antonio Evaristo de Morais Filho, discorrendo sobre a aplicação das penas restritivas da liberdade, lembrou que a maioria dos penalistas internacionais, sobretudo nas últimas duas décadas, consideram a pena de prisão um instrumento a ser utilizado apenas em casos extremos como o de "o sentenciado representar efetivo perigo para a comunidade", pois o encarceramento muitas vezes é improdutivo e realimentador da criminalidade, explicando-se, na perversão do recluso primário, o elevado índice de reincidência entre os egressos das penitenciárias.

Noticia o respeitável penalista, a propósito, que especialistas nacionais, americanos e ingleses concluíram, ainda no ano passado, estudos constatando que boa parte dos infratores encarcerados poderiam, sem qualquer ameaça à sociedade, estar cumprindo suas penas em liberdade. Realmente, as estatísticas confirmam que a reincidência é mais freqüente entre ex-presidiários do que os beneficiados pelo sursis quando do cometimento da primeira infração.

Apoiada em tal compreensão, a legislação inglesa, desde 1991, conduz o magistrado a decidir no sentido de que "ninguém deve ser enviado à prisão a menos que o juiz considere a infração tão grave que apenas a privação da liberdade seja capaz de proteger o público do dano que poderia ser causado pelo infrator." Por isso, nos tribunais ingleses e assim também nos da Alemanha tão-somente 10 ou 12% dos condenados cumprem pena privativa da liberdade.

Em conclusão, recomenda o criminalista que, também no Brasil, seja ampliada a aplicação das penas alternativas, sobretudo aos réus primários, responsabilizados por delitos praticados sem violência real. Assim, não apenas diminuiria o problema de superlotação carcerária, como a sociedade estaria melhor protegida, pagando menor contribuição para a manutenção das prisões.

Opina-se, também, favoravelmente à efetivação de "uma reengenharia da política penitenciária", já adotada em outros países, segundo a qual o Estado se reserva às atividades de controle e fiscalização, delegando os outros encargos à iniciativa privada. É um assunto profundamente interessante, de difícil solução, em relação ao qual poderia haver, sem dúvida nenhuma, grande discussão. Na privatização das penitenciárias, o Poder Público aplicaria as regras e o privado construiria as prisões e administraria o seu dia-a-dia.

A pena, não é demasiada a repetição, tem a finalidade ético-jurídica de corrigir, ao lado da função de reintegrar o infrator ao convívio em sociedade; vale dizer, objetiva a não-reincidência. O homem, ainda que sofrendo condenação da perda da liberdade, deve ser levado ao cárcere de forma civilizada, e em condições nas quais possa expiar decentemente os seus pecados.

Não há de ser confinado com dezenas de outros, que apresentam graus variados de periculosidade, em celas diminutas, fétidas e promíscuas, onde se perdem as oportunidades de recuperação e germinam os motins e as chacinas hoje tão freqüentes.

A exclusão dos condenados, circunscrita à pesada cruz de não viver em liberdade, encontra aí o seu limite extremo. Atrás dos altos muros dos presídios, os reclusos devem usufruir, portanto, de existência acobertada de corretos padrões carcerários, de legítimas expectativas de ressocialização e de respeito aos direitos humanos, universalmente consagrados.

Os três Poderes da República, as instituições e entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil têm o dever irrecusável de perseguir soluções inadiáveis para a série de problemas enfrentados pela organização prisional, e a sociedade, no seu todo, o de recusar a assimilação da crise do sistema, escondendo-se na devassável cortina da indiferença.

Há que se reverter, com todas as forças, esse quadro de desesperança, traçado pelos que não se subordinam ao império da lei, ignoram os direitos humanos e ensurdecem ao clamor dos infelizes.

Não podemos permitir que esse estado de coisas leve as autoridades, cada vez mais, a ampliar os benefícios da Lei de Execução Penal para todos os níveis de crimes. Nos crimes graves, o preso deve cumprir no mínimo 50% da pena para que se possa pensar em benefício, que somente deverá ser concedido se cumpridas todas as exigências legais, inclusive o exame criminológico, para verificar se ele tem condições de poder voltar a viver em sociedade.

O que me trouxe a esta tribuna, para discorrer um pouco sobre o sistema penitenciário, foi a profunda angústia por que passa a sociedade nos dias de hoje com a violência da criminalidade.

Costumo não discutir muito a ligação entre a violência e a criminalidade. A violência tem, no seu bojo, vários processos ligados aos aspectos sociais, mas a criminalidade violenta provavelmente vem da promiscuidade em que os presos vivem nas prisões, nas delegacias de polícias, no relacionamento altamente prejudicial à sociedade.

O Sr. Eduardo Suplicy- Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Romeu Tuma, V. Exª fala de um dos maiores problemas que ocorrem hoje no Brasil, ao descrever a superlotação do sistema penitenciário, característica de quase todo o sistema penitenciário brasileiro, em especial do nosso Estado de São Paulo e mais ainda na grande São Paulo, especialmente na cidade de São Paulo. Qualquer dos distritos policiais que venhamos a visitar, a qualquer momento e hora ou a casa de detenção, ou a penitenciária masculina - a feminina não é assim, as condições são bem mais razoáveis - o que vemos é o que V. Exª acaba de descrever. As pessoas praticamente disputando o espaço e até o ar para respirarem, e num ambiente de promiscuidade, num ambiente totalmente desprovido de qualquer possibilidade de as pessoas até mesmo repousarem, é muito difícil imaginar-se que algum detento esteja envolvido em qualquer processo de reeducação, de recuperação, de aprimoramento, para que possa voltar para o seio da sociedade, convivendo com outros valores. Porque como V. Exª, que em tendo sido Diretor Superintendente da Polícia Federal, até porque conviveu com a polícia civil de São Paulo, melhor do que eu sabe dessas condições que levam as pessoas a, ao saírem do sistema penitenciário, muito provavelmente voltarem a praticar atos criminosos, às vezes até com requintes de violência, ações bárbaras. Como, por exemplo, uma pessoa que resolveu embebedar de álcool um cidadão de 74 anos para depois atear-lhe fogo, para que ele dissesse onde estava o cofre da sua casa. É muito importante que venhamos a pensar como resolver este problema de tanta violência e criminalidade. Hoje em São Paulo, como em outras cidades de nosso Estado, como por exemplo Ribeirão Preto desenvolve-se uma ação extraordinariamente grave com o uso do crack. Ainda ontem o Prefeito Antonio Palocci visitou o Diretor Superintendente da Polícia Federal, Vicente Chelotti, solicitando que seja realizada uma ação no sentido de se procurar evitar a passagem do crack e de outras drogas, como a cocaína, a heroína ou qualquer que seja, para a cidade de Ribeirão. Constatando que está havendo um aumento de violência decorrente do uso de drogas e que não se consegue deter isso simplesmente procurando conter os que praticam o tráfico nas ruas, seria importante detectar de onde estão sendo enviados, seja nas estradas, nos aeroportos, em todo lugar por onde há, potencialmente, uma via de acesso. O Diretor da Polícia Federal disse que isso será perfeitamente possível de se realizar. Como terceiro ponto, Senador Romeu Tuma, gostaria de colocar algo que considero importante, que é a preocupação do Prefeito Antonio Palocci Filho: se possível, incrementar o nível de atividades culturais e de lazer, sobretudo para a juventude, que possam ter como outra alternativa esse tipo de atividade. Por acaso, hoje o jornalista Gilberto Dimenstein menciona que na cidade de Nova York experiência interessante está se desenvolvendo com a prática da bola ao cesto noturno, para jovens, e que isto veio a diminuir significativamente a prática de crimes violentos naquela cidade. É claro que é mais um fator que pode contribuir para isto, assim como também, acredito, devemos procurar atacar na raiz as razões de tanta violência, até porque, na nossa cidade de São Paulo, os homicídios estão ocorrendo em muito maior número e grau, ali em bairros como Capão Redondo, Jardim Ângela, Itaim Paulista, enfim, nos bairros de menor condição sócio-econômica. Os assaltos ocorrem também, ali onde está mais a classe média, mas os crimes de homicídio e de violência maior ocorrem nos bairros mais pobres, onde inclusive faltam recursos para a população ter acesso a atividades que não sejam as de rua e até a criminalidade. Nesses bairros não há praticamente atividades de lazer, atividades culturais, além, obviamente, de a população estar hoje sofrendo com o desemprego e com a falta de uma remuneração adequada. Cumprimento V. Exª por estar trazendo um diagnóstico sobre o problema da superlotação e das razões da criminalidade no Brasil.

O SR. ROMEU TUMA - Pediria só mais um minuto a V. Exª, Srª Presidenta, para agradecer a intervenção do nobre Colega. Gostaria que V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, levasse ao Prefeito Antonio Palocci os meus cumprimentos. Porque hoje pela manhã recebi um telefonema do Deputado Corauci Sobrinho que me pôs a par do trabalho do Prefeito de Ribeirão Preto, vindo a Brasília e insistindo num maior envolvimento da Polícia Federal no combate às drogas na região. V. Exª deve lembrar-se de que - tendo sido, inclusive, favorável a isso, à época -, quando dirigi a Polícia Federal, demonstrei a necessidade da instalação da delegacia em Ribeirão Preto e em alguns outros municípios onde a população migratória é bastante alta e os sistemas de contrabando e tráfico de armas também operavam, pela sua distância com o Estado de Mato Grosso e, portanto, com a Bolívia, a Colômbia, os países produtores de drogas.

Esse apelo deve ser endossado por esta Casa: a Polícia Federal tem que se envolver mais no combate às drogas.

Aproveito, se me permitir a Presidência, pois sei que o meu tempo está esgotado, para ler uma declaração do Ministro Nelson Jobim:

      "Para resolver o problema da violência, o Ministro da Justiça afirmou que é preciso combater causas como o tráfico de drogas e o tráfico de armas."

Pergunto qual é o plano que S. Exª está nos apresentando para isso.

Dom Paulo Evaristo Arns é injustamente acusado de, por defender os direitos humanos, proteger o marginal. Isso não é verdade. A sua declaração é mais contundente do que a do Ministro da Justiça:

      "Polícia é fraca contra bandidos. A polícia é muito fraca em relação à força dos bandidos." O religioso entende que o desemprego e a droga são os responsáveis pela violência."

Verifico que V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, entendeu o sentido do meu discurso: a geração da violência criminosa vem da escola mantida pelo Estado, os presídios superlotados. Essa violência que hoje apresenta requintes de perversidade tem algumas explicações.

Ontem, ouvia uma autoridade dizer que não coloca muito a polícia na rua porque a mesma é violenta. Em tese - peço a ajuda do Senador Bernardo Cabral em meu raciocínio, porque testemunho aqui o seu apoio para a instalação da delegacia em Ribeirão Preto.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) - Alerto a V. Exª que o seu tempo está esgotado.

O SR. ROMEU TUMA - Estou concluindo, Srª Presidente.

Se hoje tratamos a polícia como suspeita pela violência e pelo aumento da criminalidade e tratamos com tolerância os marginais, dizendo que são vítimas da sociedade, o que os impede que destruam e ajam com violência, matando, estuprando e violentando essa mesma sociedade que, em tese, pela explicação de estudiosos, levou-os a essa situação de miséria moral? Muitos presos têm dinheiro e praticaram crimes porque houve um desvio de raciocínio.

Srª Presidente, comprometo-me a voltar à tribuna para analisar mais o problema da criminalidade e menos o problema penitenciário.

Agradeço a V. Exª pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/1996 - Página 14694