Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ESPECIALMENTE DO SEXO FEMININO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. COMO VICE- PRESIDENTE, NA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO QUE INVESTIGOU A PROSTITUIÇÃO INFANTO-JUVENIL, NA CAMARA DOS DEPUTADOS, EM 1994. REALIZAÇÃO DO CONGRESSO MUNDIAL CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL E COMERCIAL DE CRIANÇAS, ENTRE OS DIAS 27 E 31 DE AGOSTO, EM ESTOCOLMO, SUECIA. LAMENTANDO A AUSENCIA DE REPRESENTANTES DO SENADO NO REFERIDO CONGRESSO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, ESPECIALMENTE DO SEXO FEMININO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. COMO VICE- PRESIDENTE, NA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO QUE INVESTIGOU A PROSTITUIÇÃO INFANTO-JUVENIL, NA CAMARA DOS DEPUTADOS, EM 1994. REALIZAÇÃO DO CONGRESSO MUNDIAL CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL E COMERCIAL DE CRIANÇAS, ENTRE OS DIAS 27 E 31 DE AGOSTO, EM ESTOCOLMO, SUECIA. LAMENTANDO A AUSENCIA DE REPRESENTANTES DO SENADO NO REFERIDO CONGRESSO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/1996 - Página 14724
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, VITIMA, VIOLENCIA, DROGA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), EXPLORAÇÃO, TRABALHO, REGIÃO, GARIMPAGEM, LITORAL, BRASIL, TURISMO, SEXO, DENUNCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SIMPOSIO, OPOSIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), PAIS ESTRANGEIRO, NORUEGA, DEBATE, SOLUÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRITICA, AUSENCIA, REPRESENTAÇÃO, SENADO, GRAVIDADE, PROBLEMA, BRASIL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje a esta tribuna um assunto que abordei anteriormente, mas, como o momento é oportuno, uma vez que será realizado um congresso mundial contra a exploração sexual de crianças, o abordarei novamente.

A exploração sexual de crianças e adolescentes, especialmente do sexo feminino, é um fenômeno em expansão no mundo inteiro. No Brasil, foi denunciada por diversas ONGs - Organizações Não-Governamentais - no início desta década.

A conscientização do problema tomou impulso a partir da instalação, na Câmara dos Deputados, em 1994, da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a prostituição infanto-juvenil. Na oportunidade, fui vice-Presidente da mencionada Comissão. O trabalho pioneiro daquela CPI contribuiu para dar visibilidade a uma realidade que, embora do conhecimento de todos, surpreendeu e provocou mobilização nacional, inclusive das autoridades federais, estaduais, municipais e dos meios de comunicação.

Denunciamos a realidade de milhares de jovens que substituíram, precocemente, as brincadeiras de infância, o eterno sonho de criança de brincar de bonecas, pela vida marginal nas ruas e boates, vendendo o próprio corpo como forma de sobrevivência. São meninas pobres, em sua maioria negras, expostas à violência e à degradação humana que só a exploração sexual pode levar. A criança explorada sexualmente adquire seqüelas irreversíveis, perde a auto-estima, estigmatiza-se.

Realmente, o diagnóstico revelou um verdadeiro quadro de horrores. Estupros, violências físicas e psicológicas dentro do próprio lar, exercidas, na maioria das vezes, pelos próprios familiares; meninas e meninos de rua que se prostituem por um prato de comida; jovens de classe média atraídos por pretensas "agências de modelos", meninas e mulheres oferecidas a estrangeiros nos "pacotes de pornoturismo", meninas que se mutilam em praça pública para gritar seu pedido de socorro, meninas seqüestradas e escravizadas na prostituição dos garimpos da Região Norte, nos hotéis do Sul e Sudeste; mulheres escravizadas por quadrilhas de traficantes que atuam internacionalmente; brutalidade e violência policial; doenças sexualmente adquiridas; comércio de bebês, em adoções e tráficos internacionais; meninos prostituídos para homossexuais; consumo de álcool e outras drogas, e assim por diante, numa seqüência de atos e práticas que indicam a mais completa desumanidade e absoluta ausência de valores humanos.

A certeza da impunidade faz proliferar os exemplos: aliciadores de meninas, leilões de virgens e anúncios nos jornais oferecendo "ninfetas". Em Fortaleza, Ceará, um desses anúncios oferece meninas da seguinte maneira: "Desfrute seus melhores momentos com as mais belas ninfetas da praia. Sigilo absoluto".

Leilões de meninas virgens, entre 9 e 14 anos, há muito tempo virou modismo em boates de Norte a Sul do Brasil. Apesar da ação isolada da polícia, em alguns pontos do País, temos notícias de que esses leilões continuam acontecendo de forma camuflada e com a conivência às vezes até das autoridades, pois é notório que os prostíbulos são freqüentados por policiais, juízes, promotores e políticos das regiões.

Histórias contadas por agentes da Pastoral da Mulher no Maranhão, por exemplo, comprovam que os aliciadores continuam agindo livremente. Uma das agentes foi procurada por uma menina de 14 anos, que perguntou se, para trabalhar como doméstica em casa de família, era preciso ser virgem e provar que não era portadora do vírus da AIDS. A agente quis saber o porquê da pergunta e obteve como resposta: a jovem tinha sido procurada por uma mulher que lhe prometera emprego de doméstica. É lógico que se tratava de agenciadora em ação, recrutando meninas virgens para leilão.

As chamadas "ninfetas" contribuem com mais de 80% do faturamento da máfia da prostituição. Uma prostituta alimenta uma rede, que vai do taxista até donos de restaurantes e funcionários de hotéis de luxo na orla marítima, em qualquer parte do Brasil, seja nos balneários das Regiões Sul, Nordeste ou Sudeste.

Longe do litoral, o esquema da prostituição nos garimpos é ainda mais cruel, pois as mulheres são escravizadas. A escravidão sexual está presente principalmente no Acre, em Rondônia e no Pará.

Tudo começa com a promessa de emprego em casas de família, bares ou lanchonetes. A família recebe dinheiro, e a menina é levada para o garimpo, geralmente em pequenos aviões. Lá, fica sabendo que vai trabalhar em boates, que terá de pagar o preço da passagem aérea, além de pagar também pela casa e comida. As que recusam são espancadas violentamente ou assassinadas. É um caminho sem volta, e a menina se prostitui para pagar a dívida, passando a ser propriedade do dono da boate.

Uma vez arrebanhadas para os prostíbulos, torna-se impossível abandoná-los, pois além de terem de pagar ao explorador por casa, comida e remédios que usam para combater doenças sexuais adquiridas, precisam sustentar o vício da droga, de que passam a fazer uso para suportarem a vida miserável.

Poderia passar todo o tempo aqui falando a respeito desta situação, mas quero lembrar que acontecerá o Congresso Mundial contra a Exploração Sexual e Comercial de Crianças entre os dias 27 e 31 de agosto em Estocolmo, organizado pelo Unicef, por organizações não-governamentais e pela Rede Internacional contra a Prostituição de Crianças.

O Congresso debaterá temas ligados à exploração infantil, como pobreza, famílias desestruturadas e pais violentos, educação, saúde, desigualdade e injustiça social, discriminação por gênero, tráfico de crianças, uso de drogas comportamento sexual masculino irresponsável e desajustado, impunidade e ausência de leis para punir os exploradores, além do uso da Internet como veículo de propagação de imagens e estímulos à pedofilia e à prostituição infanto-juvenil.

Além da presença das organizações não-governamentais brasileiras de defesa da criança e do adolescente, o Governo Federal enviará representantes que defenderão os seguintes aspectos: implantação dos Conselhos Tutelares, apoio à Campanha Nacional de Combate à Prostituição Infantil e defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Parlamentares de todo o mundo também estarão presentes. E o desafio que o Brasil enfrenta hoje, e que deverá ser amplamente discutido nesse Congresso, será colocar em prática a legislação nacional de proteção aos direitos da criança e do adolescente, uma das mais modernas do mundo.

A grande ausência na delegação brasileira que vai a Estocolmo será, infelizmente, a representação do Senado Federal. E lamento não haver uma representação do Senado para, junto com os Parlamentares de todo o mundo, tratar de uma situação que é mundial.

No momento em que o mundo inteiro se mobiliza para encontrar saídas que levem ao combate à exploração e à comercialização sexual de crianças, quando Parlamentares de todo o mundo estarão presentes, leis serão discutidas, questionadas, atualizadas, o Senado Federal se faz ausente.

Lamento, mais uma vez - e por que não dizer aqui na presença do nosso Presidente José Sarney -, o Senado Federal não estar presente nesse tão importante debate. Talvez não tenhamos a sensibilidade necessária para entender esse momento para a política social brasileira.

Somos um dos países mais cobrados no que diz respeito ao tratamento da criança e do adolescente. Na área sexual, somos um dos primeiros quanto à prostituição das crianças. Ao tratarmos aqui, em debate nacional, do risco da globalização da economia, da desvantagem que se tem em nível de não relacionar isso a um desenvolvimento social, penso no fato de termos uma demanda social muito grande sem debatermos este assunto, que também está na raiz da proliferação da miséria no nosso País e na América Latina.

Por isso, lamento a nossa ausência nesse grande Congresso Mundial. Talvez isso também aconteça pelo fato de ainda, na cultura política, nos debates dos assuntos nacionais, esse tema ser considerado uma "coisa de mulher" e, como tal, não tem a dimensão para priorizar não apenas o debate, mas a política e a participação.

É preciso rever esta postura no futuro, até porque o que está em jogo é o futuro de toda uma geração de brasileiros, sacrificada em nome de um modelo de desenvolvimento que priva milhares de crianças e adolescentes de direitos básicos, como a convivência familiar, o acesso à escola e à saúde.

As pessoas precisam saber que comportamentos anormais, como a exploração sexual de crianças e adolescentes, não passarão despercebidos. Serão sempre divulgados e condenados pela sociedade.

Não é possível afirmar, com precisão, o número exato dessas meninas e meninos envolvidos em situação de prostituição, até porque a estimativa de que existem no Brasil 500 mil meninas prostitutas tem sido contestada. Mas não é preciso estimativas para gerar indignação em cada ser humano que preserva o valor da vida, para considerarmos que esta modalidade de violência contra crianças e adolescentes é uma grave violação dos direitos humanos e das liberdades individuais, preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal.

Esse grave problema que a sociedade moderna enfrenta, gerado dentro da própria família desses jovens, faz-nos recordar da frase do poeta Caetano Veloso, que deve ser um ponto de interrogação e de reflexão da sociedade, quando se encara a realidade da exploração sexual de meninas e meninos brasileiros: "Alguma coisa está fora da ordem..."

Quando crianças e adolescentes são utilizados em plena luz do dia, muitas vezes incentivados pela própria família, como mercadorias para serem explorados, urge que a sociedade se mobilize, confrontando esta realidade, condenando-a vigorosamente, além de exigir dos poderes públicos providências.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de fazer essa abordagem, já que o Congresso será realizado no final deste mês. Evidentemente, a nossa ausência não contribuirá para que o evento se realize na discussão do mais alto nível.

Creio que, realmente, a nossa falta será sentida nesse encontro, pelo fato de o Senado Federal estar tratando da questão da exploração da prostituição infanto-juvenil. Mas, esperamos que o Governo Federal, que tão bem estará representado pela Câmara dos Deputados e por todo o seu staff, possa encontrar, juntamente com os demais países, uma saída para esta situação.

Criou-se uma máfia mundial na questão da prostituição infanto-juvenil, e o Brasil não pode ficar fora da estratégia de combate a essa grande violência, a essa desumanidade. Trata-se apenas de crianças e adolescentes, que sequer têm o direito de opinar ou optar, mas que estão verdadeiramente à disposição para se tornarem cidadãos mediante medidas positivas e afirmativas do Governo Federal brasileiro.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/1996 - Página 14724